Funcionários apanham boleia do Erasmus para se internacionalizarem
Há dois anos, a Universidade Nova decidiu mudar o sistema de gestão de dados. Nada melhor do que avaliar um modelo em funcionamento, e Tiago Guedes foi enviado a duas universidades da Escócia. De lá regressou com a experiência e um contacto privilegiado com a instituição, que também beneficia alunos. Viajou pelo programa Erasmus, o mesmo que permitiu que Rita Frutuoso, da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, aprendesse novas técnicas de joalharia em Itália. Formação no estrangeiro porque, diz o vice-reitor da Nova, João Sàágua, é obrigatório a internacionalização.
"Hoje, para uma instituição prestar um serviço público como deve ser tem de ser internacional. Os currículos, os docentes e os funcionários têm de ser internacionais, senão a instituição está fora." João Sàágua é um dos vice-reitores da Universidade Nova, instituição para quem os programas de mobilidade inserem-se numa estratégia mais ampla. Aderiram ao Erasmus desde que entrou em Portugal, na altura destinava-se apenas a estudantes universitários, e também quando foi alargado a docentes e não docentes, em 2001.
Iniciativas que, na Universidade Nova, são mais procuradas pelos professores do que pelos funcionários, o que também acontece na generalidade dos estabelecimentos de ensino superior do país. A escola das Caldas da Rainha é uma exceção à regra, são mais os não docentes a aderir aos programas de mobilidade, na proporção de dois funcionários para um professor. A duração destas ações varia entre uma semana e dois meses e a modalidade mais frequente é a semanal.
Tiago Guedes, 36 anos, licenciado em Estudos Europeus, é responsável pelo gabinete de apoio à investigação, onde está há oito anos. Aprendeu na Escócia a trabalhar com o sistema de tratamento de dados Pur Elsevier, que permite gerir as publicações científicas. A universidade tem atualmente duas mil contas de investigadores que são os responsáveis pelas suas páginas. "O que o sistema tem de revolucionário é que põe os investigadores a gerir os seus conteúdos. Somos a única universidade portuguesa a utilizar este sistema, é um megaprograma", explica Tiago. Uma potencialidade que "não está a ser explorada a 100% porque as pessoas habituaram-se a que seja a instituição a gerir essa informação. É preciso uma mudança de mentalidades".
A gestão da ciência, as relações internacionais, a colocação de estudantes em instituições do ensino superior e na vida ativa e o empreendedorismo são as áreas em que a universidade aposta nos programas de mobilidade, captando mais profissionais deste setor para as ações de formação do Erasmus. Eduardo Guerreiro, 33 anos, sociólogo com uma pós-graduação em Relações Internacionais, entrou em 2013 e trabalha agora no gabinete de Relações Públicas. "Além de fazermos a gestão da mobilidade, fazemos as candidaturas à Comissão Europeia para obter o financiamento que permite a deslocação de estudantes e do staff", diz ao DN Eduardo Guerreiro. Viu in loco, em Bruxelas, como funcionam os processos financeiros: "A formação ensinou-nos métodos e técnicas de como fazer uma candidatura, ver o que é mais valorizado na concessão de apoios, etc."
Eduardo, tal como Tiago, trabalha na Reitoria da Universidade Nova, em Campolide. Beneficiou do programa Erasmus por três vezes. Esteve em Split, na Croácia, numa universidade que queria fazer uma parceria com a Nova, o que aconteceu. Foi também a Varsóvia no âmbito de uma staff week (ver texto ao lado). No futuro, espera alargar este tipo de experiências além-fronteiras comunitárias. "Tendo em conta que o Erasmus está a estender-se a países fora da União Europeia, tenho um projeto com uma universidade de Kosovo, beneficiando da extensão do programa a outras realidades europeias. Além de aprendermos com as experiências das outras universidades, funcionamos como embaixadores. Vamos, explicamos como funcionamos... e a comunicação cara a cara, facilita as parcerias."
