Ghost in the Shell. O futuro parece-se com a "manga" japonesa

O universo da banda desenhada volta a inspirar o cinema: em Ghost in the Shell, Scarlett Johansson é uma agente da ordem, num futuro em que as relações entre humanos e máquinas se alteraram de forma dramática.
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Uma das mais festivas formas contemporâneas de angústia consiste em imaginar o futuro. E imaginá-lo como uma paisagem tão fascinante quanto inabitável. No caso de Ghost in the Shell - Agente do Futuro (estreia hoje), o mundo tornou-se um labirinto urbano tão gigantesco quanto degradado, integrando infinitos circuitos de comunicação e delirantes recursos tecnológicos, tudo permanentemente ameaçado pela ação dos mais sinistros criminosos. Ainda há esperança? Parece que sim - chama-se Scarlett Johansson.

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De facto, o trajeto da atriz americana está cada vez mais marcado por heroínas de universos de sabor futurista. Temo-la visto, por exemplo, a assumir a personagem da "Viúva Negra", em vários títulos com chancela Marvel (surgirá mais um, Avengers: Infinity War, em 2018), ou ainda em pose de vingadora com inusitados poderes moleculares numa superprodução, Lucy (2014), rodada em França por Luc Besson.

Agora, tal como nas produções Marvel, é a banda desenhada que está na origem do projeto, mais precisamente a "manga" japonesa. Realizado pelo inglês Rupert Sanders, o filme inspira-se na obra Ghost in the Shell, de Shirow Masamune, cuja publicação se iniciou em 1989, gerando um fenómeno internacional de edição com prolongamentos na televisão, na área dos videojogos e também do cinema: um filme homónimo de desenhos animados, dirigido por Mamoru Oshii, foi lançado em 1995 (tendo sido revelado entre nós na edição de 1997 do Fantasporto).

O novo Ghost in the Shell retoma e, de alguma maneira, reforça o drama psicológico da personagem central, designada por Major, especialista no combate aos criminosos que, como quase todos os cidadãos deste mundo futuro, são "cyborgs", integrando componentes humanas e os mais variados "apêndices" proporcionados pelo avanço tecnológico. E se faz sentido considerar que Major vive uma odisseia "psicológica", isso decorre da sua própria condição de entidade híbrida: o seu cérebro foi salvo de um terrível acidente, vivendo agora num corpo cibernético, com recursos muito para além da sua condição humana original. À boa maneira das aventuras mais clássicas, ela quer conhecer as suas origens e saber como foi "fabricada".

Não se poderá dizer que Ghost in the Shell constitua uma grande novidade temática. Afinal de contas, desde Metropolis (Fritz Lang, 1927) até A. I. Inteligência Artificial (Steven Spielberg, 2011), passando por 2001: Odisseia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968), são muitos e variados os momentos em que o cinema explorou a possibilidade de imaginar um futuro, utópico ou distópico, em que as relações homem/máquina desafiam as fronteiras tradicionais entre biologia e tecnologia.

As marcas da globalização

Os méritos de Ghost in the Shell envolvem, sobretudo, a capacidade de criar um universo visual que, conservando as marcas lúdicas da BD (e também do citado filme de animação), possui uma sedutora consistência dramática. Assim, as missões de Major acontecem num território insólito, muitas vezes inquietante, em que os mais sofisticados efeitos visuais (repare-se no curioso aparecimento de hologramas publicitários entre os arranha-céus) coexistem com bairros degradados que parecem saídos de alguns "thrillers" urbanos situados em cidades do nosso presente.

Apetece dizer que este é, afinal, um filme que reflete os temas e fantasmas da globalização em que, de acordo com os economistas e políticos de todos os continentes, passámos a viver. Sintomaticamente ou não, tudo isto nasceu de um modelo de produção realmente global: Ghost in the Shell resultou da colaboração de dois estúdios americanos, Paramount e Amblin, com entidades da Índia (Reliance Entertainment) e Israel (Arad Productions) e, para além das participações de técnicos japoneses, foi em grande parte rodado na Nova Zelândia. Daqui a muitas décadas, é bem provável que filmes como este sejam afincadamente estudados como sintomas dos nossos medos, perplexidades e alegrias. Talvez sejamos mesmo descritos como "cyborgs" ainda com imaginação humana...

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