Gal Costa, a eterna musa de um país 'tropigal'

Cantora passou os 70 anos de vida e de 50 a cantar e a inspirar os artistas brasileiros. Volta a Portugal em novembro a olhar para o retrovisor, mas ao DN declara sonhar com novos projetos e que está apaixonada pela vida
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"Eu nasci assim." Não fosse ter consciência do ridículo e uma admiração profunda pela voz do outro lado da linha e trautearia, retorquindo, "Eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim", versos da famosa Modinha para Gabriela, de Dorival Caymmi. Gal Costa começara a falar sobre a idade - tem 71 anos - e a juventude de espírito e do corpo. Ao ritmo baiano, a resposta completou-se de outra forma: "O meu espírito, o meu carácter, o meu jeito, não me sinto com a idade que tenho. Sinto-me mais jovem. E cuido-me para ter capacidade de corresponder ao que a minha cabeça e o meu espírito dizem." Sem pormenorizar, adiantou que os cuidados respeitam à alimentação e à prática de exercício físico. Mas nada de obsessivo, ao contrário do que é agora corrente: "Algumas mulheres preocupam-se muito com a aparência, com os seios, com a bunda, com as coxas. Na minha época, quando exibi essas partes do corpo, era muito espontâneo e natural. Nunca usei silicone nem nada dessas coisas."

E já que a canção do genérico de Gabriela ainda nos ressoa, esse tema é um dos que fazem parte do alinhamento de Espelho d'Água, espetáculo que traz Gal Costa de novo a Lisboa e ao Porto, em novembro (dias 11 e 12). "É um concerto de guitarra, voz e violão, onde eu revolvo as canções bem emblemáticas de toda a minha carreira. É um concerto bem sofisticado, um show intimista e maravilhoso, uma revisão da minha história musical", diz a musa da Tropicália. Criado em parceria com o jornalista Marcus Preto em paralelo ao mais recente disco, Estratosférica, Espelho d'Água recebe o nome de uma canção desse álbum, que resulta de uma inédita colaboração entre os irmãos Camelo (Marcelo, do grupo Los Hermanos, e o poeta Thiago).

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No ano passado, em entrevista ao Estado de S. Paulo, Gal comparou a experiência de cantar uma canção pela primeira vez a "fazer amor". É caso para perguntar como é com as mais antigas, no fundo a base deste espetáculo, casos de Coração Vagabundo, Meu nome é Gal ou Folhetim. "Continuo a emocionar-me com todas elas. Há canções que eu não canto há algum tempo e então é como se fossem novas." Pode ser essa a resposta, ainda que não intencional, para a jovialidade de Gal Costa. Novas e velhas, saberá a musa quantas canções gravou? "Não tenho noção. Tenho mais de 30 discos... umas 400, eu acho."

Um pouco à imagem da digressão que percorreu Portugal em 2009, Gal apresenta-se apenas com um músico em palco. Desta vez quem acompanha a cantora é o guitarrista Guilherme Monteiro, cujo currículo inclui gravações com nomes de peso no jazz como Lee Konitz ou Ron Carter e ter integrado a banda de Bebel Gilberto. E o mais recente disco de Gal.

Os 50 anos de carreira de Gal Costa ficaram marcados com a gravação de Estratosférica. É certo que conta com canções de velhos conhecidos, como Milton Nascimento, Tom Zé e Caetano Veloso, mas é sobretudo uma celebração sem saudosismos, virada para os artistas mais novos. Depois de ter peneirado, entre 150 inéditas, as canções escolhidas, aos produtores Kassin e Moreno Veloso, Gal pediu "um disco arrojado". Satisfeita com o resultado? "Ah, sim, gosto muito do disco, tem tudo que ver com a história da minha carreira e é um disco que apela ao jovem." Com tanto material inédito de fora, Marcus Preto deixou no ar a hipótese de um Estratosférica II, mas Gal descartou a ideia. "Pretendo fazer outro trabalho, estou pedindo músicas a algumas pessoas, querendo ouvir algumas coisas, com calma, para na época adequada ter um repertório legal."

Na primeira frase de Estratosférica (da canção Sem medo nem esperança) ouve-se "Não sou mais tola/ não mais me queixo". Maria da Graça Burgos, Gal para o mundo, explica: "Essa letra é de Antonio Cícero. Não sou mais tola no sentido de que a pessoa a partir de uma certa idade tem consciência, está mais amadurecida da vida, das coisas, é nesse sentido."

E se Estratosférica começa como uma afirmação da maioridade, o álbum termina com outra mensagem pela letra de Johnny Alf ("me apraz essa ilusão à toa"). "Eu continuo a sonhar, sim. Tenho trabalhado bastante e com muito tesão, muita vontade. E continuo a sonhar com novos projetos." E a apaixonar-se? "Sim, claro. Tenho o meu filho que eu amo loucamente, tenho o meu trabalho, que continuo amando. Uma pessoa não pode deixar de estar apaixonada pela vida."

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