Geórgia. Tanta história e cultura a descobrir, enquanto se bebe vinho à antiga e se saboreiam khinkalis

Com uma história tão longa que se cruza com os gregos e os persas antigos, também com os impérios romano, bizantino, árabe, mongol, otomano e russo, a Geórgia recuperou a independência em 1991 e na sua vontade de reafirmar a vocação europeia, aposta no turismo e até nem pede passaporte aos portugueses, só o cartão de cidadão.
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Como se fosse ainda o guardião da cidade que fundou há mais de 1500 anos, o rei Vakhtang I ergue-se imponente na colina rochosa onde brilha a igreja de Metekhi. Com o céu de um azul lindíssimo, comum na Geórgia nestas derradeiras semanas de verão, a estátua do monarca que também é santo da Igreja Ortodoxa parece olhar para a colina em frente, na outra margem do rio Mtkvari, onde sobressai o mais simbólico monumento de Tiblissi, a fortaleza de Narikala, cujas muralhas testemunharam a luta dos georgianos para se manterem livres de impérios como o persa (sob vários nomes, antes e depois da conversão ao islão), o romano, o bizantino, o árabe, o mongol, o otomano ou o russo. No sopé da montanha onde se ergue Narikala, avista-se um dos bairros mais típicos da capital, Abanotubani, onde edifícios em tijolo avermelhado ainda hoje oferecem banhos em águas sulfurosas vindas de nascentes. Diz inclusive a lenda que a fundação da cidade teve que ver com o episódio em que o rei, durante uma caçada, observa um dos seus falcões capturar um faisão e depois cair num riacho, onde ambas as aves foram encontradas cozidas. Tiblissi deriva, aliás, de tbili, "quente" em georgiano.

Três décadas depois da independência conquistada quando a União Soviética se desagregou em 1991, a Geórgia está cheia de sinais da sua vontade de se reafirmar europeia, a começar até pelas bandeiras da UE içadas em locais como o parlamento, um dos magníficos edifícios que ornamentam a avenida Shota Rustaveli (grande poeta dos tempos medievais), cheia de palácios, teatros e museus, com os tesouros em ouro do Museu Nacional da Geórgia a serem de visita obrigatória mesmo para quem se propôs visitar o país, do Cáucaso ao Mar Negro, em apenas uma semana. Há também cafés cheios de charme - é a zona de hotéis de cinco estrelas - e restaurantes como o Alubali, onde se podem provar delicias locais como o khachapuri, um pão alongado que pode levar um ovo no centro para misturar, ou os khinkali, espécie de raviolis gigantes recheados com uma suculenta carne misturada com especiarias. E não esquecer os vinhos georgianos, herdeiros de oito mil anos de tradição.

A si próprio os georgianos chamam-se kartvelianos. São um povo antiquíssimo (tiveram, por exemplo, de lidar com os exércitos de Alexandre) com uma forte identidade alicerçada numa língua própria, numa conversão ao cristianismo que se deu logo em 337 no reinado de Mirian III e até num alfabeto nacional, que se pode ver em todas as placas na estrada acompanhadas pela transcrição latina. Parnavaz I, que reinou no século III a.C, foi o primeiro unificador das terras georgianas, a partir de Kartli, reino conhecido como Iberia pelos cronistas da Antiguidade Clássica. Já por volta do ano 1100, destacou-se David IV, o Construtor, herói nacional.

Algo marcante também na cultura georgiana é o vinho, e é sua a palavra vino que se internacionalizou graças aos romanos. Uma viagem pela metade leste do país corresponde a cruzar terrenos cheios de vinhedos, com oportunidade de visitar adegas como a Shumi, na região de Kakheti. A tradição, que está a ser recuperada e dá renovado prestígio ao vinho georgiano, passa pela fermentação em recipientes de barro, como as talhas em certas zonas do Alentejo, mas enterrados no chão. É indispensável visitar o palácio em Tsinandali que foi da família do poeta e militar Alexander Chavchavadze, que chegou a encabeçar revoltas contra os russos, mas foi um dos generais do czar que derrotaram Napoleão e entraram em Paris. Também aqui se produz vinho, com a curiosidade de ter sido Chavchavadze a introduzir no país o método de produção europeu. Integrado nos jardins do palácio existe um luxuoso hotel gerido pelo grupo Silk Road, mas a uns quilómetros de distância, depois de uma visita ao mosteiro de Alaverdi, com mil anos (e a igreja mais alta do país até à inauguração da catedral Sameba em Tiblissi) está uma das maravilhas oferecidas pela Geórgia como destino turístico, o Lopota Lake Resort, rodeado por um milhão de metros quadrados, incluindo um lago, por entre montanhas verdejantes.

A caminho de Batumi, segunda cidade do país, três paragens dignas de nota: Sighnaghi, vila muralhada no alto de uma montanha, Uplistsikhe, um complexo de grutas escavadas perto de Gori que serviu para cultos pagãos antes de ter sido transformado em santuário cristão e depois abandonado durante a Idade Média, e o lago Paliastomi, ligado por um estreito canal ao Mar Negro, e perfeito para um passeio de barco para quem gosta de ver vegetação abundante (quase selva) e uma variedade de aves migratórias.

Os arranha-céus que ornam a fachada marítima de Batumi, muitos deles hotéis e casinos, prometem uma cidade moderníssima, procurando rentabilizar as praias de águas mornas do Mar Negro. Mas se a nova arquitetura impressiona, como é o caso do hotel Sheraton inspirado no antigo farol de Alexandria, também é agradável a parte antiga da cidade, cujos edifícios têm vindo a ser recuperados. A não perder a praça Medeia, filha do rei Eetes, de Cólquida, antigo reino na parte ocidental da Geórgia, figuras que surgem na mitologia grega por causa dos argonautas e da busca do tosão de ouro. Para pensar quando é que vai voltar à Geórgia - tanta é a riqueza cultural, paisagística e gastronómica deste país plurimilenar que uma semana lá é pouco - , nada como na última noite passear pela marginal de Batumi, ver a estátua de Ali e Nino (amantes proibidos de um livro da primeira metade do século XX) e jantar peixe grelhado num restaurante junto ao mar, como o Adjaruli Sakhli.

leonidio.ferreira@dn.pt

DN viajou a convite da embaixada da Geórgia (e agradece ao guia Giga Martashvili)

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