Governação difícil

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Os resultados das eleições legislativas em Espanha não garantem uma vida política estável porque os possíveis pactos não vão ser fáceis nem rápidos.
O país mantém uma bipolaridade que limita muito as margens de ação dos socialistas e dos populares. O verão vai ser complicado para os políticos. O bloqueio paira sobre a política espanhola e sua presidência da UE fica no limbo.

Depois de uma campanha eleitoral sem ideias e com muitas acusações pessoais, com os candidatos a chamar nomes, os resultados apresentam um panorama complicado para a governação.
Tem sido um grande contraste o ambiente das ruas, parques e praias, alegres, cívicas, com a virulenta beligerância de alguns políticos, que tem sido mais polémica do que políticos. Acontece que mais uma vez os cidadãos espanhóis estiveram a uma maior altura do que os seus políticos e mostraram mais civismo e sossego, mesmo com a sua polarização.

O PSOE ultrapassou as linhas vermelhas ao apoiar-se nos independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha(ERC) e os separatistas bascos de Bildu, onde há muitos ex-terroristas, mas não perdeu votos.
O pacto faustiano para aprovar o orçamento nacional, com concessões à educação em catalão (máximo 25% do castelhano, ainda nem sempre respeitado), fazendo como orelha surda às impertinências dos ex etarras, tem tido poucas consequências e o PSOE não tem pago um alto preço, contrariamente ao que muitos comentaristas auguravam. Em Espanha há sempre um bloco sólido de eleitores de esquerda que preferiram os socialistas aos de Sumar, mais parecidos ao Bloco de Esquerda português.

Os partidos nacionalistas, separatistas, e mesmo os regionalistas, que representam quase uns 15% das Cortes espanholas, tem tido sempre uma importância tática para formar governos a nível nacional. Têm sempre vendido os seus votos muito caros ("o preço tem de ser muito alto", como diz mesmo este domingo à noite o líder da ERC, "e não faremos Sanchez presidente a troco de nada", disse Junts), desde os bascos aos catalães, mas também os canários, galegos ou navarros. Isto é uma peculiaridade do sistema espanhol que um português tem dificuldade em compreender.

Espanha é tristemente um país onde não existe um patriotismo único, onde a bandeira constitucional é retirada nas câmaras municipais do País Basco e da Catalunha, onde há uns cinco milhões de cidadãos que se dizem bascos ou catalães e não espanhóis. Um país onde algumas formações, como Junts, CUP, Bildu, ERC fazem mesmo questão de falar da Espanha como se fosse um país opressor, estrangeiro, com o que há que pactuar de igual para igual. O apoio -oportunista - que podem dar será sempre pernicioso, mas a posição do PSOE, que sai reforçado, vai ser a mesma: apoiar nos nacionalistas separatistas. Não é uma boa notícia.

Da sua parte, o PP, equivalente ao PSD português, não teve os resultados -triunfalistas - que esperava, apesar de ser o mais votado. Na campanha ficou preso de mais nos dados económicos, que leram ao seu gosto, com os seus óculos, nem sempre ratificados pela realidade, apresentando de forma muito negativa uma Espanha como se estivesse em queda livre, o que não é certo. Basta passear pelas cidades do país para comprovar a segurança, uma qualidade de vida mais do que aceitável, o espírito das gentes, os comércios, os restaurantes, os espectáculos musicais, os museus, que nega essa visão catastrofista que Feijóo quis mostrar. Mas hoje ele reivindica ser o primeiro-ministro por ser o mais votado.

O Vox tem sido para o PP um problema e não uma solução. O Vox perdeu quase metade dos seus deputados. Não dá segurança porque é de um extremismo fora do tempo, de um radicalismo ultra que assusta, que é desagradável. Onde tem pactuado com o PP, nas regiões e câmaras, o discurso de Vox tem sido sempre negativo, com decisões simbólicas, parvas e mais antipáticas do que úteis. O Vox afunda-se sozinho e não será o "kingmaker", já não é relevante.

Os dois partidos dos extremos perdem, Sumar e Vox só aqueceram a campanha com os clichés habituais. Ideias, poucas e mesmo disparatadas tanto do ponto de vista humano (Vox contra a imigração, xenófobo, anti-gays, negacionista da desordem climática, etc.) como orçamental (Sumar propôs até prendas de 20.000 € aos jovens de 18 anos para poder começar quando os trabalhadores autónomos devem lutar para poder pagar os seus impostos...). E os cidadãos tem escolhido os partidos mais centralistas, não gostam de exageros. Um voto útil mais dividido em dois. A concórdia e a estabilidade não estão perto.

Há que sublinhar algumas ausências nos debates, mesmo se nos programas incluíram as propostas obrigatórias, muitas delas duma banalidade e superficialidade espantosa, com clichés vazios, como na educação ou no meio ambiente. A proteção da natureza num país com imenso risco de desertização e com uma gestão da água mais do que medíocre, o meio ambiente pouco esteve nas agendas. Todos os programas apresentados são dispersos, inconsistentes e imprecisos, além de ser, uma vez finalizadas as eleições, papel molhado e negociável. Ideias, nenhuma inovadora, nenhuma esclarecedora. Frivolidade também a falar dos impostos e dos serviços, das pensões, como se os cidadãos fossemos ignorantes. Na cultura, palavras gerais sem conteúdo concreto.

Mas, no final, o verão vai ser longo e os políticos, e mesmo o Rei, vão ficar sem férias nem praia. Há que saber quem está mais legitimado para formar governo, com que votos e com que apoios. E lembremos que em Espanha não há nenhuma tradição de governos de união nacional, entre o PSOE e o PP, pelo contrário. E os preços no mercado de votos dos apoios independentistas, que vivem melhor no conflito, vai ser alto, como eles já adiantaram.

Escritor espanhol

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