"Fujo de tudo o que é falso, desinteressante e fútil. E do que me arrasa psicologicamente como as guerras"

Helena Sacadura Cabral, jornalista, escritora, economista de formação, regressou recentemente a um território que lhe é familiar, o das páginas dos livros. Fá-lo com <em>Pensar, Olhar, Viver</em>, uma obra que é um espaço de revisitação pessoal, recordatório de experiências pessoais, crenças, perceções do mundo, histórias de uma vida iniciada em 1934, aqui entretecidas rumo a um desígnio, o da felicidade.
Publicado a
Atualizado a

Helena Sacadura Cabral, autora com perto de 40 títulos publicados, explora no seu novo livro, Pensar, Olhar, Viver, a crença de que a felicidade não é um mero acaso, mas sim uma escolha consciente, que podemos fazer a cada momento, apesar das vicissitudes da vida. Ao livro que sucede a Perdidos de Amor, de 2022, a escritora e jornalista vê-o como "uma jornada reflexiva". "Desafiando as convenções, convido o leitor a considerar as possibilidades ilimitadas que surgem quando abraçamos a mentalidade de que somos os arquitetos da nossa própria felicidade".

Antes de enveredarmos pela possibilidade de felicidade que Helena Sacadura Cabral nos apresenta, há que descortinar que intenção presidiu à escolha do título do seu novo livro, lançado com a chancela Clube do Autor. As palavras escolhidas acarretam sentidos e intenções. Porquê Pensar, Olhar, Viver na ordem que nos é apresentada? "Essa é a ordem pela qual regulo a minha vida. Penso nos projetos, olho-os como se não fossem meus, para ativar o sentido crítico, e sentindo-os viáveis, vivo-os intensamente. Dito de outra forma, penso, avalio os prós e os contras e, se ganham os primeiros, a caminhada é feita com total dedicação", sintetiza a autora.

Uma obra que abre com um manifesto que a autora intitula "Gosto de". De que gosta Helena Sacadura Cabral, de acordo com as suas palavras? "Ser determinada e firme nos meus propósitos"; "Ser cordial, amável e gentil com as outras pessoas"; "Ser zelosa, cuidadosa e dedicada"; "Ser honesta, sincera e agir de acordo com a verdade, sem enganar nem distorcer os factos"; "Ser tranquila como estado de espírito. Estar calma, serena, em paz comigo, é uma dádiva". Ao traçar estes propósitos, entre outros, fá-lo a autora como uma afirmação perante o leitor ou como um recordatório pessoal, uma afirmação perante si mesma? "Ambas as interpretações são válidas e correspondem à verdade", responde-nos.

Tema maior no novo livro de Helena Sacadura Cabral, a felicidade revela um sentido tão lato quanto a amplitude de definições que tecidas pela humanidade. Sobre a felicidade podemos encontrar-lhe a definição "crua": um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, em que o sofrimento e a inquietude são transformados em emoções ou sentimentos que vão desde o contentamento até a alegria intensa ou júbilo. Sobre estas palavras cerces erigimos um monumento. O grego Epicuro viu na felicidade a satisfação dos desejos, Tomás de Aquino tomou-a como uma visão beatífica, Jean-Jacques Rousseau defendeu o regresso à simplicidade para reconquistar a felicidade, Augusto Comte aludiu ao altruísmo e solidariedade como propósito para a felicidade. Freud encontrou no princípio do prazer um caminho para a felicidade. Por seu turno, a economia do bem-estar defende que o nível público de felicidade deve ser usado a par de indicadores económicos como o PIB. Como "navegar" neste mar imenso de felicidade? Um oceano a que não escapam os escaparates e os livros que demandam formas superiores de bem-estar. Parece ser um imperativo do nosso tempo esta ideia de que nos completamos ou efetivamos na felicidade. Esta premência de rumar ao encontro deste propósito não poderá estar a carregar-nos de angústia? é a pergunta que deixamos a Helena Sacadura Cabral: "Sempre considerei que a felicidade tem preço. Ninguém pode senti-la, se nunca tiver tido, dor, medo ou desânimo. Talvez porque todos acabamos, mais tarde ou mais cedo, por atravessar qualquer destas fases, precisamos de encontrar, lutar, procurar, o antídoto para as ultrapassar. A esse antídoto eu chamo de felicidade. É a minha forma de os relativizar e conseguir fortalecer-me face a qualquer daqueles estados. Costumo dizer, a rir, que não tenho qualquer vocação para o martírio que aqueles sentimentos negativos comportam".

