Ghosn: "Estou no Líbano. Deixei de ser refém do sistema judicial japonês"

O ex-presidente da Nissan, de 65 anos, saiu de Tóquio na segunda-feira, violando as condições da sua liberdade condicional, e encontra-se atualmente em Beirute. Uma fuga digna de Hollywood - Ghosn contou com ajuda de uma banda de música gregoriana.
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O principal advogado do ex-presidente da Nissan Carlos Ghosn mostrou-se esta terça-feira surpreendido com a saída do empresário do Japão, onde aguardava julgamento sob detenção domiciliária. "É uma surpresa total. Estou perplexo", disse aos jornalistas Junichiro Hironaka, chefe da equipa de advogados de defesa de Ghosn. Terá escapado com a ajuda da mulher, de uma banda de música gregoriana e de ex-agentes das forças especiais

Ghosn, 65 anos, saiu de Tóquio na segunda-feira, violando as condições da sua liberdade condicional, e encontra-se atualmente em Beirute."Estou no Líbano. Deixei de ser refém de um sistema judicial japonês parcial onde prevalece a presunção de culpa", afirmou Carlos Ghosn num comunicado.

Ghosn esclareceu não ter fugido à Justiça, dizendo que se libertou "da injustiça e da perseguição política" no Japão.

Segundo o Guardian, Carlos Ghosn teria fugido da prisão domiciliar no Japão no interior de um estojo de um instrumento musical. O jornal descreve-a como uma "audaciosa fuga ao estilo de cinema de Hollywood".

A fuga terá sido pleaneada pela mulher do ex-presidente da Nissan, com a ajuda de uma banda de música gregoriana e de uma equipa de ex-agentes das forças especiais.

De acordo com o canal de TV libanês MTV, a banda chegou a casa de Ghosn em Tóquio e no final do concerto, enquanto os músicos empacotavam os instrumentos, Ghosn aparentemente entrou num dos estojos maiores e foi levado para um pequeno aeroporto local, onde um avião privado já estava à espera para o levar em direção à Turquia. De lá, voou para o Líbano, onde chegou esta segunda-feira de madrugada.

O advogado de Ghosn, Junichiro Hironaka, sublinhou que o último contacto que estabeleceu com Goshn foi em 25 de dezembro, dia de Natal, e que tem em seu poder os três passaportes do ex-presidente da Nissan, que tem tripla nacionalidade: brasileiro, francês e libanês.

De acordo com fontes oficiais libanesas, citadas pela emissora pública japonesa NHK, Ghosn deixou o arquipélago nipónico com um documento de identidade falso e entrou no aeroporto internacional de Beirute com essa mesma identificação.

"Entrou com um nome diferente, não com o de Carlos Ghosn", disse uma fonte dos serviços de segurança libaneses, citada pela mesma emissora. Segundo a NHK, o ex-presidente da Nissan terá chegado ao Líbano num avião particular.

Carlos Ghosn, ex-presidente do conselho de administração e ex-presidente executivo do grupo Nissan e da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, foi detido em Tóquio em 19 de novembro de 2018 por suspeita de abuso de confiança e evasão fiscal.

Detido vários meses no Japão, o empresário foi libertado em março de 2019, após o pagamento de uma caução. No início de abril passado, foi novamente detido e outra vez libertado sob caução.

No final desse mesmo mês, Ghosn ficou sob detenção domiciliária, a aguardar julgamento por evasão fiscal, entre outros crimes.

Os advogados e a família de Carlos Ghosn têm criticado fortemente as condições da detenção do empresário, bem como a forma como a justiça nipónica tem gerido os procedimentos deste caso.

Ghosn chegou à Nissan em 1999 como presidente executivo para liderar a recuperação do fabricante, com sede em Yokohama, nos arredores de Tóquio, depois de ter oficializado uma aliança com a francesa Renault.

O antigo administrador executivo da aliança Renault-Nissan e presidente dos conselhos de administração da Nissan e da Mitsubishi, era a pedra angular de um grupo feito de equilíbrios. Para respeitar as particularidades culturais, o empresário combinava formas de liderança empresarial distintas, enquanto partilhava as capacidades industriais das empresas para alcançar economias de escala semelhantes a um grupo único.

Líder do construtor francês desde 2005, Ghosn conquistou a confiança dos acionistas pela força dos resultados obtidos tanto na fabricante francesa quanto mais tarde na Nissan, o parceiro japonês. A aliança Renault-Nissan, ampliada em 2016 para a Mitsubishi, tornou-se no número um em vendas no ano passado, com 10,6 milhões de carros vendidos.

Impulso elétrico

Sob a iniciativa de Ghosn, o grupo foi o primeiro a investir em força nos veículos elétricos, área na qual é líder mundial. Após anos de menosprezo, e ao ver o mercado a crescer, a concorrência acabou por se juntar à transformação da indústria no sentido de acabar com os motores de combustão.

"Um líder é em primeiro lugar alguém que traz desempenho", dizia este empresário nascido há 64 anos no estado brasileiro da Rondónia.

De família de origem libanesa, Carlos Ghosn cedo se mudou do interior do Brasil para o Rio de Janeiro e daí para Beirute, onde frequentou uma escola jesuíta. Os estudos liceais e a formação superior (em engenharia de minas) foram obtidos em Paris.

Iniciou a carreira na Michelin e em quase duas décadas subiu na hierarquia quase até ao topo (tendo trabalhado no Brasil e nos EUA). Em 1996, foi recrutado para a Renault pelo patrão Louis Schweitzer, que viu nele o seu sucessor.

Apelidado de cost killer (assassino de custos), especializou-se em transformar empresas em dificuldades financeiras em muito lucrativas. Tinha como desafio a integração da Mitsubishi Motors, que esteve envolvida num escândalo de fraude. Ghosn tinha uma excelente imagem no Japão, onde se tornou um herói do mangá (banda desenhada japonesa), em resultado de ter dado nova vida à Nissan.

Já em França, recorda a AFP, foi por vezes acusado de favorecer os interesses japoneses ou de fazer uma administração eminentemente financeira. As críticas desvaneceram-se a partir do momento em que a Renault voltou a criar empregos no país.

As relações com o Estado francês, que detém mais de 20% dos direitos de voto da Renault, nem sempre foram as mais pacíficas. Em 2016, a assembleia geral da Renault havia rejeitado a remuneração de 7,25 milhões de euros obtida no ano anterior.

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