No caso de Tiago não havia qualquer protocolo institucional e entrou em contacto com duas universidades que tinham o modelo de gestão de dados que lhe interessava. "Foi possível ir antes, fazer uma prospeção de mercado e, depois, implementar cá o mesmo sistema. Como as universidades escocesas estão na vanguarda e muito habituadas a ser abordadas por outras instituições, foi fácil o contacto. Contactei com uma experiência com seis anos de existência e pude evitar os erros que eles fizeram no início. Foi muito importante e enriquecedor, além de que a Universidade de Edimburgo é uma das dez melhores do mundo e tem uma dimensão completamente diferente da nossa." João Sàágua explica que há áreas estratégicas onde este intercâmbio é mais interessante e é um valor acrescentado para quem se desloca a uma instituição no estrangeiro. "Os funcionários ganham experiência, conhecem colegas, contribuem para o seu currículo e geram projetos para a universidade. Acabam por criar projetos internacionais que vêm depois a ser financiados por apoios comunitários."
Técnicos do Leste escolhem Portugal
O perfil dos técnicos superiores estrangeiros que vêm à Universidade Nova é muito idêntico ao dos funcionários nacionais que se deslocam para fora do país. A diferença é que enquanto os portugueses escolhem preferencialmente o Reino Unido, a Espanha e a Itália, os estrangeiros são sobretudo da Europa de Leste: em especial da Polónia e da Roménia, logo atrás dos gregos. Estes países recebem mais pessoas para formação do que enviam, embora nos últimos dois anos a diferença seja mínima. Em 2016-2017 candidataram-se 81 membros do staff da Nova ao programa Erasmus e há verbas para a deslocação de todos.
Marta Koziarz, 33 anos, é responsável pelo gabinete de Relações Internacionais da Universidade de Economia de Katowice, na Polónia. Veio a Lisboa no âmbito de uma staff week e encontra-se na reitoria para mais um dia de trabalho. É a quarta vez que sai do país neste tipo de ações, a primeira em Portugal. "Sou responsável pelos estudantes Eramus que vão para um grupo de países que inclui Espanha e Portugal e pela formação do staff. A nossa universidade tem acordos com várias instituições estrangeiras e é importante estabelecer contactos mais personalizados." Insere-se num grupo de 15 pessoas, de diferentes países e idades, e é uma das mais novas. No polo oposto está o turco Sahin Yildirim, 49 anos, engenheiro doutorado da Universidade Erciyes, em Kayseri, com anos de experiência e de formações. É responsável pelo departamento de engenharia na vertente internacional.
São vários os estabelecimentos de ensino superior com os quais a Universidade Erciyes tem contactos, nomeadamente na República Checa, Bulgária, Roménia, Noruega, Bélgica, França e Portugal. "Os funcionários fazem formação nos países para onde vão os nossos estudantes de Erasmus. Estou na Universidade Nova para discutir os programas de mobilidade dos alunos e ver quais as hipóteses de se estabelecer parcerias em projetos de investigação." Sahin Yildirim tem formação em Relações Internacionais e Ciências Humanas.
Este engenheiro é um habitué em Portugal, conhece sobretudo o Norte do país. Aprecia "a história, a beleza e o clima", e remata: "Na minha cidade são frequentes as semanas com temperaturas negativas, o que não acontece aqui." Alia a parte profissional ao interesse cultural, um dos objetivos de todos quantos se envolvem nestas ações, o que nem sempre é fácil de concretizar. Mas nas staff weeks há uma parte social e cultural no programa. Ensinar, investigar e viajar é o trio perfeito da profissão, razão pela qual Yildirim justifica participar frequentemente nos programas de mobilidade.
Marta valoriza as mesmas características na sua profissão, que diz ser apaixonante. "Gosto muito do meu trabalho, de promover as relações internacionais, e é muito bom estar em contacto direto com as universidades em vez de enviar e-mails. Apesar de todas as tecnologias que temos ao nosso dispor, nunca substituem o contacto direto. É muito importante o encontro cara a cara." Participa na formação com um colega polaco, aproveita todos os minutos livres para conhecer a cidade e já está rendida aos portugueses. "Gosto da atitude. Pedimos uma informação e, mesmo que não falem inglês, tentam ajudar."
