Goa. Terra com futuro
De Lisboa, mesmo de olhos fechados, consigo ver Goa, sonhar com ela e procurar visionar o seu futuro.
Notícias que ecoam nos meus ouvidos em notas dispersas, vindas do longínquo Oriente e galgando milhares de quilómetros, não auguram nada de bom para a minha querida terra.
Elas informam-me que vai haver eleições legislativas para se eleger o novo governo, no dia 14 de Fevereiro. Contudo, em vez das eleições serem motivo para a população vibrar e participar de forma entusiástica, está a acontecer algo que eu tenho dificuldade em compreender.
Dizem-me que existe muita gente triste, desinteressada e desanimada por diversas razões:
As práticas revelavam que o regime partidário vigente não funcionava porque, antes e após eleições, os candidatos, tanto durante o período da candidatura como depois de eleitos, renunciavam à sua filiação e mudavam de partido de acordo com os seus interesses estritamente pessoais.
As constantes mudanças de partido e as cambalhotas espectaculares que os Membros da Assembleia Legislativa davam, transformando a política em negócio lucrativo e deixando-se corromper facilmente, são de tal ordem que os eleitores já não sabem se devem votar na pessoa ou no partido.
Sem coluna vertebral, comportando-se como autênticas enguias, esses profissionais de caça aos tachos, já não tinham a confiança dos eleitores por estarem descredibilizados e transformarem as eleições em autêntica farsa.
Os eleitores também tinham verificado que não existia uma verdadeira democracia interna, tendo como valor primordial a pessoa humana e o bem comum, mas uma democracia autoritária, despida de ideologia política, com prevalência de interesses religiosos, económicos ou de castas, entre outros.
Para além desses motivos, creio que deve haver numerosas explicações para as pessoas estarem fartas e cansadas das promessas incumpridas dos políticos e protestarem, veementemente na praça pública, por não verem os seus anseios concretizados.
É indubitável que lhes deve assistir alguma razão, caso contrário não teriam motivos de queixa.
Contudo, sem entrarmos em desespero, se quisermos analisar a situação com serenidade e de uma forma objectiva, talvez seja mais sensato, em primeiro lugar, situarmo-nos no universo onde vivemos. Depois, sem qualquer tipo de sobranceria, conviria relativizar a presença humana ao longo do tempo histórico, e só então procurarmos avaliar a nossa importância e o nosso comportamento com alguma dose de humildade.
Na verdade, não damos conta que somos grandes sortudos e, em vez de agradecermos esta circunstância específica e singular, damo-nos ao luxo de protestarmos.
A esse propósito, Bill Bryson no seu especializado e bem fundamentado livro, Breve História de Quase Tudo, escreve:
"Se imaginássemos a história da Terra, com os seus 4500 milhões de anos cumpridos num dia normal de 24 horas, a vida começaria muito cedo, por volta de quatro horas de madrugada, com o aparecimento dos primeiros organismos unicelulares simples, mas depois não avança mais durante dezasseis horas seguintes. Só quase às 20H30, depois de terem passado cinco sextos do dia, é que o planeta tem alguma coisa concreta para mostrar ao universo, uma fina camada de irrequietos micróbios."..."Os dinossauros aparecem em cena, caminhando pesadamente, pouco antes das 23H00, e aguentam o balanço durante uns três quartos de hora. Aos 21 minutos para a meia-noite desaparecem, e começa a era dos mamíferos. Os humanos surgem um minuto e 17 segundos antes da meia-noite".
Comprovando que sendo nós, humanos, um dos mais afortunados, o mesmo autor acrescenta: "Ninguém sabe quantas espécies de organismos já existiram desde que a vida começou. Trinta biliões é um número muitas vezes aventado, mas já houve quem falasse em quatro mil biliões. Seja qual for o total, 99,99 por cento das espécies que alguma vez viveram na Terra já não está entre nós".
A nossa extinção, a acontecer, não será novidade, será apenas mais uma entre milhares de milhões de outras já ocorridas. A ideia da possibilidade da nossa extinção, embora seja um pensamento pesaroso, será imperdoável se vier a suceder por nossa inteira culpa e responsabilidade.
Na minha perspectiva, face à evolução histórica, em primeiro lugar, em vez de nos queixarmos, por tudo e por nada, talvez não seja má ideia começarmos por agradecer pelo facto de termos nascido.
E na reflexão que podemos fazer sobre o enigma do nascimento do universo, partindo do nada e iniciando a sua expansão, os crentes bem podem encontrar excelentes motivos para acreditar na presença da mão divina.
A história de Goa é demasiado longa, dinâmica e complexa para poder ser resumida em meia dúzia de palavras.
