George Clooney, um cineasta ferozmente político

No cinema realizado por George Clooney há uma escolha de temas que repensam o compasso moral americano. Um cineasta irregular que é guiado pelos clássicos e pelos... irmãos Coen.
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Um cineasta que tem sabido aliar uma ideia de cinema clássico americano com uma pose de desalinhado da Hollywood liberal. O cinema de George Clooney não segue linhas de estúdio nem é feito de encomendas. Tal como a persona do ator, há sempre uma intenção em cada um dos seus filmes. Filmes que não têm necessariamente vontade de dialogar uns com os outros mas que existem por uma vontade de autodescoberta e prazer de imprevisibilidade.

O melhor elogio que se lhe pode fazer é que não se tornou cineasta por capricho. Logo ele que em 2002, antes do primeiro filme, já era um dos maiores ídolos internacionais e ator respeitado, tendo já sido estrela de O Pacificador, Ocean"s Eleven - Façam as Vossas Apostas ou Romance Perigoso.

O Clooney realizador, de quem muitos no começo desconfiaram, já tem seis filmes no seu currículo, contando com este Suburbicon. Longe de ser consensual, é um realizador polivalente. Vai a muitos géneros e sabe mudar de registo. Talvez tenha nos irmãos Coen a sua grande influência, mas também já foi beber muito a Steven Soderbergh, cineasta com o qual tem uma bela história como ator.

Confissões de Uma Mente Perigosa, a estreia, mereceu honras de seleção no Festival de Berlim e baseava-se numa adaptação de Charlie Kaufman do livro de Chuck Barris, uma figura histórica da televisão americana que terá sido um agente da CIA. Clooney a pegar em mitos e a filmar uma América cercada de conspirações e segredos. Um filme de espionagem que era sobretudo um estudo de personagem. Um projeto algo extravagante e com um trabalho de câmara que certos críticos consideraram demasiado "publicitário".

Independentemente disso, a bravura técnica da sua mise-en-scène terá deixado muita gente de boca aberta. O filme não foi um sucesso mas colocou o seu nome no mapa. Os irmãos Weinstein foram os padrinhos desta estreia cujo elenco metia respeito: Julia Roberts, Drew Barrymore e o próprio Clooney, embora o protagonismo tenha sido dado a um ator até então desconhecido: Sam Rockwell. A pontaria de Clooney para descobertas começava bem.

Três anos depois, em 2005, chega o seu filme mais prestigiado e respeitado: Boa Noite e Boa Sorte, a verdadeira história de Edward R. Murrow, o jornalista que pôs a América a ouvir as suas crónicas e que enfrentou as medidas macarthistas. Filmado num preto e branco intenso, aqui já se sentia um outro tom na sua realização, um outro apaziguamento. Um filme para adultos que reflete com nostalgia uma época americana que mexeu nos valores de um país. Cinema político com mensagem explícita liberal num período em que o cineasta já era uma das vozes mais ativistas de Hollywood. Boa Noite e Boa Sorte chegou como recado ao então presidente George W. Bush. Foi nomeado para seis prémios da Academia e acabou por não vencer nenhum.

Em 2008, decidiu experimentar um novo género, a screwball comedy, com Jogo Sujo/Leatherheads, comédia clássica com aspirações revivalistas em que o próprio Clooney era o galã de serviço a contas com um rival mais novo, John Krasinski (mais uma vez, a revelar um nome que vingou). A história levava-nos aos anos 1920, nos meandros de uma negociação em torno de um jogador de futebol americano que poderia salvar a equipa de um empresário. Mas a chegada do jogador "estrela" desencadeia uma série de equívocos.

Para Clooney, a ideia era homenagear uma memória de uma inocência americana, não dispensando o dispositivo do triângulo amoroso. Sinalizações contracorrente com o tipo de cinema que Hollywood hoje faz. Tudo era filmado com muito charme e um rigor muito fiel, mas, depois, falta química ao filme. Renée Zelwegger parece mal escolhida e as resoluções dos quadros humorísticos nem sempre tinham boa gestão. Na verdade, comercialmente acabou por ser um desastre e, devido ao tema do futebol americano, em Portugal acabou mesmo por ir para o mercado home cinema. Felizmente para o Clooney ator, o seu estatuto de grande estrela estava por esses anos em alta.

Aliás, em 2008, foi o ano de mais uma associação com os seus amigos Ethan e Joel Coen, neste caso em Destruir depois de Ler, mais uma maldade dos irmãos que insistiam em brincar com a imagem de galã de Clooney. Por essa altura, já era a terceira colaboração entre eles. A primeira tinha sido em 2000, com Irmão, Onde Estás?, comédia musical que deu aos Coen o seu primeiro grande sucesso de bilheteiras, seguindo-se em 2003 Crueldade Intolerável, no qual, mais do que nunca, os cineastas desconstruíam os estabelecimentos da perceção de uma estrela de cinema "à antiga". Nunca tanto Clooney foi comparado com Cary Grant. Toda a colaboração entre os Coen e o ator convoca um misto de ironia e subversão das regras do papel do leading man.

Dessa amizade surgiu no ano passado Salve, César! Terá sido nesse plateau que os Coen terão cedido os direitos do seu guião de Suburbicon. Segundo se percebeu, tratava-se de um argumento que os irmãos terão escrito nos anos 1980 e, posteriormente, perdido a vontade de filmar. Em Berlim, quando promoviam Salve, César!, estavam encantados com o facto de ser Clooney o realizador. A amizade em Hollywood tem destas coisas...

Seja como for, outro dos sucessos do Clooney realizador chegou em 2011 e não teve "espírito" Coen. Chamava-se Nos Idos de Março e era uma adaptação com sangue na guelra de uma peça teatral sobre uma campanha presidencial. Um filme também com muita verve política e um estilo a fazer lembrar o melhor Altman. Era também a confirmação de Clooney como imenso diretor de atores, oferecendo a Ryan Gosling, Philipe Seymour Hoffman e Paul Giamatti interpretações para prémios (embora ninguém tenha ido aos prémios da Academia - ficou-se pela nomeação ao melhor argumento). Poderá estar aqui o seu melhor filme, ainda que, logo a seguir, terá assinado o pior, Os Caçadores de Tesouros, provavelmente para pagar as contas. Elenco de encher o olho que incluía Bill Murray, Cate Blanchett e Matt Damon. Seria um Ocean"s se Soderbergh fosse molengão e sem ideias de cinema.

A realização é algo que não vai ficar para trás no percurso deste filantropo. Clooney para o ano experimentará a televisão. Está neste momento a fazer a minissérie Catch 22, baseada no livro de Joseph Heller. Para já, ainda não se sabe o elenco nem se Clooney e o seu sócio criativo, Grant Heslov, não vão transpor a realidade da história da Segunda Grande Guerra para outro conflito mais atual...

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