Gestores ganham até cem vezes mais que trabalhadores

Gestores das cotadas portuguesas ganharam em média 876 mil euros. Jerónimo Martins, EDP e Sonae estão no topo da disparidade
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Diz que é o "defesa direito de um clube do meio da tabela" quando comparado com os gestores mundiais do setor da energia, mas no campeonato da bolsa portuguesa, António Mexia continua a ser o ponta-de-lança. O presidente da EDP levou para casa no ano passado mais de dois milhões de euros, entre remuneração fixa e variável, mais 11% face a 2015. Se cumprir com os objetivos traçados pela elétrica para este ano, o valor pode subir para 2,6 milhões de euros. Segundo o relatório de Governo da Sociedade da EDP, o montante gasto com os salários da administração em 2016 até baixou. A elétrica distribuiu 10,7 milhões de euros pelos oito membros que compõem o Conselho Executivo, menos 7% face a 2015.

A folha salarial de um trabalhador da EDP apresenta números muito diferentes: em média, os quase 12 mil funcionários da energética arrecadam, ao fim de um ano, 49 100 euros, menos 41,5 vezes que o presidente da companhia.

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Ainda assim, Mexia está longe de liderar o ranking da disparidade salarial entre as empresas da bolsa. Das 14 companhias que já publicaram os relatórios de Governo das Sociedades de 2016, é na pirâmide da Jerónimo Martins que está a maior distância entre o topo e o fundo. Pedro Soares dos Santos, CEO da dona dos supermercados Pingo Doce, arrecadou no total 1,269 milhões de euros no ano passado, mais 46% em relação a 2015. Já a média salarial do grupo foi de 12 500 euros anuais por trabalhador. Na prática, Soares dos Santos ganhou mais 101 vezes que um colaborador da Jerónimo Martins.

O setor do retalho é, de resto, o mais propício às disparidades. Apesar de ter recuado quase 30% em 2016, o salário de Paulo Azevedo, CEO da Sonae, foi 38 vezes superior ao rendimento médio dos trabalhadores. Galp e CTT são as outras empresas do principal índice da bolsa nacional em que a diferença salarial entre o CEO e os trabalhadores ultrapassa as 30 vezes.

No plantel dos 14 líderes do PSI20 com as contas publicadas, nove ganharam mais na temporada que passou. Além de Mexia e Soares dos Santos, salta à vista o aumento de 71% da remuneração de Luís Palha da Silva, CEO da Pharol. Mantém-se, ainda assim, como o segundo líder mais "pobre" da bolsa Já Cláudia Azevedo, da Sonae Capital, ganhou mais 64% em 2016, ano em que a empresa regressou aos lucros pela primeira vez em cinco anos.

As contas da EDP Renováveis são um caso à parte. João Manso Neto, presidente executivo da energética, auferiu mais em 2016 do que toda a administração da empresa junta. Mas no respetivo relatório de Governo, o salário de Manso Neto equivale a "zero". A empresa explica que tem um "Acordo de Serviços de Administração Executiva assinado com a EDP", segundo o qual a Renováveis paga uma quota à EDP pelos "serviços prestados" pelos administradores executivos e não executivos", que em 2016 ascendeu a 1,332 milhões de euros.

O maior aumento remuneratório teve lugar na Semapa. João Castello Branco ganhou 1,120 milhões de euros em 2016, naquele que foi o primeiro ano completo em que tomou as rédeas da empresa, após ter sucedido a Pedro Queiroz Pereira em 2015. Queiroz Pereira assume-se como presidente do Conselho de Administração da Semapa, onde apesar de não ter um cargo executivo, mantém, segundo a empresa, "uma significativa proximidade às decisões relevantes da atividade corrente da sociedade". Será essa proximidade que justifica os 1,315 milhões de euros que o empresário auferiu em 2016 pela Semapa, ao qual acrescem 2,96 milhões de euros relativos a "remunerações noutras sociedades", segundo o relatório da empresa. No total, Queiroz Pereira ganhou cerca de 4,27 milhões de euros no ano passado. Além da Semapa, o CR7 da bolsa nacional presidiu aos conselhos de administração de outras 15 empresas.

A disparidade salarial no setor privado voltou a estar no centro da discussão nas últimas semanas, após a líder do Bloco de Esquerda se ter insurgido contra os salários dos gestores. Catarina Martins defendeu a necessidade da criação de "regras na economia para que o país possa ser mais justo", contra os "setores de privilégio ilimitado". A líder bloquista salientou as "grandes responsabilidades" que têm, na economia, empresas como a Jerónimo Martins ou a Sonae, que juntas são responsáveis por quase 140 mil empregos no país, acusando estas companhias de terem como único mérito o de "agravar a economia injusta".

À posição da líder do Bloco, António Mexia retorquiu, em entrevista ao Dinheiro Vivo, que a remuneração dos gestores é um assunto que "diz respeito exclusivamente aos acionistas", como empresa privada que é: "No momento em que se quiser controlar aquilo que é a capacidade da iniciativa privada em Portugal, e interferir nisso, só existe um destino: é a pobreza", sublinhou o CEO da EDP.

A limitação dos salários dos gestores públicos e privados foi chumbada no final do ano passado no Parlamento por PS e PSD, quando foi a votos na Comissão de Orçamento e Finanças. O objetivo de limitar as remunerações a 90% do salário do Presidente da República ficou pelo caminho, mas o assunto ainda mexe. O PS está a estudar uma proposta que pretende penalizar as empresas onde a desproporcionalidade é maior, sugerindo medidas como o aumento das contribuições para a Segurança Social. Os dados do Eurostat revelam que Portugal é o quarto país da União Europeia com maior desigualdade salarial, apenas atrás de Chipre, Roménia e Polónia.

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