Geraint Thomas, da sombra para a glória no Tour

O ciclista galês concretizou neste domingo nos Campos Elísios a primeira vitória no Tour, remetendo o colega de equipa na Sky e favorito Chris Froome para um segundo degrau da história. Surpresa? Anunciou ao que ia em junho...
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Geraint Thomas passeou-se neste domingo por Paris - o norueguês Alexander Kristoff (UAE Team Emirates) venceu a 21.ª e última etapa do Tour 2018 - montado na sua bicicleta a brindar ao primeiro grande triunfo no ciclismo de estrada. Nada menos do que o Tour. A Volta à França, onde os muito bons se esgadanham para ganhar etapas, os excecionais lutam pelo pódio e os imortais gravam o nome entre os vencedores da prova.

Um deles, Chris Froome, era apontado a juntar-se à galeria dos imortais-inatingíveis. O belga Eddy Merckx, o espanhol Miguel Induraín e os franceses Jacques Anquetil e Bernard Hinault, os quatro extraterrestres que em mais de cem anos de história conquistaram cinco Tours. Merckx conseguiu quatro deles consecutivamente. E, neste ano, tudo apontava para que Froome o igualasse nas cinco vitórias no total com quatro seguidas, depois dos triunfos em 2015, 2016 e 2017 (e 2013).

Esperava-se porque a equipa Sky, liderada pelo diretor desportivo Sir David Brailsford, tem reduzido os feitos dos adversários a adereços da sua corrida dominada pela ciência. Tudo é preparado com base na "bigdata" (informações pormenorizados recolhidas por computadores sobre as condições físicas, pontos fortes e fracos dos adversários). Se é para acelerar na frente do pelotão, para lançar um ataque de um dos seus ciclistas, se é para parar uma fuga ou um indomável adversário que tente escapar ao domínio coriáceo da formação britânica.

Já é assim desde 2012, quando o primeiro britânico ganhou o Tour: Sir Bradley Wiggins. O perseguidor das pistas (oito medalhas olímpicas, cinco de ouro - a última no Rio de Janeiro 2016) que saltou o canal da Mancha para vencer na estrada a mais prestigiada prova do ciclismo planetário. Em junho desse ano, Wiggins mostrou ao que ia nas três semanas de competição em julho. Ganhou o Critério Dauphine-Liberé. Froome ganhou-o em três anos dos quatro que venceu o Tour.

Na edição de 2018, falou-se mais de quando é que Froome saltaria para o primeiro lugar (depois de cair na etapa 1 e perder 51 segundos para o colega, andou quase sempre em 2.º, atrás de Thomas, ainda mais após as duas vitórias de etapa deste nos Alpes na segunda semana), dando por praticamente adquirido que seria só uma questão de data. Com o passar dos dias, especulou-se se não estaríamos perante uma repetição do acordo entre Wiggins e Froome, que se mostrava mais forte do que o companheiro, mas terá abdicado de lutar pelo triunfo em troca de uma verba em dinheiro semelhante ao prémio que o Tour paga ao vencedor.

Mas os dias passaram e Geraint Thomas mostrava-se irredutível, superior e inquebrável. Froome, não. Nunca pareceu melhor e quebrou nos Pirenéus. Enquanto Thomas acumulava segundos de avanço sobre o campeão do Mundo de contrarrelógio, Tom Dumoulin, que terminou em 2.º na geral à frente de Froome.

A receita para o sucesso de Geraint Thomas no ciclismo estará algures num determinado período de três anos do Liceu Whitchurch, em Cardife. Nessa janela de tempo, passaram por lá Gareth Bale (galês, é o britânico com mais Champions League: quatro) e Sam Warburton, que se retirou do râguebi no mês passado depois de ter entrado para a história ao fazer parte da equipa dos British and Irish Lyons (representa o Reino Unido e a Irlanda em jogos particulares) que travou a invencível Nova Zelândia em 2017 (com um empate).

Thomas ganhou hoje em Paris, mas, tal como Wiggins, sabe bem qual é o sabor do ouro nas pistas. Perito em perseguição por equipas, o galês de 32 anos conquistou duas medalhas de ouro Olímpicas em Pequim 2008 e Londres 2012. Começou cedo, aos 10 anos, e foi ganhando provas e notoriedade nas pistas. Até se confirmar em pleno aos 18 anos, com a medalha de prata nos Europeus de pista, em Valência.

Dave Brailsford jogou em dois tabuleiros, permitindo que todas as especulações fossem feitas sobre quem seria o vencedor da Sky no Tour. A tese de que Froome é que era o líder foi alimentada por todos, até pelo próprio Thomas. Agora que tudo se acaba e ficam à mostra as debilidades do quádruplo vencedor em França, o discurso é mais assertivo em relação a Geraint.

"Em dezembro, decidimos que esta época se devia nortear pelo atingir do pico em julho. E ele conseguiu-o de forma perfeita", revelou Brailsford já no último dia do Tour.

"Não poderíamos ter tido um clímax mais emocionante do que este. Pareceu uma corrida demasiado longa e no fio da navalha nos últimos dias e finalmente toda a emoção se libertou", concluiu o diretor desportivo da inalcançável Sky (que leva o nome do patrocinador do canal de televisão britânico e tem mais dinheiro do que algumas equipas adversárias juntas).

Em Portugal, Geraint Thomas já tinha entrado pelos ouvidos e olhos dos adeptos do ciclismo com os dois triunfos na Volta ao Algarve (2015 e 2016). Agora, prepara-se para o mais difícil: o que fazer depois de vencer o Tour? Será que para o ano haverá duelo fratricida entre Thomas e Froome (que com Wiggins compõe o histórico trio britânico que conquistou o Tour)? Ou será que Egan Bernal, o jovem portento colombiano, tantas vezes determinante a puxar o comboio Sky estas três semanas, estará preparado aos 22 anos para ser já o líder eleito para o futuro pelo próprio Brailsford? Certo é que este ano ganhou.

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