Futuro de Contador e vitória no Tour nas mãos da ciência

Ciclista justifica resultado da análise antidoping positiva com contaminação alimentar, mas explicação divide peritos.
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Alberto Contador corre o risco de se tornar no segundo vencedor da Volta à França a ser desclassificado por doping. Um controlo ao ciclista espanhol, feito durante a prova, detectou uma substância proibida, mas os valores são muito baixos e, antes que o teste seja declarado positivo em definitivo, o caso está a ser alvo de uma investigação científica. O “rei” do Tour 2010, suspenso preventivamente, sustenta-se no estudo de um perito para dizer que se trata de um caso de contaminação alimentar, mas outros cientistas apresentam teorias diferentes.

O controlo em causa foi realizado a 21 de Julho e as análises detectaram clembuterol, um beta 2-agonista que, se for injectado, pode ter efeitos anabolizantes, como o crescimento da massa muscular ou, em doses menores, estimular a recuperação após um esforço físico intenso. As análises a Contador detectaram 0,05 nanogramas por mililitro de urina, quando o mínimo a que os laboratórios acreditados pela Agência Mundial Antidopagem (AMA) estão obrigados a detectar é de dois nanogramas.

Só que o laboratório de Colónia tem capacidade para detectar quantidades ínfimas e a União Ciclista Internacional (UCI) decidiu acelerar os procedimentos para que a contra-análise fosse realizada mais cedo. Os novos exames confirmaram o resultado inicial, mas, por se tratar de valores muito baixos, decidiu avançar, com o apoio da AMA, com uma investigação científica. Processo que deverá levar algum tempo, avisou ontem a UCI. Mesmo assim, os regulamentos obrigam à suspensão preventiva de Contador. Foi este o motivo pelo qual o ciclista espanhol terminou a época no final de Agosto, não devido a uma queda, como alegou na altura.

O último mês foi tempo suficiente para Contador pedir um parecer ao mesmo cientista que, noutro caso de dopagem com a mesma substância, protagonizado por Li Fuyu, da Saxo Bank, já alegara que “as contaminações com  clembuterol existem nos suplementos alimentares e na carne”. Douwe De Boer, antigo director científico do laboratório antidoping português e actualmente investigador da Universidade de Maastricht, considera “muito plausível” que tenha ocorrido uma contaminação alimentar no caso de Contador.

Este perito afirmou recentemente, na revista Sport et Vie, que o clembuterol é usado “pelos criadores menos escrupulosos para aumentar a massa muscular dos animais de talho” e que já foram registadas intoxicações deste tipo nos EUA e no Sul da Europa, incluindo Espanha e Portugal. Contador diz que a equipa comeu duas vezes carne que lhe foi levada do País Basco e De Boer sustenta-se nos resultados dos testes feitos ao espanhol nesse dia e no seguinte, com resultados bem abaixo do que aconteceria se a substância tivesse sido usada como dopagem.

Gerard Guillaume, médico da equipa Française des Jeux, acha a explicação de Contador plausível, mas, à Reuters, disse o uso de outra substância, com poder mascarante, pode explicar as quantidades ínfimas detectadas.

Rasmus Damsgaard, antigo membro da agência antidopagem dinamarquesa, apresenta outra teoria: “Se a data é correcta, é mais provável que tenha feito um ‘Landis’, ou seja, que recebeu uma transfusão sanguínea com o seu próprio sangue, extraído uns meses antes, quando usou clembuterol que agora o seu corpo recebeu de novo.” O ex-chefe do programa antidopagem da Saxo Bank, a nova equipa de Contador, disse que outra possibilidade seria um erro laboratorial, nas análises às duas amostras.

Já para Martial Saugy, director do laboratório antidoping de Lausana, o mais usado pela UCI, “poder-se-ía esperar que o argumento da contaminação alimentar fosse lançado como desculpa” por parte da defesa do ciclista, devido aos baixos valores detectados. Segundo Saugy, a taxa de dois nanogramas (bem acima dos 0,05 detectados a Contador) é o mínimo exigido aos laboratórios acreditados pela AMA. Mas “não é uma taxa recomendada”: há laboratórios, como o de Colónia, que têm aparelhos mais avançados e que detectam valores muito mais baixos.

Saugy espera uma discussão científica acesa, caso haja um processo disciplinar contra Contador, à semelhança do que aconteceu com Richard Gasquet: o laboratório de Montreal, no Canadá, detectou vestígios de cocaína, mas o tenista alegou que os valores muito baixos se deviam a contaminação e conseguiu convencer o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS).

Para este cientista, o desfecho de cada processo depende do mediatismo e dos interesses envolvidos. Se Gasquet conseguiu ser ilibado, já Josephine Onyia foi punida pelo mesmo TAS. A espanhola, lembra o El País, acusou um valor de clembuterol ainda mais baixo que Contador. A justificação da contaminação alimentar teve sucesso em primeira instância, mas um recurso da IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo) valeu-lhe dois anos de suspensão.

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