Sahin Yildirim já trabalhou com as universidades do Porto e do Minho, sendo a colaboração mais recente com a instituição lisboeta. "Estive em mais de dez países com os quais temos parcerias. Estas iniciativas permitem um aumento da qualidade do serviço prestado pelas universidades, acabam por se traduzir em projetos para os estudantes, tanto para os que saem como para os que vêm. Aprendemos e surgem sempre novas oportunidades."
Alunos como principais beneficiários
Benefícios que também os portugueses enumeram: "Tendo em conta o crescimento da universidade ano após ano, é claro que as vantagens que o Erasmus traz aos estudantes beneficiam a universidade e, no caso do Tiago, também os investigadores. Este tipo de programas tem duas funcionalidades: estabelecer parcerias e fortalecer as existentes", assegura Eduardo Guerreiro. O facto de se deslocarem para países que acolhem os estudantes é uma mais-valia para lhes garantir que os mesmos têm condições para os receber. "A nível profissional, a mobilidade a Bruxelas terá sido a que deu mais frutos. Teve em vista as candidaturas a financiamentos e aprendi a dar relevo a certos aspetos que eventualmente não ponderava."
Além disso, explica Tiago Guedes, "a Universidade de Edimburgo está em 19.º lugar no ranking mundial, tem uma dimensão completamente diferente e foi muito importante ver como trabalham. E há a questão cultural, os investigadores estão habituados a gerir a sua informação, informação a que entidade nacional tem acesso para avaliação."
A experiência da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha (ESAD), estabelecimento do Politécnico de Leiria, é ligeiramente diferente, talvez por ser uma escola virada para a prática. Muitos são os ateliês de artes e ofícios, e quem procura formação no estrangeiro pensa na aprendizagem profissional. Há mais funcionários do que professores a candidatar-se ao Erasmus, na proporção de dois para um, o que é uma exceção à regra nacional. "Uma das razões para esta elevada adesão tem que ver com as áreas em que trabalham, as artes plásticas, o design, são pessoas mais abertas a este tipo de experiências. Entre os docentes, os de Engenharia e Gestão estão mais atentos a estes programas", explica Sandra Taurino, responsável pelo Gabinete de Apoio na Área da Mobilidade e Cooperação Internacional. Recebe os formandos estrangeiros, sejam alunos, docentes ou não docentes.
Iniciaram a mobilidade do staff em 2006 e Sandra também dele beneficiou com uma semana entre colegas administrativos da Universidade de Liubliana, na Eslovénia. Desenvolvem o programa em três vertentes: workshops (prática), ações de formação e work/job (semanas internacionais). Os portugueses da ESAD preferem Itália, Reino Unido, França, Alemanha e Finlândia, enquanto recebem mais colegas de Espanha, Turquia e Itália. Neste ano letivo, há cinco professores e seis técnicos candidatos ao Erasmus.
Formação mais prática
Rita Frutuoso e Manuel Ribeiro são dois dos técnicos superiores que viajaram através do programa Erasmus, ela para Itália e ele para a Finlândia.
Rita, 34 anos, licenciou-se em Design Cerâmica e tirou o mestrado em Design de Produto na ESAD, continuando no estabelecimento, agora, como técnica superior. Dá apoio à oficina de cerâmica, a professores e a alunos. "Desde o primeiro momento que tive interesse em participar e investiguei até que ponto isso poderia contribuir para a minha formação. Queria aprender e trazer algo dessa aprendizagem", conta.
Conhecia o centro de formação La Merediana, uma escola internacional de cerâmica na Toscana, "muito virado para a formação profissional". Só tinha de escolher o curso e foi pela via mais prática. Optou por experimentar novas técnicas de joalharia em porcelana por trabalhar com peças pequenas, que poderiam ser executadas numa semana, a duração do curso, e trazer para Portugal, além de utilizar as mesmas técnicas da cerâmica. Participou em 2012.
Manuel Ribeiro, 38 anos, viajou em 2010. É licenciado em Design Industrial também pela ESAD, atualmente é o responsável pela oficina de madeiras. "Dou acompanhamento técnico aos alunos e, quando têm mais dificuldades, posso ajudar na execução." Acabou o curso em 2008, quando, lamenta, o programa Erasmus não era tão popular entre os estudantes como atualmente, também porque exige um investimento dos próprios. Oito anos depois da licenciatura, candidatou-se para aprender com os finlandeses da Academia de Design de Kuopio, a norte de Helsínquia.
