Fundadores do Mercosul em guerra com Maduro
Com o argumento de que a Venezuela não cumpriu vários dos compromissos assumidos no protocolo de adesão ao Mercosul, assinado em Caracas em 2006, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai acordaram ontem por "consenso" que aquele país não assuma a presidência rotativa da organização, o que deveria suceder em dezembro.
Mais ainda: foi estabelecida a data de 2 de dezembro para o governo de Caracas proceder à incorporação na ordem jurídica venezuelana de legislação nas áreas económica, da promoção e proteção dos direitos humanos e sobre direitos de residência de nacionais dos estados que integram o Mercosul. Caso não se materialize esta incorporação, o país dirigido por Nicolás Maduro será suspenso da organização. Uma suspensão a vigorar enquanto a Venezuela não adequar as leis às normas do bloco a que aderiu em 2012.
A decisão dos responsáveis pela diplomacia dos quatro fundadores do Mercosul foi, inicialmente, divulgada no Twitter pelo ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, José Serra, onde é referida a data de 2 de dezembro e se anuncia que a presidência "será exercida por meio de uma comissão coordenadora formada por um representante de cada um dos fundadores". A Venezuela já pediu uma reunião do bloco para discutir este desenvolvimento. No entender de Caracas, o artigo 12.º do Tratado de Assunção, que estabelece a presidência rotativa, é de aplicação automática, não contemplando qualquer ação prévia. No plano de possíveis sanções - no caso, a suspensão -, o artigo 6.º do Protocolo de Ushuaia define que as decisões são tomadas pelos "Estados-membros", o que abrange, além dos fundadores, a Bolívia e o Chile, o primeiro em processo de adesão, o segundo Estado associado.
A crise surge num momento tenso nas reações bilaterais entre Brasília e Caracas, tenso estas sido suspensas pela Venezuela após Dilma Rousseff ter sido definitivamente afastada da presidência em agosto. Alguns analistas definem o conflito bilateral como um choque entre o governo "direitista" do Brasil e o "esquerdista" venezuelano que alastrou agora ao Mercosul.
A Venezuela já exerceu a presidência da organização entre julho de 2013 e julho de 2014, um período mais longo do que o estipulado por, então, o país que devia antecedê-la - o Uruguai - estar suspenso na sequência da destituição do presidente Fernando Lugo, que teria sido ilegal no entender do Mercosul.
O fundamento para a solução encontrada foi o de que o Mercosul está envolvido em negociações com outros blocos e seria contraproducente a suspensão desses processos. Entre as funções da presidência estão as de coordenação das negociações internacionais.
Ao findar o exercício do Uruguai, a 29 de julho, Maduro anunciou, de forma unilateral, que assumia a presidência do bloco fundado em 1991 com o objetivo de se alcançar maior integração entre os regimes democráticos da América do Sul. O Brasil e o Paraguai declararam, de imediato, não reconhecer a presidência venezuelana enquanto a Argentina manteve uma atitude ambígua.
Segundo especialistas no funcionamento da organização, citadas no quotidiano argentino La Nación , a Venezuela tem ainda de aprovar cerca de 300 leis e 40 tratados para se encontrar em sintonia com os parâmetros do Mercosul. Hoje, menos de 30% da legislação está em linha com as regras do bloco.
Esta situação de atrito entre o governo de Nicolás Maduro e o bloco onde se integram as duas principais economias da América do Sul, Argentina e Brasil, sucede num momento político tenso no plano interno da Venezuela, com a oposição a exigir a realização de um referendo revogatório do mandato de Maduro.
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