Fuga de motoristas na pandemia faz disparar preços dos TVDE
Mais paciência e mais saldo no cartão. Quem precisou de chamar um carro por aplicação nos últimos meses já reparou que está mais complicado usar as plataformas Uber, Bolt e Free Now.
O cenário vai manter-se nos próximos meses e há cada vez mais motoristas a abandonarem a atividade de transporte de passageiros em veículos descaracterizados (TVDE). A revisão da lei só irá ocorrer quando houver uma nova constituição da Assembleia da República.
"Antes da covid havia um carro em cada esquina e sempre à porta do cliente. Por causa do confinamento e da falta de procura, houve muitas desistências de motoristas e falências de empresas parceiras. Isso gerou um défice do lado da procura", explica ao Dinheiro Vivo o porta-voz do Sindicato de Motoristas de TVDE.
Em números, "dos cerca de 30 mil motoristas com certificado, a maior parte deles teve de procurar alternativas porque não podiam suportar os custos com combustíveis e com a manutenção", que no negócio dos TVDE ficam do lado dos motoristas e das empresas, acrescenta o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários Urbanos de Portugal, Fernando Fidalgo.
Apesar de não estarem ao volante, os condutores que obtiveram o certificado de motoristas de TVDE podem voltar à atividade sempre que quiserem. O documento é valido por cinco anos a contar a partir da sua emissão, pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT).
A falta de oferta é incapaz de responder ao aumento da procura que ocorreu depois da Páscoa deste ano. Quem chama um carro tem de esperar pelo menos cinco minutos e tem de pagar mais pela viagem, sobretudo nas horas de ponta.
As plataformas tentaram aliviar as tarifas com opções mais baratas nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Nessa situação, contudo, o cliente tem de esperar ainda mais tempo até porque há cada vez menos motoristas dispostos a receberem tão pouco por uma viagem - as plataformas retêm 20% a 25% do preço em comissões. "As tarifas low-cost são uma das razões para os motoristas irem embora", defende António Fernandes.
O passageiro é ainda mais penalizado se precisar de usar um TVDE nas noites de quinta, sexta e sábado. As plataformas aplicam a tarifa dinâmica para responder ao pico de procura e podem, no máximo, duplicar o preço da viagem face aos valores normais.
Ao Dinheiro Vivo, Uber e Free Now assumem que tiveram de ativar mais vezes a tarifa dinâmica nos últimos meses.
"Notámos que houve uma recuperação da procura mais rápida do que do lado da oferta o que significa que em muitos casos a tarifa dinâmica está ativa de forma a equilibrar a procura e oferta e garantir a disponibilidade do serviço 24 horas por dia", refere fonte oficial da Uber.
A Free Now alinha pelo mesmo diapasão: "com a procura a superar largamente a oferta, acaba por existir uma maior predominância de tarifas dinâmicas, que contribuem para essa sensação generalizada de aumento de preços".
A Bolt afirma que tem uma "equipa de desenvolvimento que trabalha diariamente para melhorar o algoritmo de cálculo dos preços e criar opções mais económicas e sustentáveis".
Depois de três anos de polémica, a atividade das plataformas de transportes foi regulamentada em novembro de 2018, sob a batuta do Ministério do Ambiente e da Ação Climática. A lei 45/2018 define que, após três anos, é necessário avaliar e até rever a lei após relatório do IMT submetido à apreciação da Autoridades da Mobilidade e dos Transportes (AMT).
O documento, contudo, ainda não foi entregue. "O IMT no final do mês de novembro informou este Gabinete que está a concluir o relatório fundamentado de avaliação do Regime previsto na Lei n.º 45/2018, para enviar para apreciação da AMT", refere fonte oficial do gabinete de João Matos Fernandes. O relatório terá ainda de incluir um parecer da AMT.
Eventuais alterações à lei vão depender das indicações do IMT. Se tal acontecer, dependerá da aprovação da nova constituição da Assembleia da República que resultar das eleições de 30 de janeiro. Ou seja, eventuais mudanças na lei TVDE terão efeito depois do primeiro trimestre do próximo ano.
Rever a lei, contudo, poderá não ser suficiente, na perspetiva da nova presidente da AMT. A atividade "necessita de um maior nível de fiscalização por parte de todas as entidades competentes", referiu Ana Paula Vitorino em entrevista na semana passada ao Negócios.
Com ou sem mudanças na lei, o certo é que já lá vai o tempo em que um cliente entrava nestes carros - com garrafas de água e rebuçados nas portas - e ouvia "a temperatura do carro está boa? A música está do seu agrado?". Agora, "se os clientes querem preços baixos, a qualidade também é baixa. Não condeno isso", remata António Fernandes.