G7 na Cornualha: gaivotas e desafios para os "bons rapazes" Boris e Biden
Pode não ser Biarritz ou Taormina, que em 2017 e 2019 receberam as cimeiras do G7, mas Carbis Bay, na Cornualha, com o seu ar fresco e hordas de gaivotas, foi o palco escolhido para receber a primeira cimeira presencial em dois anos dos sete países mais industrializados do mundo mais a União Europeia. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, é o anfitrião, mas todos os olhos vão estar em Joe Biden, com o presidente americano a ter nesta sua primeira viagem ao estrangeiro a estreia à mesa de umas negociações que até agora se fizeram atrás de ecrãs.
Mas tanto Boris como Biden precisam de trabalhar a imagem de "bons rapazes", como escrevia Nic Robertson, numa análise na CNN. Afinal o primeiro-ministro britânico quer reforçar a posição do Reino Unido no contexto global, depois do Brexit, enquanto o presidente americano procura o apoio de todos os aliados contra a China.
Com Pequim a dar cada vez mais sinais de força - no desenvolvimento tecnológico, no comércio ou quando os jatos e bombardeiros chineses entram em espaço aéreo de Taiwan-, Biden não esconde a necessidade de as democracias se aliarem contra as autocracias. Foi o que escreveu num artigo no The Washington Post antes de chegar à Europa. E ainda ontem altos responsáveis da Administração americana comprometeram-se em retomar as negociações comerciais com Taiwan, num claro desafio a Pequim.
Mas o isolamento da China não é a única preocupação do presidente americano, que antes do encontro com o homólogo russo no dia 16, não deverá hesitar em denunciar a forma como a Rússia tratou o opositor Alexei Navalny, a recente lei que bane "extremistas" de participar em eleições e a ciberespionagem praticada pelo Kremlin. A Rússia fez parte do G8 até 2014, quando foi suspensa após a anexação da Crimeia.
Com a pandemia de covid-19 como pano de fundo, o G7 deverá focar-se ainda na luta contra as alterações climáticas. Um assunto em que a posição americana mudou drasticamente com a chegada de Biden à Casa Branca. O seu antecessor, Donald Trump, retirara o país do Acordo de Paris sobre o clima.
Claro que parte do trabalho do G7 já foi feito a nível ministerial nas últimas semanas, mas tal não significa que os líderes não tragam na agenda prioridades que esperam influenciar o comunicado final. Comunicado final que em 2018 viu a luz do dia sem a assinatura dos EUA, com Donald Trump a dissociar-se do texto e a acusar o anfitrião da cimeira, o primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, de ser "muito desonesto e fraco" por este ter classificado como insultuosas as tarifas americanas sobre o aço e o alumínio.
Desta vez, Trudeau pode exibir um sorriso irónico, na esperança de que a liderança de Biden abra a porta a uma melhor relação entre os vizinhos. Já a chanceler alemã Angela Merkel, assídua destes encontros desde 2006, deve ter aqui a sua última participação, uma vez que não se recandidata em setembro. O francês Emmanuel Macron deve procurar apoio no Sahel, enquanto o estreante primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, está empenhado no apoio dos parceiros na Líbia e no controlo dos migrantes no Mediterrâneo. Já o japonês Yoshihide Suga, também uma estreia, partilha com os EUA a preocupação em relação à China.
Enquanto as respetivas mulheres, Jill e Carrie, davam um passeio pela praia com o filho mais novo do primeiro-ministro britânico, Wilfred, de 13 meses, Biden e Boris reuniam-se ontem para o primeiro encontro entre os dois. No final, o chefe do governo britânico garantiu haver um "terreno comum" entre Reino Unido, União Europeia e EUA para proteger a paz na Irlanda do Norte, onde as tensões têm crescido desde o Brexit. Para Boris, depois de quatro anos de administração Trump, Biden revelou-se "uma lufada de ar fresco".
Os dois líderes adotaram também uma nova Carta do Atlântico, sucessora da que foi assinada em 1941 por Winston Churchill e Franklin Roosevelt. Neste novo texto, os velhos parceiros prometem trabalhar juntos numa ação concertada para a recuperação pós-pandemia, para maior segurança global e na luta contra as alterações climáticas.
No final do encontro, Biden confirmou que os EUA vão comprar 500 milhões de doses da vacina da Pfizer para distribuir por cem países. Quanto ao encontro com Boris, o presidente americano garantiu: "Reafirmámos a relação especial - e não o digo de ânimo leve - a relação especial entre os nossos povos" - repetindo uma expressão de que Boris já disse não gostar.
helena.r.tecedeiro@dn.pt