Ganho do Estado com Efacec depende da rentabilidade futura da empresa
A venda da Efacec ao fundo de investimento alemão Mutares está concluída, mas o Estado não vai encaixar qualquer valor para já. O retorno do investimento feito na Efacec, que foi nacionalizada no verão de 2020 para que não colapsasse, vai depender da rentabilidade futura da empresa reprivatizada.
Esta foi a principal conclusão retirada da conferência de imprensa conjunta do ministro da Economia, António Costa Silva, e do secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, que no feriado do Dia de Todos os Santos apresentaram os principais contornos de um acordo "complexo", mas - acreditam - "feliz" para a economia portuguesa. O acordo com a Mutares foi assinado na terça-feira, já com luz verde da Comissão Europeia.
O que ficou definido? Que o fundo alemão assume o controlo da Efacec ao injetar já na empresa 15 milhões de euros, prometendo disponibilizar 60 milhões de euros em garantias quando a Efacec voltar a recorrer a empréstimos bancários.
Do lado do Estado, através da Parpública, o Governo dá como perdido o dinheiro metido na empresa para pagar salários e cobrir outros custos fixos desde abril de 2022, ou seja nos últimos 20 meses (202,9 milhões de euros ou cerca de dez milhões a cada mês), e aumenta em cerca de 160 milhões de euros a exposição do Estado à Efacec. Como? O Estado injeta mais 201 milhões de euros (inclui dívida da empresa junto da banca não garantida pelo Estado) e assume o pagamento de contingências (para eventuais litígios) no valor de 30 milhões de euros. A estes valores descontam-se 72 milhões de euros em garantias públicas à sociedade de garantia mútua Norgarante, agora retiradas por causa da venda. Assim, num último esforço para garantir a venda à Mutares, o Estado mete mais 159 milhões na Efacec.
Para o acordo se concretizar, ocorreu na terça-feira uma limpeza financeira através de uma operação harmónio. Trata-se de um mecanismo que consiste na redução do capital acionista, seguido de um aumento de capital. Este é um mecanismo utilizado em situações de crise de uma empresa para eliminar, muitas vezes, desequilíbrios patrimoniais. Ora, no caso da Eface, o capital acionista foi reduzido de 309 milhões de euros para zero. Seguiu-se um aumento de capital para 300 milhões de euros, no qual participou a Parpública (209 milhões de euros em espécie, o que não garante posição acionista) e a Mutares (15 milhões de euros), segundo o portal de atos societários do Ministério da Justiça.
Desta forma, os grupos José de Mello e Têxtil Manuel Gonçalves, até aqui acionistas minoritários, não entraram na operação e permitiram que a Mutares fique com 100% da Efacec (o Estado detinha71,73% desde a nacionalização). As duas entidades apenas procuraram ficar com as prestações acessórias, que serviram para absorver prejuízos. Ou seja, a perda para os acionistas da Efacec anteriores à venda à Mutares é total.
Pelo meio, os bancos concoradaram em perdoar à Efacec 29 milhões de euros de dívida não garantida, com a empresa a comprometer-se a disponibilizar 94 milhões de euros quando recorrer a novos instrumentos financeiros junto dos bancos (leia-se empréstimos), durante os próximos cinco anos. Já os obrigacionistas aceitaram ficar sem seis milhões de euros que a empresa lhes devia. Ao todo, bancos e obrigacionistas - os credores da Efacec - abriram mão de 35 milhões de euros.
O contributo total dos "agentes de mercado" para salvar a Efacec totaliza hoje 513 milhões de euros.
Por um lado, o Executivo acha possível chegar a uma taxa de rentabilidade sobre os 201 milhões investidos equivalente a uma taxa de juro de 14%. Isto num cenário-base, o que significa que pode ficar aquém do estimado. Por outro, o acordo com a Mutares permitiu ao Banco Português de Fomento a subscrição de obrigações convertíveis no valor de 35 milhões de euros, através do Fundo de Capitalização e Resiliência, com uma taxa de juro de 6%. Essa operação foi concretizada no dia 26 de outubro, segund o portal de atos societários do Ministério das justiça.
O acordo assinado entre o Estado (Parpública) e a Mutares prevê ainda um denominado "mecanismo cascata", que segundo o secretário de Estado das Finanças pode assumir diversas formas. Como? Quanto mais desenvolvida for a empresa, maior será a sua rentabilização.