Os estudantes universitários têm uma bolsa, que em geral apenas dá para pagar o alojamento. Ao staff pagam a viagem, o alojamento, além de um subsídio diário que varia conforme o país de destino: entre 75 euros por dia (Leste Europeu) e 120 (Dinamarca, Reino Unido ...).
Manuel optou por um país nórdico, com um nível de vida bem superior ao português, o que fez que tivesse de gastar dinheiro do próprio bolso. "A Finlândia surgiu por acaso. Tinha pensado em candidatar-me e estavam cá dois alunos finlandeses que eram da academia de Kuopio e que disseram que as oficinas eram boas. Além de que tinham um protocolo com a ESAD e o Politécnico de Leiria, o que facilitou todo o processo."
Mas porquê a Finlândia? Responde Manuel Ribeiro: "Em termos da indústria, até poderia ficar por Portugal, mas é uma escola muito bem preparada a nível do ensino. As escolas dos países do Norte da Europa, até pelas suas capacidades económicas, estão muito bem preparadas, nomeadamente com os equipamentos mais modernos."
O que mais apreciou na sua semana foi o facto de o estabelecimento de ensino superior nórdico estar vocacionada para o exterior, estabelecendo parcerias com as empresas, o que faz que os trabalhos académicos sejam, muitas vezes, comercializados. "A Finlândia, aliás, os países nórdicos incentivam muito os projetos de colaboração com o exterior, executando artigos que as empresas adquirem, o que acaba por ser uma boa fonte de financiamento para a instituição." Esta é uma das experiências que partilhou na ESAD, instituição que afirma estar cada vez mais a apostar neste tipo de iniciativas.
A experiência da Rita foi muito prática, ensinamentos que aplicou depois nos ateliês. Aprendeu novas técnicas mas sente que não viu assim tantas diferenças com o ensino português. "Não notei que estivesse longe da minha realidade e foi muito bom conhecer pessoas com diferentes experiências na cerâmica." Além disso, toda a formação "estava muito bem organizada".
Basicamente, diz Manuel Ribeiro, "temos tudo o que eles têm, inclusive modelagem tridimensional por adição, só que enquanto nós temos um equipamento desses, eles têm dois ou três. Andamos desejosos por uma CNC [máquina para cortes em madeira], eles têm duas, conseguem-no porque têm receitas. Aprendem a executar objetos que têm valor comercial, que são vendidos, e esse dinheiro é canalizado para equipamento."
Produzir objetos úteis enquanto se aprende foi uma das coisas que trouxe de Helsínquia para as Caldas da Rainha, além de uma outra cultura e mentalidade. O único defeito que encontra neste tipo de ações é o período de tempo das mesmas. "Uma semana é muito curto, os dias são muito preenchidos, dá para conhecer os métodos de trabalho mas não para aprofundar. Trouxe outros conhecimentos, visitámos muitas coisas e toda essa informação foi passada à direção escolar. Além de que conheci outras realidades e culturas e fui muito bem recebido. Viajar é sempre positivo, seja em lazer ou em trabalho. O que eles faziam há dez anos, fazemos agora."
Manuel Ribeiro gostaria de ter novas experiências de mobilidade, para já em Portugal, até porque, entretanto, casou-se e teve dois filhos, ainda pequenos para os pais viajarem. "Fiz uma proposta de formação e que tem um enquadramento de aprendizagem quase contínuo. O objetivo é ir todos os anos para uma empresa onde possa aprender todo o processo da madeira, desde a questão florestal, ao abate e à transformação, até aos móveis de uma casa."
Rita Frutuoso vai voltar a candidatar-se. "Só temos a ganhar. Conhecemos novas pessoas e formas de trabalhar, dá-nos uma leveza que não temos normalmente no nosso dia-a-dia. Em todas as profissões, acabamos por ser consumidos pela rotina, sair, ver outras coisas, dá outro estímulo e vontade de fazer coisas novas. Gostava de ir à Dinamarca, para uma universidade de cerâmica nórdica.