Helena Sacadura Cabral junta à sua fórmula de felicidade um outro atributo, a escolha. Escolher traz entendido o ato de preterir e de eleger. O que devemos preterir e o que devemos eleger para sermos felizes? "Tudo, mas mesmo tudo, aquilo que é possível e de que carecemos, para ter momentos -- às vezes únicos --, de prazer, alegria e gosto de viver. Fujo de tudo o que me não enriquece como pessoa, e elejo tudo o que, pelo contrário me faz sentir viva. Ou seja, fujo de tudo o que para mim, possa ser tóxico e empenho-me na conquista de quem ou de algo, que me faça feliz. Tendo, porém, consciência que a felicidade não represente o mesmo para cada um de nós", sintetiza a autora.

No seu livro, Helena Sacadura Cabral destrinça entre ser feliz e ser-se felizardo: "A felicidade não é um estado contínuo, felizmente. Ela é o somatório de todos os diversos momentos, em que sentimos que vale a pena viver. Como economista, dir-lhe-ia que ela prevalece, quando o custo/benefício que acarreta, é francamente positivo. Direi mesmo, exponencialmente positivo. Em Pensar, Olhar, Viver, a primeira mulher portuguesa a ser admitida nos quadros técnicos do Banco de Portugal, afirma-se uma felizarda e consubstancia-o nas seguintes palavras: "Quando me perguntam se sou feliz, costumo responder que sou uma felizarda (...) Porque só entramos em consideração com o que a vida nos tira e não fazemos o mesmo com o que a vida nos dá? Porque nos lembramos sempre dos momentos difíceis e esquecemos a felicidade que temos ao ver um céu azul a capear um imenso prado verde, ou o sossego de, numa tarde de inverno, podermos estar à lareira, e ler um bom livro e a ouvir uma sinfonia que nos delicia?" O ser humano é complexo e a felicidade total não existe, mas, como nos diz Helena Sacadura Cabral, "não podemos sentir a luz sem ver a escuridão, nem viver a alegria sem sentir a dor".

Sobre a forma como vivemos a felicidade nos diferentes tempos das nossas vidas, relata-nos Helena Sacadura Cabral: "Aquilo que nos torna felizes aos 20 anos, difere do que nos torna felizes aos 40, 60 ou 80. No meu caso específico, a minha vida própria, começou aos 50 quando já me tinha libertado das responsabilidades familiares e tinha resolvido começar uma nova vida e carreira. Saliento, sobretudo, que o facto de ter tido a consciência, de que dali em diante, todas as opções que tomasse, seriam da minha inteira responsabilidade, me deram uma sensação de liberdade enorme. Finalmente eu podia "existir"".

No desfiar de excertos, narrativas e desabafos que tecem o livro de Helena Sacadura Cabral, detemo-nos na página 19. Intitula-a "Um olhar". Servem à autora os versos do poeta Tolentino de Mendonça para recordar uma história pessoal, fronteira entre o sonho e o real: "Hoje, sonhei um sonho verdadeiro", escreve. Uma história que, a espaços, baila nas páginas de Pensar, Olhar, Viver. Detenhamo-nos nos versos: "Perdemos repentinamente/a profundidade dos campos/os enigmas singulares/a claridade que juramos/conversar (...) mas levamos anos/a esquecer alguém/que apenas nos olhou". Helena Sacadura Cabral recorda um encontro furtuito em Paris, uma troca breve de olhares. ["a breve eternidade dos olhos nos olhos"; como gosta de sublinhar]. O que houve de tão profundo nesse encontro? "Nem eu própria sei explicar. Talvez lhe chamasse um coup de foudre, algo que, se eu fosse mais velha, poderia ter tido outra concretização. Mas, naquela altura, os segundos que nos olhámos, foram dos mais belos da minha vida. E tenho a certeza de que fui correspondida".

Sobre sentimentos também escreve Helena Sacadura Cabral. Diz-nos a autora que "os portugueses precisavam de ter outro tipo de educação sentimental". Somos maus a sentir/expressamos mal os nossos sentimentos? "Hoje menos que no meu tempo, que é o do "um homem não chora". Mas ainda temos muitas peias educacionais e de classe social. Com o tempo vão adoçando, mas ainda falta muito, para uma educação dos afetos feita em casa e na escola. Esperemos que certos avanços não se venham a revestir de disparates perfeitos".

Em Pensar, Olhar, Viver a autora detém-se amiúde sobre o silêncio. Atualmente, a sociedade é devedora do silêncio. Helena Sacadura Cabral associa o silêncio à prosperidade dentro da "economia da felicidade": "O facto de fazer meditação com regularidade e de ter tido vários contactos ao nível do desenvolvimento pessoal tem sido um auxiliar precioso para mim, e para o trabalho que agora desenvolvo na chamada "economia da felicidade", que só presentemente começa a despertar entre nós", lemos na página que Helena Sacadura Cabral intitula "O Silêncio". "Este é uma necessidade do meu espírito, para o equilíbrio de que preciso numa profissão que, sendo solitária, é também muito exposta. Por outro lado, a economia carece de muita reflexão e o silêncio é muito útil a essa reflexão e à prosperidade que dela resulte. Noutras ocasiões será o contrário e é da discussão que sai a luz", conclui.

