Função Pública. Nota deixa de ser negativa mas continua a dar processo disciplinar
Trabalhadores do Estado que sejam avaliados duas vezes seguidas como "inadequados", nota que deixa de ser negativa (-1) para passar a valer zero, vão continuar a ser alvo de um processo disciplinar de averiguações, como prevê a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, segundo o projeto do governo de revisão do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP) a que o Dinheiro Vivo teve acesso.
Assim, no artigo 53.º da proposta do novo sistema de avaliação relativo à menção de "inadequado", é adicionado um novo número com a seguinte redação: "A atribuição de duas avaliações de desempenho inadequado consecutivas implica a instauração, pelo dirigente máximo do serviço, de processo disciplinar especial de averiguações, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas". Neste momento, o SIADAP não faz esta referência ao que já está previsto naquele diploma.
Para perceber as razões que levaram o executivo a incluir este ponto, o DV questionou o Ministério da Presidência, que tutela a Função Pública, que preferiu deixar os esclarecimentos para uma fase futura das negociações com os sindicatos: "Tendo sido agora iniciada a negociação sindical sobre a matéria, não vamos avançar com respostas que, dada a avaliação/reflexão que se mostra sempre necessária após auscultação dos representantes dos trabalhadores, se venham a revelar num futuro próximo desfasadas da realidade."
Uma das possíveis justificações poderá estar no facto de, no artigo 232 da Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, referir-se que o processo disciplinar é instaurado no caso de "duas avaliações do desempenho negativas consecutivas", sem menção a classificações neutras. "Quando um trabalhador com vínculo de emprego público tenha obtido duas avaliações do desempenho negativas consecutivas, o dirigente máximo do órgão ou serviço instaura, obrigatória e imediatamente, processo de averiguações", lê-se no mesmo texto. Ora, a nota de "inadequado", que atualmente subtrai um ponto (-1) para efeitos de progressão na carreira, passará a ser nula, de acordo com o projeto de diploma do governo. Ou seja, no âmbito do novo SIADAP, trabalhadores com duas notas seguidas de inadequado, que vale zero, poderiam escapar a esta investigação sobre os motivos que os levaram a tirar tão más notas, caso o legislador não especificasse no novo regime de avaliação que estes funcionários continuarão sujeitos ao mesmo procedimento disciplinar.
"O processo de averiguações destina-se a apurar se o desempenho que justificou aquelas avaliações constitui infração disciplinar imputável ao trabalhador avaliado por violação culposa de deveres funcionais, designadamente do dever de zelo", de acordo com a Lei Geral do Trabalho em Funções. Mas esta disposição "não é aplicável ao titular de cargos dirigente ou equiparado", salvaguarda o mesmo diploma.
Os dirigentes também serão avaliados, no âmbito do SIADAP, e poderão ser salvo de sanções, incluindo a cessação da comissão de serviço, isto é, a perda do cargo, caso não cumpram os objetivos, medida já prevista no atual SIADAP. Contudo, os sindicatos dos trabalhadores do Estado têm alertado que não conhecem caso algum em que um dirigente tenha perdido o lugar, decorrente de uma avaliação negativa.
Por outro lado, o projeto de revisão do SIADAP prevê incentivos à excelência dos departamentos e dos seus dirigentes. A proposta volta a reconhecer que 20% dos serviços de cada ministério podem ser avaliados como excelentes, permitindo, como compensação, o aumento da dotação orçamental para garantia de progressões e prémios para os seus trabalhadores. Contudo, não retoma a majoração em 10% das quotas dos trabalhadores elegíveis para a atribuição das notas de relevante ou muito bom (dois pontos) e excelente (três pontos), medida que caiu em 2011 com a chegada da troika.
Além disso, 20% dos dirigentes superiores que integrem os serviços considerados excelentes terão direito a um prémio que poderá ir até aos três mil euros por ano, no âmbito da avaliação anual. Aos diretores superiores de primeiro grau, com nota máxima, será atribuído um cheque anual de três mil euros, bónus que desce para 2550 euros no caso de dirigentes superiores de segundo grau.
Independentemente da avaliação dos serviços, 30% dos dirigentes intermédios também terão direito a um bónus anual atribuído por quotas:15% dos diretores poderão ser considerados "bons", o que lhes dará um cheque de 1500 euros; 15% serão elegíveis para a classificação de "muito bom", o que se traduzirá num prémio de 2250 euros; e 5% podem ser "excelentes", ganhando uma compensação entre 2400 e 1800 euros, consoante o grau na hierarquia.
O novo SIADAP, que passa de ciclos avaliativos bianuais para anuais, abrange cerca de 484 mil funcionários públicos que são avaliados por sistema de pontos, o que corresponde a cerca de 65% dos 745 mil os trabalhadores que o Estado emprega. A revisão do sistema de avaliação, proposta pelo executivo, reduz o número de pontos para progredir: em vez 10 serão necessários apenas oito para poder dar um salto na posição salarial. Além disso, é criada uma nota intermédia, designada de bom, que dá 1,4 pontos, que poderá ser atribuída a um quarto dos trabalhadores. Estas alterações conjugadas irão acelerar as progressões, em média, quatro e seis anos. Prevê-se que o novo regime entre em vigor em janeiro de 2025, começando a produzir efeitos em 2026.