Os graffitis nos comboios não impedem apenas os passageiros de apreciarem a paisagem. A limpeza destes desenhos custou à CP nada menos de 3,4 milhões entre 2008 e 2019, despesa que permitiria à empresa comprar um comboio novo. Só entre 2010 e abril deste ano registaram-se mais de 12 mil atos de vandalismo no material circulante, de norte a sul do país. A companhia de transporte ferroviário exige ao Estado mais dinheiro para garantir a limpeza de toda a frota.."O graffiti do material circulante é um ato de vandalismo", refere fonte oficial da CP ao Dinheiro Vivo. O impacto destas pinturas não é meramente estético: prejudica utentes, maquinistas e contribuintes. A transportadora lembra que "quando é grafitado o vidro da cabine de condução, o maquinista fica sem condições de trabalho". E se os desenhos ocuparem a totalidade da janela, os ocupantes não sabem onde estão. A empresa assinala também que "uma frota de comboios limpa de graffitis é um contributo valioso para a perceção da qualidade do serviço prestado e da segurança do transporte ferroviário pelos clientes"..Em média, limpar cada metro quadrado pintado custa 7,35 euros aos contribuintes. Por ano, a CP gasta entre 250 mil e 300 mil euros neste processo. As pinturas são feitas sobretudo nas linhas urbanas de Lisboa e do Porto e também nas linhas regionais do Vouga, Oeste e Algarve..Para que os desenhos fiquem menos tempo nos comboios, a empresa reforçou as operações de limpeza já neste ano: nas linhas regionais, criou equipas permanentes para remover graffitis em Sernada do Vouga e em Vila Real de Santo António; no serviço urbano de Lisboa, tem operações diurnas na oficina de Carcavelos e operações noturnas na unidade de Algueirão..Desta forma, "são dedicadas cerca de 2600 horas por mês à limpeza e remoção de graffitis nas oficinas de Contumil, Sernada do Vouga, Entroncamento, Lisboa Santa Apolónia, Campolide, Algueirão, Carcavelos e Vila Real Santo António". Este esforço custou 158 mil euros nos primeiros quatro meses deste ano e permitiu a remoção de cerca de 19 mil metros quadrados de pinturas..Vandalismo de milhões.A CP, no entanto, apenas tem autorização do Estado para gastar 250 mil euros por ano, até 2021, na remoção dos graffitis. Com este orçamento, apenas 30% dos desenhos são limpos. "Face à proliferação destas atividades ilícitas, a verba disponível é claramente insuficiente para garantir os meios humanos e materiais que permitam a necessária rapidez das operações de limpeza das unidades graffitadas", reconhece a companhia..E no atual contexto de escassez de material circulante da CP, a disponibilidade para a sua imobilização em oficina também é, naturalmente, reduzida". Para deixar o material como novo, a empresa teria de investir mais de um milhão de euros por ano na limpeza de toda a frota e ainda gastar dois milhões de euros na reparação de danos, como pintura, substituição de vidros e de bancos e ainda operações de manobras de material. A reparação dos danos implicaria também a retirada temporária do serviço das unidades a cuidar, o que teria um custo adicional de 800 mil euros..Tudo somado, "estes atos de vandalismo provocam anualmente prejuízos entre 3 e 4 milhões de euros. Ou seja, o equivalente a comprar um comboio urbano novo todos os anos", calcula a transportadora..A empresa ferroviária também reclama verbas para o "reforço da vigilância dos parques de material circulante", algo considerando "crucial" e que também implica "custos elevados. Junto do Governo, tem defendido a "alteração do enquadramento legislativo aplicável, prevendo a criminalização destas práticas, com consequências que efetivamente contribuam para inibir a sua repetição"..Quem são os writers?.Os autores dos graffitis nos comboios são conhecidos como writers e desenham uma assinatura com letras que correspondem ao seu pseudónimo e que se repetem em todos os locais que são pintados.."A sua origem social, étnica ou política é plural: existem ricos e pobres, comunistas e capitalistas a pintar comboios", explica Pedro Soares Neves, da Urban Creativity, em declarações ao Dinheiro Vivo. A "grande maioria destes autores é jovem e do sexo masculino", acrescenta o também investigador Ricardo Campos..O hábito de pintar comboios nasceu em Nova Iorque, na década de 1970. "A base desta cultura é a aquisição de visibilidade e prestígio entre os pares. Para adquirir reputação é necessário pintar muito e bem. Também entra na equação o risco associado às ações, pelo que pintar uma carruagem do metro ou do comboio é geralmente mais valorizado", contextualiza Ricardo Campos..Considerando que "é muito difícil conter estas manifestações" e que os writers "desenvolvem táticas de contorno à vigilância e repressão", os dois investigadores sugerem o envolvimento das empresas de transporte. Embora já tenha trabalhado com associações e artistas de arte urbana, a CP diz que, "no momento atual, não está prevista a realização de iniciativas neste âmbito" para limpar a imagem dos comboios e dos gastos.