Gaspar adia sonho de Medina: Portugal só sai do pódio da dívida pública no final de 2024

Medina insiste na ideia de sair do "terceiro lugar" dos mais endividados do euro. "É de enormíssimo valor porque Portugal deixa de ser um caso" e passa a "integrar um pelotão de ciclistas de calibre".
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Em 2023, o peso da dívida pública portuguesa medido em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) deve continuar a ser o terceiro mais elevado da Zona Euro e o sexto mais alto no grupo das economias mais avançadas do mundo, indicou ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu novo Monitor Orçamental.

As contas, feitas pelo departamento de assuntos orçamentais do FMI, que é dirigido por Vítor Gaspar, antigo ministro português das Finanças, adiam assim por mais um ano o desejo já várias vezes expresso por Fernando Medina, o atual governante das contas públicas nacionais, que quer tirar o país deste pódio já este ano.

A concretizarem-se as previsões do FMI, este ano, o rácio da dívida pública nacional desce para 112,4% do PIB, ficando ainda acima do nível de França (111,4%) e de Espanha (110,5%).

Em 2024, Portugal sai finalmente deste pódio de mau nome (com 108,6% de dívida), sendo ultrapassado por França (112,4%), algo que Medina queria que acontecesse (mas diz que está a trabalhar afincadamente nisso) já em 2023.

Mas, ainda assim, Espanha continua com um endividamento relativo inferior (108,3%).

Em 2024 é que vai ser

Como referido, segundo o estudo do FMI, só em 2024 é que Portugal descola do pódio e passa a integrar um género de "pelotão" da dívida. Esta continuará muito alta, acima a de 100% do PIB (105,2%, mais concretamente, diz o Fundo), mas no final desse ano, o governo já poderá dizer que terá a sexta dívida mais elevada da Zona Euro, atrás de Grécia, Itália, França, Bélgica e Espanha.

Recorde-se que este plano para tirar Portugal do pódio dos Estados mais endividados foi verbalizado logo em meados de outubro pelo ministro das Finanças, na apresentação do Orçamento do Estado para 2023.

Medina repetiu esse mantra várias vezes, até. Na altura, disse que "até à entrada da pandemia, ocupávamos um terceiro lugar destacado no ranking dos países com maior dívida pública da Zona Euro", mas vincou que o governo "definiu como objetivo para 2022, 2023 e seguintes retirar Portugal da lista dos países mais endividados".

O ministro sublinhou a importância de sair do "terceiro lugar" e integrar o tal "pelotão", algo que classificou como de "enormíssimo valor porque Portugal deixa de ser um caso", passando a "integrar um pelotão de ciclistas de calibre".

Pelos cálculos do FMI, assim será, mas só no final de 2024, quando forem apuradas as dívidas públicas e respetivos rácios desse ano.

Colisão nos valores do défice

Seja como for, ontem ficou claro que Gaspar e Medina estão a colidir nas principais estimativas e previsões nas finanças públicas. No défice também, por exemplo.

O défice público português previsto pelo FMI desce de 1,9% do PIB, em 2022, para 1,2% este ano, indica o novo Monitor Orçamental.

Mas as previsões agora divulgadas colidem com as últimas avançadas pelas autoridades nacionais e enviadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a Bruxelas, ao Eurostat, a 24 de março.

Aí, o défice oficial, apurado pelo INE, terá ficado em apenas 0,4% do PIB, um valor que o governo usou para justificar uma devolução da folga orçamental através de novos apoios contra os efeitos da inflação, margem obtida, em boa parte, com a inflação altíssima registada no ano passado. No reporte do INE, o Ministério das Finanças inscreveu uma subida ligeira do défice até 0,9% este ano.

Ou seja, o ponto de partida do FMI e da equipa liderada pelo ex-ministro das Finanças do PSD é o referido défice de 1,9% em 2022, o mesmo valor que estava inscrito no Orçamento do Estado para 2023, feito em outubro. Há seis meses.

A discussão final do Monitor Orçamental e dos seus números foi feita pelo conselho executivo do FMI a 30 de março. O reporte dos défices e da dívida portuguesa publicado pelo INE aconteceu uma semana antes, a 24 de março, mas o FMI não usou os valores oficialmente apurados nessa data.

Resumindo: Gaspar prevê que Portugal, embora com um ponto de partida mais alto (défice de 2022), até vai apertar mais.

Já Medina diz que vai expandir ligeiramente o défice, mas parte de um nível muito baixo em 2022 (os tais 0,4%).

O FMI diz que, na parte do cálculo do saldo orçamental exclui das contas orçamentais "esquemas de Segurança Social". Em inglês: "excluding Social Security Schemes".

Como referido, o departamento de Vítor Gaspar prevê uma descida de sete décimas percentuais do PIB no défice. Medina assumiu uma subida ligeira de cinco décimas, para 0,9% este ano.

Na dívida também há divergências. Para a tutela de Gaspar, Portugal terá terminado 2022 com um peso de dívida pública de 116% do PIB. O valor reportado pelo INE (apurado pelo Banco de Portugal, de Mário Centeno) dá menos: 113,9%.

Segundo o novo estudo do FMI, Portugal desce a dívida em quase quatro pontos do PIB, para 112,4% em 2023.

Já o ministro do PS diz que o ponto de partida é mais baixo (os tais 113,9% de Centeno), mas a descida continua a ser vigorosa, colocando a meta do final deste ano em 110,8% do PIB. É o equivalente a cerca de 3% do PIB a menos no rácio do endividamento público.

Dívida tem mesmo de descer

Seja como for, a mensagem do FMI é de alerta, muita prudência, por causa dos tempos "voláteis" que se estão a viver.

"Em média, as economias avançadas e os mercados emergentes (excluindo a China) registaram reduções da dívida de cerca de 2% a 3% do PIB no ano passado, graças, em grande parte, às surpresas da inflação".

Os peritos do FMI pedem que "os planos orçamentais a médio prazo incluíam um compromisso político credível para alcançar a sustentabilidade da dívida - ou seja, devem anunciar medidas ou reformas específicas em matéria de despesa e receita - permitindo ao mesmo tempo flexibilidade para se conseguir lidar com choques".

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