Gondomar e Boavista com o peso do 'Apito' nos ombros
Hoje, as curtas bancadas azuis, amarelas e vermelhas do Estádio de São Miguel, em Gondomar, vão cobrir-se de depressão e exaltação. No exíguo relvado estarão duas equipas com a corda na garganta e o peso do "Apito Dourado" sobre os ombros. A partir das 16.00, Gondomar e Boavista jogam uma final antecipada, pela manutenção na Liga de Honra - e para evitar um declínio anunciado pelo processo de corrupção desportiva que abalou o futebol português.
A direcção do Gondomar prevê "casa cheia" no Estádio de São Miguel - é como quem diz pouco mais de 2500 adeptos (muitos axadrezados) a lotarem o palco gondomarense. Em causa está a manutenção na segunda liga nacional: a quatro jornadas do fim, Gondomar e Boavista ocupam os dois lugares de despromoção e querem evitar a queda, que no caso dos axadrezados até pode ameaçar a vida do clube. Gondomar e Boavista são, ainda hoje, dos dois maiores "símbolos" do "Apito Dourado", processo de corrupção de árbitros e tráfico de influências no futebol português, surgido em 2003/04.
Os gondomarenses viram o ex--presidente José Luís Oliveira ser condenado na justiça civil por corrupção de árbitros (ocorrida no ano da sua subida à Honra, 2003/04). E os boavisteiros foram o rosto mais punido pelo processo "Apito Final", variante do "Apito Dourado" na justiça desportiva: foram condenados a descer, administrativamente, à Liga de Honra. Agora, submersos no fundo da tabela, os dois emblemas não calam a revolta e dizem ainda que ainda sentem na pele o peso das acusações de corrupção.
O presidente do Gondomar, Álvaro Cerqueira, não tem dúvidas: "O clube só está em último lugar porque tem sido muito prejudicado." "Na dúvida, beneficia-se sempre o adversário do Gondomar", alega, enunciando as "más arbitragens" de que o clube terá sido alvo esta temporada. O dirigente recusa falar de perseguição, mas garante "o prejuízo acontece desde há cinco anos" - a 20 de Abril fez cinco anos que foi desencadeado o processo "Apito Dourado". E sobre o julgamento em que foi condenado José Luís Oliveira, o dirigente diz: "Ficou provado que os árbitros não tiveram influências nos resultados obtidos pelo Gondomar [em 2003/04, época em que subiu de divisão]."
Quem segue de perto a vida do Gondomar, também assegura que o clube ainda sente o peso do "Apito Dourado". "Temos sofrido muito esta época com as arbitragens", aponta o adepto David Cardoso, virando, por momentos, as costas, a mais um treino da equipa treinada por Daniel Ramos. Cardoso, ex-atleta e dirigente do clube, de 72 anos, não nega as culpas de José Luís Oliveira, mas tem a resposta pronta: "Não era só ele, todos os clubes davam [presentes aos árbitros]", acusa, assegurando que "se não fosse o 'Apito', o Oliveira tinha deixado o Gondomar na 1.ª Liga".
Mário Silva, de 60 anos, e também sócio do clube, não enjeita o estigma do processo: "Os nossos adversários ainda vêm de pé atrás quando jogam conosco." Mas defende que o clube não deve ser culpado pelos actos de um ex-dirigente. Quanto à manutenção, os adeptos mostram menos fé: "É funda- mental ganhar ao Boavista", admitem. E que melhor prenda poderia pedir o presidente Álvaro Cerqueira, que celebrou o aniversário na passada quarta-feira?
Quem não quererá dar tal prenda a Cerqueira será o Boavista. Aflitos, os axadrezados tentam escapar à segunda descida consecutiva e evitar um drama ainda maior num clube/SAD com 4,5 meses de salários em atraso e 75 milhões de euros de passivo. O presidente do clube, Álvaro Braga, não esquece a despromoção na secretaria e garante que "alguém vai ter de pagar a factura" pela situação que esta infligiu ao clube. Álvaro Braga admite que "houve direcções anteriores que cometeram erros", mas também acusa a Liga pelo estado em que o emblema portuense se encontra: "Quem geriu mal o clube deve ser responsabilizado, mas quem geriu mal a justiça desportiva também o deve ser", aponta, lamentando as "grandes dificuldades" pelas quais o Boavista passa actualmente.
Com uma equipa de jovens - mesclada com a experiência de Sérgio Leite, Jorge Silva, Rui Lima e João Tomás - os axadrezados vão esbracejando para evitar a despromoção. Os atletas que vão honrando a camisola apesar dos ordenados em atraso são os únicos alvos de elogios, no meio do discurso de mágoa, desencanto e rancor dos boavisteiros que ainda se juntam nas imediações do Estádio do Bessa.
"O Boavista foi atirado para a Liga de Honra e continua a ser empurrado para baixo, mas vai resistir", sentencia António Teixeira, adepto de 62 anos. De olhos na pantera que guarda o Estádio do Bessa, pede uma vitória esta tarde em Gondomar, "muito importante para o clube não descer". E dispara contra os detractores: "A Boavista SAD não vai acabar. Ainda têm de nos pagar uma indemnização pelo que nos têm feito passar."