"Gostaria de que a RTP tivesse a sua própria identidade"
Com Terapia, podemos dizer que a RTP começa 2016 a fazer tratamento à sua ficção?
[Risos] Podemos dizer que, neste ano, a RTP apresentará ficções que resultam de um pensamento estruturado e diferente do que existia anteriormente. Todas as produções que estamos a preparar têm uma filosofia diferente da que existia na RTP e que esta direção de programas [liderada por Daniel Deusdado] entende como mais adequada ao serviço público.
Está a falar da aposta em séries em vez de telenovelas?
E de séries com variedade de elenco, autores, produtoras. Digamos que é uma tentativa de chegar a vários tipos de gostos do panorama do espectador português.
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Neste caso, Terapia [adaptada da israelita BeTipul] é diferente na forma e no conteúdo?
É uma série muito original, que já foi feita em vários países e um êxito em todos eles. Porque é uma série que tem características únicas e uma delas prende-se a verticalidade e a horizontalidade. As telenovelas são horizontais, as séries são verticais, mas esta sintetiza as duas coisas. É vertical na medida em que todos os dias apresenta uma história diferente, e é horizontal uma vez que a personagem central é um psicoterapeuta que acompanha os seus clientes ao longo da semana [cada dia está reservado a um deles].
A série tem 45 episódios, logo acabará no final de fevereiro. A RTP vai estrear outra logo de seguida?
Vai estrear, em março, Aqui tão Longe. Depois iremos emitir outras duas que vão começar agora a ser gravadas agora: uma chama-se Dentro e a outra, Os Boys, como na política.
Esta direção de programas fala várias vezes na oportunidade que a RTP quer dar a atores e produtoras. Mas, olhando para estas quatro séries, só duas delas é que são de pequenas produtoras.
Terapia e Aqui tão Perto são feitas pela SP Televisão, Dentro pela HOP!, do Porto, e Os Boys pela Take it Easy. A RTP organizou uma consulta de conteúdos, concorreram bastantes produtoras, foi feita uma seleção de formatos que interessam e algumas delas irão, em 2016 e 2017, trabalhar connosco. Portanto, haverá outras diferentes. Não serão todas, certamente - até porque há mais produtoras do que televisão - mas o que veremos claramente é essa diversificação.
O Virgílio marcou a ficção da SIC, também como consultor, e anteriormente a da TVI, enquanto diretor-geral da NBP, agora Plural. Este é também um dos seus objetivos na RTP?
A minha ideia não é deixar marca. Se me perguntar se gostei de fazer o que fiz na NBP/TVI e na SP/SIC, digo-lhe que estou muito orgulhoso. Na altura, a TVI bateu pela primeira vez as novelas brasileiras da SIC e, depois, a SIC bateu pela primeira vez as novelas da TVI.
Significa que é agora que a RTP vai bater as novelas da SIC e da TVI?
Não! O que se pretende é completamente diferente. Nas privadas, todo o trabalho é feito para um público perfeitamente identificado e com objetivos muito claros do ponto de vista privado e comercial. Na RTP, trata-se de encontrar maneiras de chegar a vários públicos, a várias sensibilidades artísticas, a vários criadores, e nesse sentido é, à parte do trabalho de ator, o maior desafio da minha vida.
Qual é, então, a sua ambição?
Que a RTP consiga fazer aquilo que se conseguiu na SIC e na TVI. Ou seja, gostaria que a RTP tivesse a sua própria identidade, mesmo que ainda não saiba qual é.
Independentemente do número de espectadores que agarrar?
Bem, vamos lá ver. O serviço público não tem os constrangimentos da exigência comercial que existe nas privadas, mas eu não sou um profissional que goste de trabalhar para poucas pessoas. Eu sou ator. Gosto de fazer coisas que sejam vistas por muita gente. Não estou na RTP a fazer as coisas para chegar a núcleos restritos. De maneira nenhuma.
Esse é o desafio, chegar ao milhão de espectadores das telenovelas?
Isto é uma luta, mas não passa pela cabeça de ninguém conseguir esses resultados em termos de números de forma imediata. De qualquer forma, o que temos previsto não é bater as novelas da SIC e da TVI. Queremos é que o espectador saiba que a ficção que vai ser feita na RTP tem outro tipo de parâmetros e que, com tempo, haja cada vez mais gente a querer ver esse tipo de ficção.
Depois do período conturbado que a RTP passou, o público ainda acredita na estação e no serviço público?
Talvez faça confusão sobre o que é que temos para mostrar em termos de ficção, mas espero que daqui por um ano ou dois seja claro que na SIC e a TVI há novelas e que na RTP há séries. E o que eu gostaria é que houvesse cada vez mais pessoas a ver mais séries do que novelas.
Foi o Virgílio que teve a seu cargo a escolha dos atores de Terapia?
Digamos que, na RTP, eu não decido. Portanto, o que faço é propor a Daniel Deusdado e a Alice Milheiro [diretora adjunta de programação da RTP 1] os atores e os textos que me parecem indicados em função da estratégia deles. E, nesse sentido, fui eu quem indicou os atores para esta e para as outras séries.
Autossugeriu-se, assim, para o papel do psicoterapeuta Mário?
Não, não. Isso não fui eu. Foi uma decisão da direção de programas.
E como a recebeu? Já conhecia bem as funções de um psicoterapeuta?
Não, mas conhecia muito bem a série. Ela já se cruza comigo há vários anos. Foi a terceira vez que fui convidado a fazer este papel.
Pela RTP, pela SIC ou pela TVI?
Por uma produtora e, depois, por um realizador. Para as privadas, sim.
Leonor Silveira, a musa de Manoel de Oliveira, estreia-se em televisão com Terapia.
É verdade. É um grande motivo de orgulho a Leonor ter acedido, finalmente, a fazer televisão. É uma atriz com características únicas. Para a RTP é uma mais-valia e demonstra que este projeto tem qualidade.
Poderá estar a acontecer por cá o que tem vindo a acontecer nos EUA, com a passagem de atores do grande para o pequeno ecrã?
Isso tem muito que ver com a maneira como os media estão a ocupar cada vez mais espaço na vida das pessoas. Depois, há a evolução tecnológica e assistimos atualmente a cinema digital, a televisão que parece cinema, o cinema que parece televisão. No caso de Terapia, é como se fosse, de facto, cinema.