O livro adentra também a questão do feminino. Helena Sacadura Cabral recupera para o presente o título de uma coluna que manteve na revista Maxima - "O prazer de ser mulher" - para acrescentar que "desde então, nunca abandonei o tema da reconstrução feminina, que faz parte dos meus interesses pessoais". Oportunidade para a autora referir a "falta de amor-próprio, ou melhor a falta de autoconhecimento que absorve milhares de mulheres". A que se refere em concreto a autora? "A quase tudo, se entrarmos pelo país profundo de forte iliteracia financeira, de saúde e até de sexo. Há mulheres que morrem sem saber o que é um orgasmo, apesar de começarem as suas práticas sexuais cada vez mais cedo".

Entre as muitas palavras que Helena Sacadura Cabral liberta no seu mais recente livro ["lar", "amor", "comer", "repouso", "serenidade", "vulnerabilidade", "perda", "orgulho", "sexo", "empatia", tantas outras], a palavra "fuga" desperta-nos a atenção. Do que foge a Helena Sacadura Cabral? "Fujo de tudo o que é falso, desinteressante e fútil. E do que me arrasa psicologicamente como as guerras. Nesses tempos ou faço retiro espiritual ou saio para fora e cuido de mim. Volto com forças renovadas".

"A morte e a vida", assim mesmo esposadas a intitular um texto, detêm a atenção da escritora: "A única certeza que temos na vida é a morte. Apesar disso, ninguém nos prepara, na nossa educação para esse facto", escreve Helena Sacadura Cabral, para acrescentar que encara com "serenidade o dia em que partirei". O que nos faz vivermos em paz com a ideia da nossa finitude? é a pergunta que baila: "A educação liberal que recebi da minha mãe, foi muito importante. E ter assistido à dignidade com que aceitou a sua finitude, foi essencial. É, no fundo, a nossa pegada neste mundo", sublinha a autora. Uma pegada que nos deixa memórias. Citemos a autora: "Revisitar, de tempos a tempos, as boas lembranças é uma forma de sair, por exemplo, de uma certa melancolia". Cabe a pergunta: Este seu livro, enquanto exercício de revisitação, libertou-a de eventual melancolia? "A felicidade é o que persigo e é a ela que dedico todo o tempo de que disponho. E revisitar as boas lembranças é uma forma benigna de as recordar". O tempo que Helena Sacadura Cabral aqui nos traz, é um tempo esmiuçado, laborado no seu novo livro. Nas páginas de Pensar, Olhar, Viver há o tempo real, o tempo percebido, o tempo do espírito. Como vê o tempo a autora? Como um elemento erosivo da vida ou um arquiteto de oportunidades? A resposta é pragmática: "Sem nenhuma dúvida, um arquiteto de oportunidades." Um tempo que a autora não destitui da intensidade como vivemos a felicidade: "O tempo vivido, ou mais especificamente, a quantidade de tempo que as pessoas sentem que ainda têm na vida, influencia a forma como experimentam a felicidade e o tipo de experiências que geram maior felicidade", escreve na página 54 do seu livro, no texto que intitula "A cronologia do tempo".

Helena Sacadura Cabral também dedica algumas páginas de Pensar, Olhar, Viver ao tema "Saber sair". "Logo que acabei o curso, percebi que queria viver independente. Depois, percebi que tinha de sair para casar. E dai em diante saí, sempre que senti ser a altura de o fazer", comenta a autora.

A Saudade, essa "dor de uma ausência que temos prazer em sentir (...) É a mistura de amor, nostalgia e tristeza que sentimos quando estamos longe de alguém ou de algo que nos faz falta", como a define a autora, detém a escrita da autora. Também a "saudade do futuro", uma "expressão que pode parecer contraditória (...) é sentir falta de algo que ainda não aconteceu, mas que se deseja muito. É ter esperança num dia melhor, num sonho realizado, numa situação resolvida". Mote para olharmos para o epílogo do livro de Helena Sacadura Cabral, em parte escrito num tempo verbal passado ["Tive a capacidade de olhar para trás sem grandes arrependimentos, sabendo que terei feito o melhor com as circunstâncias e oportunidades de que dispus"]. Encerra algo com estas palavras? Fá-lo sem "saudades do futuro"? "Fi-lo com uma enorme esperança dessas saudades do futuro", conclui a autora que dedica Olhar, Pensar, Viver aos filhos, à família e amigos, "sempre presentes nesta longa caminhada".

Pensar, Olhar, Viver

Helena Sacadura Cabral

260 páginas

Editor: Clube do Autor

dnot@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt