Se o Parlamento italiano tivesse uma chaminé como a Capela Sistina, onde se reúnem os cardeais que elegem o novo Papa, pelo terceiro dia consecutivo teria havido fumo negro depois de mais um voto inconclusivo para eleger o próximo presidente de Itália. Sem acordo entre os partidos - todos à exceção dos Irmãos de Itália apoiam o governo de união nacional do primeiro-ministro Mario Draghi - não é claro quando haverá fumo branco. A partir de agora, basta uma maioria absoluta de 505 eleitores para ganhar, mas sem consenso num candidato a votação arrisca destruir a coligação. A não ser que o atual presidente, Sergio Mattarella, ceda e aceite ficar durante mais uns anos no palácio do Quirinale..À terceira votação, os votos em branco voltaram a ser a maioria: 412. Mas estão a diminuir - na primeira votação, na segunda-feira, tinham sido 672. Em segundo, com 125 votos, surge Mattarella, de 80 anos, que tem dito estar indisponível para um novo mandato de sete anos. O seu apoio tem vindo contudo a subir, tendo tido 16 votos na primeira votação e 39 na segunda..Muitos defendem que Mattarella deveria ficar no cargo que é principalmente cerimonial (mas essencial em momentos de crise) até ao final do mandato do primeiro-ministro (as eleições têm que ocorrer até março de 2023). Isto porque se considera que Draghi seria o melhor candidato (teve cinco votos ontem). Mas a saída do "Super Mario" do governo neste momento abriria uma nova crise para encontrar um sucessor, capaz de manter os partidos unidos e a confiança dos mercados. O ex-líder do Banco Central Europeu, de 74 anos, deixou entender no mês passado que estaria interessado no cargo, tendo mantido o silêncio desde então..O terceiro mais votado foi Guido Crosetto, um dos fundadores do partido de extrema-direita Irmãos de Itália, com 114 votos. Foi a primeira vez que o seu nome surgiu, depois de a líder do partido, Giorgia Meloni, ter decidido quebrar com o centro-direita e deixar de votar em branco. Crosetto conseguiu quase o dobro dos grandes eleitores que tem a sua formação política, fazendo soar os alarmes..Ao final de três votações inconclusivas, onde era preciso uma maioria de dois terços dos 1009 eleitores para ser eleito (673 votos), a corrida aperta a partir de agora, onde basta uma maioria absoluta de 505 votos para eleger o presidente (independentemente do número de eleitores). Reza a história que quatro presidentes foram eleitos à quarta votação, incluindo Mattarella em 2015. Mas sem acordo entre os diferentes partidos, a eleição pode arrastar-se. O recorde pertence a Giovanni Leone, que só foi eleito à 23.ª votação, numa eleição que durou 16 dias em 1971..Uma forma de desbloquear o impasse seria encontrar um candidato de consenso entre o centro-direita e o centro-esquerda (nenhum dos blocos tem votos suficientes para chegar, sozinho, aos 505 necessários). Na terça-feira, a Liga de Matteo Salvini, a Força Itália de Silvio Berlusconi e os Irmãos de Itália de Meloni propuseram três nomes: a ex-ministra da Educação e autarca de Milão Letizia Moratti, o antigo procurador Carlo Nordio e o antigo líder do Senado Marcello Pera..O líder do Partido Democrata (centro-esquerda), Enrico Letta, disse não a todos os candidatos de centro-direita, defendendo que as formações políticas deviam fechar-se numa sala a pão e água e só sair quando houvesse acordo num nome - noutra referência ao conclave que elege o líder da Igreja Católica. Em resposta, Salvini disse que "se perder três quilos não faz mal, mas não precisamos" de ficar fechados. Sendo as eleições presidenciais envoltas em secretismo, é tradição que os primeiros nomes lançados sejam "carne para canhão", não sendo levados a sério..Segundo a imprensa italiana, o centro-direita estará a pensar lançar o nome da atual líder do Senado, Elisabetta Casellati, que podia ser a primeira mulher presidente em Itália. Mas Letta já avisou que propor essa candidatura, junto com a oposição dos Irmãos de Itália, contra os aliados do governo seria algo "nunca visto" na história. "Absurdo e incompreensível. Representaria a forma mais direta de rebentar com tudo", escreveu no Twitter. Na prática, tal votação acabaria com o acordo de governo e deixaria Itália novamente no caos..Twittertwitter1486341547859849224.O chefe da diplomacia, Luigi di Maio, do Movimento 5 Estrelas, também avisou: "Se amanhã [hoje] for o centro-direita contra o centro-esquerda, corremos seriamente o risco de dividir a maioria.".susana.f.salvador@dn.pt