"Gastronomia da Extremadura é parecida com a do Alentejo mas sem os coentros"

A mãe de Teresa Rainha vinha na juventude de Valência de Alcântara passar férias à Figueira da Foz. Ali conheceu o marido português e o resultado hoje é uma filha diretora da delegação da Extremadura em Lisboa bilíngue, que se sente bem tanto na pele de espanhola como na de portuguesa.
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Começamos por pedir uma Torta del Casar, da região de Cáceres, queijo amanteigado a lembrar o nosso Serra da Estrela, e leitão frito crocante que, como Teresa Rainha muito bem me explica e ainda melhor exemplifica, vem em pedacinhos para ser comido com as mãos, pois o desafio é roer os ossinhos e aproveitar o máximo da carne. "É o típico prato de entrada para partilhar entre amigos, sem cerimónias", sublinha a diretora da delegação do governo regional da Extremadura em Lisboa.

Conversamos em português, que Teresa fala na perfeição, tal como fala também perfeitamente o espanhol, ou não fosse ela filha de um português e de uma espanhola, e criada sempre entre as duas culturas "e ficando a ganhar muito com isso".

Escolhemos o restaurante Rubro perto da Avenida da Liberdade, cuja ementa é bem conhecida do pessoal da embaixada espanhola ali perto, mas pedimos a carta especial dedicada às jornadas gastronómicas da Extremadura, ou não tivesse Teresa como missão promover essa região espanhola, tão próxima de Portugal, mas ainda tão desconhecida de nós, tirando para os que vivem na raia. "Felizmente cada vez mais portugueses vão descobrindo os encantos extremenhos, seja a arquitetura de cidades como Cáceres, seja a gastronomia, seja espectáculos culturais como o Festival de Teatro Clássico de Mérida", diz a minha convidada.

Concordo, e confesso pertencer com gosto a esse grupo de portugueses que já faz justiça à Extremadura mas que durante anos só conhecia Badajoz e a autopista que cruzava a região rumo a Madrid. Hoje recomendo a ida a Cáceres ou Trujilho, a descoberta de Cuacus de Yuste, onde morreu o imperador Carlos V, a visita ao mosteiro de Guadalupe, lindíssimo no alto das montanhas, e sobretudo Mérida, capital regional, também antiga capital da Lusitânia romana, cidade monumental, com um Teatro Romano que em julho e agosto ganha vida todas as noites com peças inspiradas no mundo greco-romano.

Estava decidido a pedir um Ribera del Guadiana para acompanhar a refeição, mas o Rubro não tem ainda vinhos extremenhos, falha que Teresa espera não tardar muito a ser corrigida. Apesar de na carta haver boas sugestões de tintos e brancos de outras parte de Espanha, optamos pela cerveja, e para a mesa virão duas cañas, depois mais duas, cerveja bem fresquinha.

Volto às origens da representante da Extremadura, que nasceu em 1970 em Ávila, que é em Castela-Leão, mas poucos anos viveu em Espanha. A infância foi passada em Portugal, também a juventude, e acabou por estudar Relações Internacionais na Universidade Lusíada, em Lisboa. "Em casa dos meus pais sempre se falou espanhol e português", recorda Teresa, que conta que a mãe, de Valência de Alcântara, todos os verões passava férias com a família na Figueira da Foz e que foi assim que conheceu o pai, rapaz lá da terra, por quem se apaixonou. Por falar em amores, em Valência de Alcântara fica a Igreja de Rocamador, onde no final do século XV D. Manuel I casou com Isabel, uma filha dos Reis Católicos. Tempos de paz entre portugueses e espanhóis, mas mais tarde, durante as Guerras da Restauração, Portugal chegou a possuir a vila durante alguns anos.

Partilhamos um Lombo de Cordeiro, delicioso. As Jornadas Gastronómicas da Extremadura tiveram o toque de qualidade do Chef Pepe Valadés, em colaboração com os profissionais do Rubro. A região quer ganhar fama gastronómica, apesar de haver outras partes de Espanha mais populares entre os bons garfos como o País Basco ou a Galiza.

Depois da universidade, Teresa ganhou uma bolsa para ir para Bruxelas, trabalhar para a União Europeia. "Fui para seis meses, fiquei 15 anos", diz, entre risos. Seguiram-se vários trabalhos, primeiro a direção-geral de pescas, depois o Banco Argentaria (hoje BBVA), a seguir ainda a representação da Comunidade Valenciana. Entretanto, é desafiada para ir para Mérida trabalhar para a Junta da Extremadura, a mesma entidade que acaba por a designar representante em Bruxelas, o que leva a novo período de vida na Bélgica.

"As minhas filhas nasceram em Bruxelas", conta Teresa, que é casada com um extremenho de Badajoz, cidade fronteiriça que se tem vindo a renovar e ganhar novos atrativos. Tão à vontade como europeia como como ibérica, aceitou com naturalidade o desafio de Guillermo Fernandez Vara, o presidente regional, socialista, para vir chefiar uma delegação da Extremadura em Lisboa, que abriu em 2009, com edifício próprio no Restelo. Depois, conta Teresa, vieram os tempos da crise e em 2012 a representação passou a ser alojada na própria embaixada de Espanha, na Avenida da Liberdade (o belíssimo Palácio da Palhavã, na Praça de Espanha, é a residência oficial dos embaixadores).

Evitamos a política espanhola, mas não deixo de notar que mesmo quando o PP substituiu o PSOE no governo extremenho não deixou de haver um grande interesse em aprofundar as relações com Portugal. E entretanto Vara, médico nascido em Olivença, voltou a liderar a Junta com sede em Mérida e foi por intermédio de Teresa que o entrevistei já duas vezes, a última das quais para anunciar que já havia mais de 20 mil estudantes na Extremadura a aprender português. Também foi Teresa que me apresentou a Jesus Cimarro, o diretor do Festival de Mérida, que revolucionou o evento dedicado ao mundo clássico atraindo público até de Portugal. "A cooperação na zona da Raia é forte e no interesse das duas populações. E a Extremadura tem sempre vontade de estreitar relações com Portugal", sublinha.

Terminamos o almoço dividindo uma tarte de lima e limão. E desafio Teresa a recomendar aos leitores uma primeira abordagem à Extremadura, um fim de semana. "Indo de Lisboa é uma viagem fácil, curta, umas duas horas. Recomendo Cáceres, Mérida e Trujillo. Com dormida em Cáceres, ida a Trujillo e no regresso a Lisboa paragem em Mérida, visitando assim três cidades património da humanidade. Outra sugestão é Cáceres e a parte norte da Extremadura, com ida a Plasência e também ao mosteiro de Yuste. E aproveitar a gastronomia da região, que é simples, feita com os produtos da terra, ali de primeira qualidade. Temos o porco e os enchidos, também o presunto ibérico de bolota, que é a estrela, temos o cordeiro, os queijos, como o Torta del Casar ou o Queso de La Serena. E não esquecer os vinhos da Ribera del Guadiana, cada vez melhores. Há muito em comum com a comida do Alentejo, tirando que na Extremadura não usamos os coentros. É talvez a maior diferença".

RUBRO

1 Torta del Casar
1 Leitão frito
4 cañas
1 Lombo de Cordeiro
1 Tarte de Lima e limão
45 euros

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