Porém, para justificar os objectivos que presidem este artigo, vou mencionar apenas informações sobre seus dois momentos históricos mais recentes.
A documentação comprova que, através do alvará de 2 de Abril de 1761, o Marquês de Pombal mandou abolir as discriminações raciais na Ásia portuguesa obrigando os poderes locais a cumprir as determinações régias, pois o monarca D. José I não distinguia os seus vassalos pela cor da pele, mas pelos seus méritos.
Nesse alvará consta também que os naturais da Índia haviam sido considerados sempre iguais em honra, consanguinidade e interesses, sendo que a única diferença que existia para os empregos, matrimónios e civilidades resultava das naturais virtudes, letras, acções recomendáveis e a riqueza adquirida licitamente ao longo do tempo.
É verdade que o diploma vem ferido de discriminação nas determinações régias, porque só se aplicava aos cristãos baptizados, contudo o que importa salientar é o facto de podermos admitir que só deve ter sido publicado graças à intensa e persistente luta dos goeses de então na defesa dos seus direitos, apesar da forte oposição dos reinóis.
Isso significa que esses goeses, nossos antepassados, tiveram de batalhar com denodo para alcançar os seus objectivos, porque tinham consciência de que nada se consegue sem luta perseverante.
O segundo momento histórico que escolhi são as eleições presidenciais de 1958 onde, pela primeira vez na história das eleições presidenciais do Estado Novo, Humberto Delgado levou a sua candidatura até ao fim, unindo todas as correntes contrárias ao regime salazarista.
Face a essas eleições coloco a seguinte pergunta:
Será que a oposição acreditava que os resultados seriam transparentes?
Claro que não. Sabia que, em contraposição às grandes manifestações populares, o governo responderia com repressão, proibições de reunião, intimidações, censura e prisões, como realmente aconteceu.
Admitiria que os resultados eleitorais iriam corresponder aos boletins de voto?
Uma vez mais, não!
Preveria a existência de fraude? Com certeza.
Qual seria então a sua previsível dimensão?
Em sua resposta, cada qual pode imaginar com base na informação textual, da freguesia das Eiras, dada por um diligente agente da PIDE:
"Eleitores inscritos eram 638. Destes foram dados como votando a favor do Senhor Contra Almirante Américo Tomás 364 e 83 a favor do candidato de oposição General Delgado. Na realidade a votação foi bastante diferente, pois entraram nas urnas 263 votos a favor do General e somente 101 a favor do Senhor Contra Almirante." (Arquivo PIDE/DGS, Delegação de Coimbra, Candidatura de Humberto Delgado, NP 10506, pt. 2, fl. 178).
Se naquela eleição se comprova que houve fraude em Portugal continental, é presumível que tenha havido também em Goa.
Os documentos registaram que no Estado da Índia se inscreveram 21.147 eleitores, dos quais votaram 17.539. Destes foram dados como tendo votado a favor de Américo Tomás 16.773, e de Humberto Delgado apenas 765.
Realmente, nessas eleições presidenciais, estamos longe dos tempos do Marquês de Pombal porém, embora elas tivessem sido fraudulentas, havia agora um claro progresso, porque os hindus já eram considerados iguais perante a lei.
Caros conterrâneos, expostos os dois momentos históricos, a pergunta que coloco para vossa reflexão, antes das eleições de 14 de Fevereiro, é a seguinte:
Se os goeses, tal como os metropolitanos, sabiam que haveria fraude, porque é que votaram?
Não creio que vai haver fraude no apuramento dos resultados, no dia 14 de Fevereiro em Goa, o que pode ser considerado um grande progresso em relação às eleições presidenciais de 1958, mas não será que os goeses foram votar, naquela data histórica, para deixar bem claro que não estavam de acordo com a situação?
Será que alguém poderá imaginar os sofrimentos que terão sentido e os dramas que terão vivido Mahatma Gandhi e Nelson Mandela durante a incessante luta que encetaram contra os poderosos poderes instituídos?
As nossas dúvidas, inquietações e desânimos são insignificantes quando comparados com aquilo que devem ter sofrido esses dois grandes líderes mundiais.
Então o que os fez ser tão resilientes?
A resposta deve estar na força da razão de suas convicções. Eles tiveram o condão de nos provar que os governos são passageiros e que as ideias, quando alicerçadas em fundamentos rigorosos e baseadas em valores incontestáveis, triunfam sempre porque são indestrutíveis.
Caros conterrâneos, por favor, não se resignem nem deitem a toalha ao chão. Força. Com coragem e sem desânimo lutem pelas vossas convicções, porque Goa tem futuro e esse futuro está nas vossas mãos.