Futuro da Comenda depende da água. Por agora os setubalenses ficam no parque dos Mirpuri

A Câmara Municipal de Setúbal fica a gerir o Parque de Merendas da Comenda que pode ter utilização pública. Decisão a termo, até o Estado concluir um processo que se arrasta há 34 anos.
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Casa privada, jardim público. Assim está definida a fronteira da Herdade Quinta da Comenda, onde a Câmara Municipal de Setúbal assumirá a manutenção do Parque de Merendas da Comenda. A luta entre proprietários e setubalenses travou-se ao longo de dois anos, até o Supremo Tribunal de Justiça decidir que o acesso a um terreno por onde passa a Ribeira da Ajuda e termina conflituando com uma margem do rio Sado não pode ficar vedado.

A vitória tomou tempo e ainda está sujeita a reviravolta. É que a Ribeira da Ajuda e margem do Sado na Herdade da Quinta da Comenda estão à guarda do Estado, enquanto não fica concluído um processo de delimitação do Domínio Público Hídrico, que se arrasta desde 1989.

Após a decisão do Supremo Tribunal de Justiça a Agência Portuguesa do Ambiente delegou na Câmara Municipal de Setúbal competências para gerir o Parque de Merendas da Comenda e estruturas complementares, mantendo o bom estado estético, paisagístico, higiénico-sanitário e de conservação do espaço.

O autarca André Martins reitera que a "Câmara Municipal de Setúbal não põe em causa o interesse privado", considerando que tudo o processo não se teria desenrolado de tal forma se "tivesse sido encontrada uma solução de diálogo e de relacionamento com os proprietários" da Herdade da Quinta da Comenda.

Para o vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, José Pimenta Machado a "Câmara Municipal de Setúbal é quem está em melhores condições para cuidar e gerir aquele espaço, mantendo o valor de fruição pública". O protocolo firmado manter-se-á por períodos sucessivos de um ano, até à conclusão do procedimento de delimitação do Domínio Publico Hídrico.

"Conseguiu-se, mas foram necessários anos para fazer valer a lei na Arrábida", lamenta Isabel Maldonado, membro da Associação Cidadãos P"la Arrábida e Estuário do Sado que interpôs uma ação popular de restituição de posse do Parque de Merendas da Comenda.

O grupo de cidadãos que interpôs a ação passou pela 1.ª instância que indeferiu a ação. "Inconformados", assim os descrevem no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, apelaram no Tribunal da Relação e foi negado provimento ao recurso. "Continuando inconformados" colocaram recurso de revista no Supremo Tribunal de Justiça.

O fundo imobiliário Seven Properties, gestor da herdade, alegou a necessidade de vedação do Parque da Comenda por ali se encontrarem vestígios arqueológicos e porque em 2021 a população e a própria Câmara de Setúbal teriam degradado os equipamentos do parque, ali instalados sem a autorização dos proprietários.

Em representação da Associação Cidadãos P"la Arrábida e Estuário do Sado, Isabel Maldonado alega que "a população nunca depredou os equipamentos do Parque de Merendas da Comenda, nem a câmara que neles investiu milhares de euros ao longo dos anos, com renovações como a de 2019". Isabel Maldonado afirma ainda que "quem destruiu as mesas e bancos foram os proprietários da Comenda ao retirá-los, tal como fizeram às casas de banho e ao parque infantil". Ordenados a repor tudo pela Câmara de Setúbal que já reassumiu a gestão do parque os proprietários da Comenda pedem um valor em troca.

O Supremo Tribunal de Justiça delibera que "o referido parque foi utilizado desde tempos imemoriais, publicamente, por todos aqueles que pretendiam desfrutar de momentos de lazer". Também "a regularização das margens da ribeira [da Ajuda] ocorreu por obras efetuadas em época que, de tão antiga, já se não consegue localizar no tempo".

A Seven Properties não se pronuncia sobre o desfecho do processo, nem sobre o futuro do parque.

O civismo é agora o apelo maior de quem defende a utilização pública do parque de merendas, "para que lixo ou distúrbios não afetem o dia-a-dia dos proprietários da Comenda e os cidadãos não percam a razão. Afinal a herdade surge registada como propriedade privada desde 1852 e a família Mirpuri não é a primeira a querer cortar o acesso da população à propriedade.

Conhecendo o risco, a Câmara de Setúbal tentou comprar o terreno do Parque de Merendas em 2021. Não houve acordo e a Seven Properties começava a levantar vedações que impediam a população de aceder a um troço do Caminho de Português de Santiago e à Capela de S. Luís da Serra. A 27 de setembro tudo ficou vedado.

Casa secular, a Arrábida é conhecida como lugar de senhorios com longos muros e telhados de eira beira e tribeira. "Inserida num parque natural, esta serra é em Portugal o lugar onde propriedade privada, utilização pública e proteção ambiental mais conflituam", afirma o ambientalista Paulo Martins.

Naquele território têm decorrido demandas para limitar o que é público e o que é privado, uma delas começou em 2004 quando Xavier de Lima e sua esposa, então proprietários da Herdade da Quinta da Comenda, começaram a contestar a atuação da Câmara de Setúbal no Parque de Merendas da Comenda, a ponte metálica no lugar de outra, antiga a degradada, que servia para fazer a travessia da Ribeira da Ajuda, no parque. O casal contestou que a obra feita sem autorização e abriu um processo para impedir a utilização pública do espaço.

Deliberado em favor da Câmara de Setúbal o processo não teve mais oposição. Xavier de Lima morreu em 2012 e os seus herdeiros decidiram não avançar com recurso. Quando o fundo Seven Properties, com ligações à Mirpuri Foundation, adquiriu aos herdeiros de Xavier de Lima os 600 hectares que perfazem a Herdade da Quinta da Comenda, alertou que se fossem cometidos abusos o acesso ao público seria negado.

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