No poder desde o golpe militar de 1994, Yahya Jammeh prometera governar a Gâmbia por "mil milhões de anos". E ainda nesta semana o presidente sublinhara que a sua "presidência está nas mãos de Alá e só Alá me pode tirá-la". Não espanta assim que quando o chefe do Estado aceitou a derrota nas eleições de quinta-feira, a primeira reação dos gambianos e do próprio rival de Jammeh, o empresário Adama Barrow, tenha sido de incredulidade. A segunda foi de festa, que ontem animava as ruas da capital Banjul.."Sinto-me diferente e quando acordámos as pessoas estavam felizes. Agora podemos dizer o que quisermos", explicou ontem à Reuters Yacouba Cisse, um pescador de 34 anos, que passara a noite numa das muitas festas de Banjul. Na capital, carrinhas de caixa aberta cheias de jovens percorriam as ruas, envergando T-shirts de Barrow e bandeiras da Gâmbia. Apesar da forte presença policial, não se registaram incidentes. Mas alguns estavam, mesmo assim, cautelosos quando ao futuro. "Só acredito quando vir Jammeh deixar" o palácio presidencial. Ele ainda controla o exército e a sua família detém as posições dominantes", disse um empresário que pediu anonimato.."Vou ajudá-lo durante a transição", garantiu Jammeh, que perdeu as presidenciais para Barrow, tendo obtido 36,75% dos votos, contra os 45,5% do candidato da oposição..Jammeh costumava ser notícia pelas suas excentricidades. Como quando garantiu ter inventado uma cura para sida, que só funcionava às quintas-feiras. Ou quando, uma vez por ano, convidava centenas de mulheres para o palácio presidencial, onde lhes administrava uma receita de ervas contra a infertilidade. Chegado ao poder na ex-colónia britânica encravada no francófono Senegal com um golpe em 1994, nos 22 anos no poder, o líder gambiano mandou prender centenas de pessoas por bruxaria e ameaçou decapitar os homossexuais..[artigo:4946619].Os apoiantes do presidente negam qualquer abuso e denunciam a ingerência da comunidade internacional nos assuntos da Gâmbia. Durante as eleições, o governo de Jammeh mandou cortar a internet, as fronteiras foram fechadas e os observadores da União Europeia impedidos de entrar no país. Só os voos que levam milhares de turistas às praias de areia branca do país continuaram inalterados..Melhorar a economia foi uma das promessas de Barrow, que conseguiu unir a oposição pela primeira vez desde que Jammeh chegara ao poder. Sem grandes recursos naturais e com um setor agrícola pouco desenvolvido, a Gâmbia depende não só do turismo, mas também das remessas enviadas pelos seus emigrantes. Numa economia com um dos piores crescimentos de África, muitos gambianos acabam por deixar o país e partir à procura de uma vida melhor na Europa..O próprio Barrow, de 51 anos, viveu em Londres no início dos anos 2000, onde tirou um curso na área do imobiliário enquanto trabalhava como segurança numa loja Argos. Agora, o futuro presidente promete pôr fim às violações dos direitos humanos, além de se ter comprometido a deixar o poder dentro de três anos para garantir a rotatividade democrática..São várias as decisões do antecessor que Barrow promete reverter. Da saída da Gâmbia do Tribunal Penal Internacional à declaração do país como uma república islâmica. "Ele quer que a Gâmbia continue um Estado secular que respeita os direitos de todas as pessoas", explicou à Reuters Karamba Touray, porta-voz do Partido Democrático Unificado (UDP, na sigla em inglês). Com mais de 95% de muçulmanos, o país tem também uma pequena comunidade cristã.