Frida Kahlo, o símbolo feminino que transcende gerações
Forte. Autêntica. Determinada. Irreverente. Frida Kahlo podia ser só uma artista brilhante, mas transformou-se num ícone transgeracional que permanece atual até aos dias de hoje. Onde começa o mito? E porque perdura?
Frida Kahlo não teve uma vida vulgar. Na sua existência relativamente breve, viveu períodos e acontecimentos tumultuosos, tão vividamente retratados na sua obra, marcou a história e a arte de um país, atravessou fronteiras, transcendeu a morte e perdurou no imaginário coletivo mundial até aos dias de hoje como um exemplo de rebeldia, inconformismo e superação.
Pouco conhecida internacionalmente até finais da década de 70, altura em que é redescoberta por ativistas políticos e historiadores da arte, e mais notavelmente na sequência da publicação de "Frida: a biografia" de Hayden Herrera, em 1983, Frida encerra em si as diferentes facetas e realidades de muitas mulheres.
A complexa relação com Diego Rivera (Diego y Yo, 1949), a sua dor, física (El camión, 1929; La columna rota, 1944; El venado herido, 1946) e emocional (Memoria, el corazón, 1937; Las dos Fridas, 1939; Lo que el agua me dio, 1939; Autorretrato con collar de espinas y colibri, 1940; La mesa herida, 1940) os abortos espontâneos que sofreu (Hospital Henry Ford, 1932) ou o feminicídio (Unos quantos piquetitos, 1935) são apenas alguns dos temas que expôs nos seus quadros.
A sua experiência e a sua arte estão tão interligadas que a frontalidade e a emoção que emanam das suas representações artísticas, sobretudo os autorretratos, nos transportam diretamente para a sua realidade interior. Ao pintar de forma franca, honesta e crua vivências tabu compartilhadas por tantas mulheres, Frida rompeu com a tradicional representação feminina vigente na época.
Apaixonada pelo México e autoproclamada "filha da revolução", filiou-se ao Partido Comunista Mexicano em 1927. Enquanto artista, embora muitas vezes ensombrada pela figura do marido, viu-se reconhecida como a primeira mulher mexicana a expor no Museu do Louvre, tendo também lecionado na Escuela Nacional de Pintura, Escultura y Grabado, na Cidade do México, e sido membro fundador do Seminário de Cultura Mexicana. Pouco antes da sua morte, em 1954, teve a sua primeira exposição individual no México.
À cor e vida da sua imagem e da iconografia que a rodeia, justapõe-se o constante sofrimento, criando uma dualidade de luz e sombra, exuberância e vulnerabilidade, que fascina multidões até aos dias de hoje, aludindo à realidade quase mitológica de uma mulher que rompeu padrões para se afirmar plena na sua emoção e na expressão de quem é, e das suas convicções, e que na Arte transformou a sua dor em paixão.
Todos os acontecimentos que viveu, somados à sua autenticidade e irreverência, fazem de Frida um símbolo feminino com o qual muitas mulheres se podem, de diversas formas, identificar. E embora Frida não se possa conter, em toda a sua complexidade, num estereótipo, a verdade é que até hoje inspira pessoas por todo o mundo a aceitarem-se e a expressarem-se tal como são, e muitas mulheres a continuarem a lutar pelos seus direitos, numa altura em que ainda assistimos a acontecimentos como a repressão feminina no Irão, exemplificada pela morte Masha Amini.
Conhecer a vida de Frida Kahlo é descobrir uma mulher única e incomparável, à semelhança da sua obra. É desvendar o ser humano por detrás da artista em toda a sua complexidade e ambiguidade, e compreender as narrativas, o contexto e a emoção que se escondem nas suas obras mais marcantes. É abrir caminho à verdadeira descoberta e à merecida valorização da sua arte.
A continuidade do mito de Frida Kahlo vai muito além da Fridamania e da sua imagem (ousada e feminina, criada num contexto patriarcal), incidindo, na realidade, e à semelhança de qualquer símbolo, no que a sua imagem representa. Foram a sua liberdade, rebeldia e autenticidade, aliadas à genialidade da sua obra, que transformaram Frida num símbolo para tantos, e que continuará a perdurar, enquanto a luta de cada ser humano para ser, e se expressar por aquilo que é, tiver de permanecer.
Edoardo Canessa | Produtor Executivo OCUBO e Immersivus Gallery