Quando foram anunciadas as atrizes que sucederiam ao quarteto formado, em 1984, por Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis e Ernie Hudson, nesta nova versão (e não sequela) do hilariante Ghostbusters, as reações dos fãs choveram como pequenas assombrações sobre o então projeto embrionário. Mulheres à caça de fantasmas? Feminismo empacotado? Estas e outras interrogações preconceituosas foram corroendo, aqui e ali, as expectativas sobre o filme de Paul Feig, que mesmo aquando da estreia mundial se viu bombardeado por comentários racistas visando a atriz Leslie Jones..Em favor do resultado, e considerando a acidez desse prelúdio, diga-se pois que é com um certo ar de "bofetada de luva branca" que Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Kate Mckinnon e Leslie Jones governam esta comédia de raízes lendárias, sem clichés femininos e com uma energia muito particular do universo de Feig - como a conhecemos do recente Spy, ou de Armadas e Perigosas (2013) e A Melhor Despedida de Solteira (2011)..Certamente quem achou que tinha a infância estragada por descobrir este novo objeto não levou em consideração que há um cérebro por detrás do filme, e não uma máquina de produção de caricaturas do passado. Feig faz uma variante da sua autoria, sobretudo no que respeita à direção de atores, em conformidade com a comédia deliberadamente física do seu cinema, mas também com uma assumida nostalgia face ao original, à semelhança do que J. J. Abrams fez na sequela de Star Wars..[youtube:w3ugHP-yZXw].Não havendo como fugir aos célebres logótipo e música de Os Caça-Fantasmas de Ivan Reitman, uma vez que se trata de um trabalho de apropriação narrativa e temática, Feig, com a colaboração de Katie Dippold no argumento, usa esses símbolos como estímulos memorialistas, colocando-os agora ao serviço de quatro mulheres em ação. E a química entre elas (ou, pelo menos, a união pela causa partilhada), começa no preciso momento em que a crença científica na existência de fantasmas se confirma numa espalhafatosa aparição do primeiro, consumado na reconhecível imagem de alguém a levar com o vómito de uma substância verde e viscosa na cara....É destes pormenores tão à anos 1980 que se faz o novo Ghostbusters, num tempo de evoluída tecnologia e higienização digital. Não é que os efeitos especiais não tenham aqui uma inevitável presença, mas o uso artesanal que Paul Feig lhes dá, em vez da alienação provocada em muitas das recentes e apocalípticas sequelas de super-heróis, trabalha em adequação à essência desta história de sustos e pura diversão. Até Dan Aykroyd, Ernie Hudson e Bill Murray aceitaram o desafio de emprestar um carisma disfarçado ao filme, surgindo em papéis de figuração..O fenómeno paranormal em Manhattan está assim debaixo de olho de três cientistas, munidas da mais incrível parafernália para apanhar espectros horripilantes, e desvendar o mistério por detrás da sua súbita recrudescência. Mas tudo é feito com o máximo profissionalismo, que inclui uma sede oficial com um rececionista bronco (Chris Hemsworth), a inclusão de um elemento não especializado, mas com corpo e lábia para o serviço (Leslie Jones), e um carro de funerária com o famoso logótipo exposto, qual cereja em cima do bolo nesta criação de uma orgulhosa presença nas ruas. Talvez a parte em que, ao publicarem vídeos das suas caças na internet, surgem comentários desconfiados e discriminatórios, possa ser uma implícita referência à onda negativa com que foi recebido o anúncio do filme, mas não surge com declarado ímpeto feminista..O Caça-Fantasmas de Paul Feig é, em todos os aspetos, um objeto de revivalismo embutido na marca da sua própria cinematografia, dominada pela comédia no feminino. E se não há grande novidade além dessa questão de género, e não se compara ao grito de excentricidade dos primeiros, cumpre-se, pelo menos, um patamar de qualidade, com verdadeiro entretenimento.