Gabinete de Segurança chumbou lei do PS para matérias classificadas
O Gabinete Nacional de Segurança (GNS) chumbou o projeto de lei do PS para alterar o "Regime das matérias classificadas", soube o DN junto a fonte que está a acompanhar o processo. As objeções desta autoridade - responsável pela segurança dos documentos classificados nacionais e internacionais ( NATO e a UE) e pela credenciação das pessoas com acesso aos mesmos - aproximam-se das que foram antes levantadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD): o número excessivo de entidades que passam a poder classificar e desclassificar documentos.
Estas entidades, segundo o projeto de diploma, são "definidas, respetivamente, por decreto do Presidente da República, por resolução da Assembleia da República (AR), por resolução do Conselho de Ministros e dos órgãos de governo das regiões autónomas".
Para o GNS isso põe em risco a segurança das matérias sensíveis, para a CNPD é um regime que dá demasiado poder ao Estado, com um "universo potencialmente irrestrito" de entidades a poder decidir sobre estas questões. Estes pareceres são apenas consultivos.
O parecer foi pedido pelo grupo parlamentar socialista, mas o GNS enviou-o à tutela, da responsabilidade da ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques. O GNS confirmou ao DN que o documento foi classificado e remetido ao gabinete da governante, embora não explique porque não o encaminhou para a Assembleia da República. Questionado pelo DN, o gabinete de Maria Manuel Leitão Marques também não respondeu.
Com a legislação em vigor a atingir os 30 anos, o PS entendeu que devia ser atualizada. "Está desfasada de convenções internacionais, está tecnologicamente já desajustada às necessidades de credenciação e classificação. Em grande medida é um exercício de compilação e atualização", explicou o autor do diploma, Pedro Delgado Alves, na altura da sua apresentação, em janeiro. O DN tentou contactar agora o deputado para um novo ponto de situação, tendo em conta as posições do GNS e da CNPD, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.
Fonte autorizada do GNS, que não quis dar detalhes sobre o parecer por ser "confidencial", adiantou, no entanto, que aquele gabinete tem previsto no seu Plano de Atividades para 2018 uma atualização da legislação sobre classificação de segurança. "Pretendemos reunir com todos os grupos parlamentares para discutir esta matéria e conseguir criar um entendimento pleno", afirmou o responsável.
Um perito em informação classificadas, que foi dirigente no GNS, explicou ao DN que no projeto-lei do PS "não há coerência entre as várias atividades e é preocupante haver entidades, fora da que credenciou, que podem desclassificar. Não se especifica quem pode credenciar nem como o pode fazer sobretudo na fase de inquéritos . Há uma grande quantidade de entidades que estão isentas de ser credenciados e podem ter acesso a matéria classificada". Por outro lado, sublinha esta fonte, "este projeto contraria os SEGNAC (legislação com as instruções para a segurança nacional, salvaguarda e defesa de matérias classificadas), bem como os decretos-lei que regulam o GNS".
Além disso, afiança, "o GNS tem feito um grande esforço para adaptar a doutrina nacional ao que de mais recente e melhor foi regulado no âmbito da UE e da NATO e este projeto vem contrariar as boas práticas nos países com quem temos relações, as organizações a que pertencemos e os acordos bilaterais com países amigos, um trabalho que durou muitos anos a consolidar mas que, nas avaliações da NATO e UE, fazem com que sejamos considerados uma referência".
No parecer que já enviou ao parlamento, a CNPD diz que o PS falhou no objetivo de "compatibilizar os princípios de excecionalidade e proporcionalidade com uma tão aberta lista de potenciais entidades classificadoras de informação". O CNPD, que se vê afastado, pelo projeto-lei, de qualquer papel de fiscalização destes processos, salienta que "devendo a classificação da informação ser uma exceção na normal relação entre o Estado e os seus cidadãos, não se percebe porque se alarga, desta forma, a um universo potencialmente irrestrito (dentro das margens do Estado central e regional) a capacidade de utilizar tal expediente, sobretudo porque a faculdade de classificação resulta virtualmente insindicável".
A Comissão também não entende porque se propõe o prazo de 30 anos para a duração da classificação, o mesmo que para as matérias em segredo de Estado, sujeitas um regime especial e a um Entidade Fiscalizadora, eleita pela AR, para as escrutinar. "Não se percebe a razão de consagrar prazos tão extensos para classificações que não se ligam ao segredo de Estado e que, portanto, não merecem o mesmo grau de restritividade de acesso, sendo tal solução desproporcional à luz da Constituição".