"Fui um espectador da revolução sexual"
O escritor David Lodge fez sorrir milhares de portugueses enquanto liam os seus livros, romances travestidos de comédias que punham a nu, por exemplo, a realidade do mundo universitário como no caso do livro Um Almoço nunca É de Graça. Depois, diz na conversa com o DN, "fui ficando mais sério com a idade". Uma perda de humor que não evita que tenha sido o escritor escolhido para encerrar a segunda edição do Festival Internacional de Cultura de Cascais, que ontem terminou após várias sessões de uma programação excecional.
Um convite que o fez chegar mais cedo a Portugal para passar uma semana a passear pelo país, que apreciou nas voltas que deu a partir daquela vila pelos arredores. Nota-se que David Lodge está cada vez mais surdo, nada que o impeça de dialogar sobre a sua obra e a sua vida. Tal como confessar que tem medo de participar numa sessão às 22.00 porque a essa hora já costuma estar na cama.
Ou, em tom muito mais pessoal, recordar que o nascimento do seu terceiro filho, hoje com 50 anos, lhe alterou a vida por completo: "Foi um choque! Mudou tudo e obrigou a minha mulher a interromper a carreira de professor e a mim a sossegar em vez de andar pelo mundo à conta do sucesso dos meus livros." Uma "tragédia" que em nada alterou uma monogamia exemplar com uma rapariga que conheceu aos 18 anos e com casou seis anos depois para sempre: "Não vejo a vida de outra forma..."
Uma afirmação que contrasta com o mundo promíscuo de alguns dos seus romances, como O Mundo é Pequeno, onde faz uma paródia muito cáustica às abundantes relações extraconjugais através das suas personagens. Regressará ao tema do sexo quando se lhe pergunta quais os acontecimentos que define como mais importantes entre os que assistiu durante a sua longa vida - nasceu em 1935. Indica a revolução sexual como um deles, mas avisa: "Fui um espectador da revolução sexual, mas sem partilhar dos seus benefícios porque era casado."
Não se lhe vê aquele brilho nos olhos ao referir o tema como se verifica em relação a outros, como o boom da literatura nos anos 1970 e 80, que lhe alterou a vida por completo: "Éramos matéria de notícia e os nossos livros apareciam na imprensa como se fosse uma parte importante do que compunha a sociedade de então." Um período de ouro que se evaporou com as crises económicas e o faz dizer: "Tive sorte em ser um dos escritores que esteve na primeira fila até deixarmos de ser importantes e o mundo editorial entrar numa profunda crise."
Uma época em que também os professores universitários eram convidados para muitas iniciativas no estrangeiro: "Uma universidade americana convidou-me e viajei para lá com a família. Tínhamos um carro à nossa disposição e percorremos grande parte do país: "Foi uma grande descoberta, principalmente porque era um tempo de grandes mudanças e a América significava liberdade. Foi um momento bastante importante para mim."
David Lodge espanta quem o conhece pessoalmente, pois em vez de ser o escritor exuberante e hilariante que se imagina através da leitura dos seus romances é, ao contrário, um sorumbático. Sempre de semblante sério, com um bigode que só se retorce para sorrir muito de vez em quando, mas que no momento de o fazer obriga ao riso de quem está perto por refletir aquele humor dos seus livros.
No entanto, nos momentos sérios, não deixa de representar o outro lado da pessoa que é capaz de afirmar: "Vivi demasiado tempo!" Faz este balanço em relação ao que vai vendo acontecer no mundo, como o fim dos tempos áureos da docência universitária, o outro lado da sua vida profissional que lhe permitiu escrever um punhado de volumes de ensaios literários sobre os escritores e pensadores que considera terem iluminado o mundo com as suas ideias. Ou, sobre um dos momentos mais amargos da sua carreira de autor, a publicação de uma espécie de biografia sobre Henry James: "Escrevi sobre ele, alguém muito importante para modernizar a literatura e que não teve senão um reduzido sucesso em vida. Intitulei o livro Autor, Autor, só que umas semanas antes do lançamento fui confrontado com a edição de um outro livro sobre Henry James, que praticamente eclipsou o meu. Foi tão intensa a sensação que acabei por relatar essa minha desventura num livro a que dei por título O Ano de Henry James: A História de Um Romance."
Além de Henry James existem muitos outros autores importantes para David Lodge; Jane Austen por exemplo, sobre quem pergunta se tem leitores em Portugal. Refere ainda Thomas Hardy e alguns outros nomes antes de pegar num seu livro que estava sobre a mesa, A Consciência e o Romance, e comentar que tinha tido um grande percalço nesse livro devido a um cientista português: "Escrevo nesse volume sobre António Damásio, que admiro muito pela inteligência e elegância dos seus livros, mas o livro continha um erro no nome dele que foi uma vergonha. O que deveria ser impossível de acontecer porque paguei do meu próprio bolso a revisão que a editora da Universidade de Harvard publicou."
No ano passado, David Lodge lançou o primeiro livro de memórias, Um Ano quase Bom para Nascer, 1935-1975, ainda inédito em Portugal, onde faz o seu retrato biográfico exaustivo em 478 páginas. Uma época em que ainda não era amplamente conhecido como mestre da sátira, mas que facilita a perceção de como nasceram muitas histórias nos seus livros. Onde revela que herdou os genes da criatividade do pai e rotula a mãe de uma simples doméstica, entre outras memórias enquanto jovem.
Lodge ainda não regressou ao romance, prefere continuar nas memórias. Está a escrever a continuação, a do período de maior sucesso, o que leva à pergunta que os escritores mais detestam. Qual é o seu livro preferido entre os que escreveu? "Não costumo reler os meus livros a não ser por acaso."