No essencial, tendo em conta que o fundo de investimento germânico, como qualquer outro fundo, opera numa lógica de rentabilização de ativos e posterior venda, o Governo assumiu que a Efacec será vendida, futuramente. Ora, o acordo define regras para esse cenário. Uma eventual alienação nunca poderá ocorrer em menos de três anos, mas, se ocorrer depois desse período, o Estado português terá direito a dois terços (66%) do valor da venda. Na conferência de imprensa, os governantes admitiram que a Mutares quererá vender a Efacec ao fim de cinco anos.
Além disso, se a Efacec entregar dividendos à Mutares nos próximos cinco anos, o Estado receberá 75% desse valor, numa lógica de preço diferido (por já não ser acionista da Efacec).
Com base no que o Governo revelou ontem, a sobrevivência da Efacec custou ao Estado, até ao momento da venda à private equity alemã, 361,9 milhões de euros, valor cuja recuperação para o Estado dependerá do desempenho operacional da empresa e de uma venda futura por parte da Mutares.
Aos jornalistas, o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, admitiu que há "riscos" no acordo em causa, ressalvando que "o investimento na Efacec não é um depósito a prazo". Todavia, realçou que "era a melhor oferta que o Estado tinha" e que mereceu o apoio da Comissão Europeia, uma vez que o Estado não tem "perfil" de operador industrial para manter o controlo sob a gestão da Efacec.
Através da DG Comp, Bruxelas acompanhou o processo de reprivatização da Efacec por causa da necessária reestruturação finaceira que implicava. Sobre esse ponto, João Nuno Mendes esclareceu que a exposição que o Estado assumiu é "estritamente necessária para que a empresa se reencontre", ressalvando que toda a operação não configura uma "ajuda de Estado". "É uma operação de mercado", defendeu, lembrando as perdas assumidas pelos credores e a superação do acordo ao "teste de mercado" da Comissão Europeia.
A par da portuguesa, as autoridades da concorrência da Dinamarca e da Albânia, por exemplo, foram algumas das entidades que avaliaram positivamente o acordo com a Mutares, segundo o governante.
Ainda que questionado sobre o impacto deste negócio nas contas do país, João Nuno Mendes não adiantou valores. Contudo, admitu que o acordo terá impacto nas contas públicas.
O secretário de Estado vincou ainda, por várias vezes, que, desde que foi nacionalizada, a Efacec pagou ao Estado cerca de 100 milhões de euros em IRS e Segurança Social.
António Costa Silva, por sua vez, garantiu que o fundo alemão se comprometeu a manter os postos de trabalho, apesar de poder haver "ajustamentos pontuais". E que a Mutares manterá em Portugal o centro de operações e de decisão da Efacec. "A gestão da Efacec vai manter-se", revelou. A empresa, que conta com dois mil trabalhadores e uma rede de 2800 fornecedores, é liderada por Ângelo Ramalho.
O ministro acrescentou também que a Mutares manifestou querer recuperar os níveis de produção e de faturação da Efacec anteriores à pandemia.
Saudando o que considerou ter sido uma "negociação multidemensional", o ministro da Economia e do Mar argumentou que "o Estado está aqui para agir em casos de falhas", lembrando que a Efacec foi nacionalizada na sequência do Luanda Leaks. A empresária angolana Isabel dos Santos era a principal acionista da Efacec.
"[O fim da Efacec] teria um efeito desastroso na economia portuguesa e sobretudo na região norte, região do Porto e Matosinhos que já sofreu com o encerramento da refinaria da Galp. O colapso da Efacec teria efeitos devastadores", argumentou.
"Numa lógica estritamente financeira a empresa perder-se ia", alegou Costa Silva, defendendo a decisão do Governo de nacionalizar a Efacec. "Numa lógica estritamente financeira a empresa perder-se ia", disse o ministro. "Se tivermos fé cega nos mercados e deixarmos que resolvam tudo, não só não resolvem como criam grande miséria para as pessoas", afirmou.
Costa e Silva considerou que foi "fundamental" salvar uma empresa que tem dois mil postos de trabalho, classificando a Efacec como "um centro de um ecossistema" que gera 445 milhões de euros em contratos com 2800 empresas nacionais. "É uma marca da engenharia portuguesa e cria valor".
Segundo os dados divulgados por Costa Silva e João Nuno Mendes, o Estado poupou "avultados custos sociais" com a nacionalização da Efacec, sobretudo em subsídios de desemprego de talento altamente qualificado. Também foram salvaguardados, segundo o Governo, 843 milhões de euros em concursos entre 2018 e 2019, sendo que 642 milhões correspondem a encomendas que já estavam em curso e 210 milhões de euros a contratos pendentes.
A falência teria provocado uma "importante disrupção" na economia, segundo Costa Silva.
A criação da Efacec remonta aos anos 40 do século XX. Em julho de 2020, em plena pandemia, o Estado tomou conta de 71,73% da empresa e em abril deste ano, depois de uma venda falhada à bracarense DST em 2022, colocou a Efacec à venda. Foram apresentadas pela Mutares, Oaktree, Oxy Capital e Agrupamento Visabeira-Sodecia.
As principais infraestruturas da empresa localizam-se no Grande Porto, com o Polo da Arroteia, em Matosinhos, e o Polo da da Maia. É no distrito do Porto que encontram 1500 dos dois mil trabalhadores da empresa.
O peso da Efacec naquela região não é de estranhar, considerando que a empresa realizou compras no valor de 180 milhões de euros junto de fornecedores da região do Porto, entre 2018 e 2022. Fora do Porto, as compras ascendem a 265 milhões, no mesmo período.
No mesmo dia em que o Governo traçou detalhes gerais do acordo com a Mutares, o fundo de investimento alemão fez saber que a aposta na Efacec é a valer. De acordo com um comunicado enviado à redação, o fundo "já identificou sinergias relevantes" entre a Efacec e outras empresas que controla. Nesse sentido, a Efacec vai reforçar o segmento de engenharia e tecnologia do portefólio da Mutares
O fundo germânico prevê que a Efacec atinja o equilíbrio financeiro em cinco anos, segundo um plano de recuperação intitulado de "Projeto Fénix".
"A Efacec é uma aquisição ideal para o portfólio da Mutares e beneficiará de uma plataforma sólida através da qual gerará melhorias que agregam valor. Este passo permitirá que a empresa recupere uma posição de destaque no mercado e retome o crescimento", lê-se.
Criada em 2008, a Mutares tem sede em Munique (Alemanha). Gere um portefólio de 32 empresas, o que representa um universo de 20 mil trabalhadores e vendas consolidadas de cinco mil milhões de euros. Apresenta-se como uma privaty equity que procura desenvolver empresas no setor automóvel e mobilidade, de engenharia e tecnologia, e de bens e serviços. Foca-se na aquisição de empresas de média dimensão europeia "em situações especiais" e com "um potencial significativo de melhoria operacional". Ou seja, procuram comprara bem e a baixo custo para, depois, rentabilizar tanto quanto possível operações para obter elevados valores em eventuais alienações.
"[As empresas] são vendidas novamente após passarem por um processo de reposicionamento e estabilização", lê-se também.
A Mutares prevê faturar entre 4,8 a 5,4 mil milhões de euros no ano fiscal de 2023 com todo o seu portefólio. Com base nisso, o fundo antecipa uma faturação consolidada de cerca de sete mil milhões de euros até 2025. A casa-mãe, a Mutares Holding, estima um lucro líquido entre 125 e 150 milhões de euros no ano fiscal de 2025.
O processo de reprivatização da Efacec deverá ser tema de debate nos próximos tempos na Assembleia da República.
Ontem, o PSD pediu uma audição urgente do ministro da Economia no Parlamento. "O PSD vai chamar ao parlamento o ministro da Economia com a urgência possível, estando o parlamento em trabalhos orçamentais, mas com a urgência possível. E não deixaremos também de questionar o primeiro-ministro quando houver essa oportunidade", revelou Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, citado pela agência Lusa.
Também o presidente do Chega fez saber que o partido vai chamar com caráter de urgência ao parlamento o ministro da Economia, António Costa Silva, exigindo saber que negócio foi feito com a venda da Efacec, "quando o Estado ainda vai colocar mais 160 milhões de euros".
"Entre injeção directa, suprimentos e obrigações, sabe-se agora que o Governo de António Costa enterrou 400 milhões de euros dos contribuintes na Efacec", lê-se numa publicação do líder da IL, Rui Rocha, no X (antigo Twitter). O político considerou tratar-se de "mais um enorme sorvedouro" do dinheiro dos contribuintes "apadrinhado pelos socialistas".