Freud, o gestor e o divã

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No âmbito da onda de evocações dos 150 anos do nascimento do fundador da psicanálise, parece pertinente perguntar qual a relação entre Freud, a psicanálise e a gestão? A teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939), médico, neurologista e fundador da psicanálise, nascido em Freiberg (actualmente Pribor, na República Checa) e educado na Universidade de Viena, constitui um dos pilares da história das ideias do século XX. É um facto que o paradigma freudiano continua a suscitar polémica, mesmo no interior do campo psicológico, mas os impressionantes avanços empíricos registados nas últimas décadas corroboram muitas das ideias de Freud. O famoso neurocientista António Damásio afirmou ainda há pouco que "Freud tem sido validado pela neurociência". As descobertas da psicanálise sobre os processos psicodinâmicos não tiveram um impacto apenas na psicologia e na psiquiatria, mas também na gestão. De forma simples, pode afirmar-se que cinco postulados definem a moderna teoria psicodinâmica, a qual confirmou empiricamente muitas das ideias de Sigmund Freud (Westen, 1998):

- A maior parte da vida mental (incluindo pensamentos, sentimentos e motivos) é inconsciente. Por conseguinte, as pessoas podem actuar de formas que não conseguem explicar, assim desenvolvendo sintomas inexplicáveis.

- Os processos mentais, incluindo os afectivos e os motivacionais, operam em paralelo. Portanto, perante a mesma pessoa ou situação, os indivíduos podem experimentar sentimentos contraditórios que os motivam de formas opostas e, frequentemente, os conduzem a soluções de compromisso.

- Padrões de personalidade estáveis começam a formar-se na infância. As experiências de infância desempenham um papel especialmente importante no desenvolvimento da personalidade, em particular no que se refere à forma como, mais tarde, as pessoas actuam socialmente.

- As representações mentais do eu, dos outros e dos relacionamentos guiam as interacções com os outros e influenciam a forma de desenvolvimento de sintomatologia psicológica.

- O desenvolvimento da personalidade não inclui apenas a regulação dos sentimentos sexuais e agressivos - mas também a passagem de um estado imaturo e socialmente dependente para um estado de maturidade e independência.

Análise organizacional

O Tavistock Institute, em Londres, desempenhou um papel decisivo na aplicação do conhecimento psicanalítico à análise organizacional, o que é patente, por exemplo, em trabalhos clássicos da escola sociotécnica. Outros autores como Abraham Zaleznik, Manfred Kets de Vries e Yannis Gabriel são nomes influentes nesta linha de pensamento que, através de uma abordagem clínica da análise organizacional, procura entender as organizações de uma forma mais complexa. O paradigma clínico assenta em três premissas:

- A percepção não é a realidade.

- A irracionalidade tem as suas fundações assentes na racionalidade.

- As pessoas são produtos do seu passado.

Segundo Manfred Kets de Vries (1995), psicanalista e professor no INSEAD; esta abordagem, ainda que mais complexa, é também "mais realista" do que "as abstracções da teoria económica ou os seus derivados tayloristas." A abordagem psicanalítica assume que existe uma realidade organizacional invisível, por vezes inconsciente, que pode desafiar a organização visível e formal. A psicanálise busca, por conseguinte, repensar a relação entre razão e paixão. Embora esteja longe de ser uma linha dominante, mesmo no âmbito da psicologia organizacional, a perspectiva psicanalítica tem prestado importantes contributos ao conhecimento da gestão, designadamente no que se refere ao impacto da personalidade de fundadores e líderes na identidade das organizações, e à importância do "teatro interior" dos líderes. Uma das mais evidentes implicações da perspectiva psicanalítica para as organizações e os seus líderes é a de que liderar, além de ser uma jornada de aprendizagem, é também um exercício de auto-aprendizagem. Todavia, como disse Tales naquela que Kets de Vries escolheu como citação de abertura do livro The Leadership Mystique, "A coisa mais difícil na vida é alguém conhecer-se a si mesmo". Facilitar a jornada de autoconhecimento eis uma das importantes contribuições da psicanálise para a gestão e os gestores.

Minibiblioteca de entrada na psicanálise organizacional:

Gabriel, Y. (1999). Organizations in depth. London: Sage.

Kets de Vries, M.F.R. (2001). Struggling with the demon: Perspectives on individual and organizational irrationality. Madison, CT: Psychosocial Press.

Kets de Vries, M.F.R. (2001). The leadership mystique: A user's manual for the human enterprise. London: Prentice-Hall.

Kets de Vries, M.F.R. (2004). Organizations on the couch: A clinical perspective on organizational dynamics. European Management Journal, 22(2), 183-200.

Pracana, C. (2001). O líder sedutor. Lisboa: Climepsi.

Westen, D. (1998). The scientific legacy of Sigmund Freud: Toward a psychodynamically informed psychological science. Psychological Bulletin, 124, 333-371.

Para desenvolver o assunto:

Bennett, C.V., & Brewster, C. (2002). Can Portuguese management compete? Lisboa: Ad Capita/Cranfield University School of Management.

Cunha, M.P. (2005). Adopting or adapting? The tension between local and international mindsets in Portuguese management. Journal of World Business, 40(2), 188-202.

Hofstede, G. (1980). Culture's consequences. International differences in work related values. Beverly Hills: Sage.

Hofstede, G. (1991). Culturas e organizações. Lisboa: Sílabo.

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