Frelimo, Renamo e MDM jogam credibilidade em eleições locais
Insegurança, pobreza, corrupção, inflação, escassa criação de emprego, o escândalo da dívida oculta, uma atmosfera política tensa - os moçambicanos vão votar nesta quarta-feira nas quintas eleições autárquicas no país onde as propostas otimistas dos partidos não são suficientes para fazerem esquecer os sinais evidentes da crise que atravessa o país.
Com as eleições a realizarem-se em 53 municípios, algumas cidades servirão de pedra-de-toque para aferir a situação de cada uma das três principais forças políticas no país, a Frelimo (no governo) e Renamo e MDM (oposição).
A capital, Maputo, é uma dessas cidades. Aqui, a exclusão pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) do candidato da Renamo, Venâncio Mondlane, substituído por Hermínio Morais, e da candidatura de Samora Machel Jr., preterido pelo seu partido, a Frelimo, em favor de Eneas Comiche, parece ter deixado caminho aberto para a vitória deste último.
O MDM apresentou Augusto Mbazo, presidente do Conselho Autárquico (CA) da capital, após a deserção de Mondlane que trocou este partido pela Renamo. Mondlane viu a candidatura rejeitada pela CNE, com o argumento de que trocara, em 2013, o seu lugar no CA pelo de deputado antes de, em agosto último, deixar o MDM pelo qual fora eleito, na sequência de divergências internas, para aderir à Renamo.
Para o especialista em África subsariana do Stratfor, instituto de análise geopolítica, Stephen Rakowski, as eleições "servirão para aferir se as estruturas da Frelimo e dos partidos da oposição, Renamo e MDM, conseguirão resistir" à pressão popular e às expectativas que cada um destes partidos tem em relação aos resultados finais. Estes resultados poderão tornar-se também, consoante a dimensão de que se revistam para a Frelimo e Renamo, "um importante teste para a distensão entre o governo e este partido da oposição e para o sucesso do processo de desmilitarização deste último", cujo início efetivo principiou no passado sábado, dia 6.
Opinião paralela é a de Gustavo Plácido dos Santos, analista do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRIS), para quem "a imagem e a credibilidade da Frelimo têm sido desgastadas ao longo dos últimos anos, nomeadamente devido à questão das dívidas ocultas, bem como perceções de corrupção e abuso de poder, e incapacidade de prover bens e serviços públicos - atente-se aos constantes cortes de energia e água em Maputo, bem como a falta de infraestruturas - e ainda a incapacidade de garantir a segurança e o bem-estar das populações", como se tem visto com "os ataques violentos que vêm a ser registados na província de Cabo Delgado. O mesmo analista considera que a "Frelimo tem noção do seu desgaste" e, por isso, na capital apostou num antigo presidente da Câmara, Eneas Comiche, que apesar de quase octogenário continua a ser bastante popular e tem boa reputação.
Ainda no que respeita à situação em Maputo e à tentativa frustrada de Samora Machel Jr. protagonizar uma candidatura alternativa, ao mesmo tempo que permanecia como membro do comité central da Frelimo, o analista do Stratfor pensa que uma saída daquele do partido "não é de excluir e pode antecipar mais cisões", referindo que se notaram "sinais de divisão interna nos últimos meses" e até alguma contestação à figura do seu líder e presidente do país, Filipe Nyusi.
O desgaste do partido no poder é também destacado pelo diretor do Mediafax, Fernando Mbanze, mas nota estar a Frelimo, "que governa o país há 43 anos", a "demonstrar alguma capacidade de gestão de conflitos internos". O jornalista moçambicano salienta que "o discurso do futuro melhor está literalmente gasto e esta perceção não é minha apenas, mas dos próprios cerca de cinco milhões de potenciais eleitores registados para as 53 autarquias do país". Assim, "a possibilidade deste sentimento castigar a Frelimo na votação de 10 de outubro existe e não pode ser posto de lado". Todavia, Mbanze considera que a oposição também "não apresenta um discurso alternativo em que se pode confiar. Temos assistido e ouvido a mais promessas vagas do que, necessariamente, a um projeto de governação" com "seriedade e exequibilidade".
Estas eleições autárquicas decorrem sob um pano de fundo de insegurança no norte do país, onde um alegado movimento islamita provocou mais de cem mortos desde outubro de 2017 e a deslocação de algumas populações, e de um quadro económico pouco favorável, com o governo a prever uma taxa de crescimento de 4,1% do PIB e uma inflação de 6,8%. Moçambique tem ainda de esclarecer o caso das dívidas ocultas de três empresas (ProIndicus, MAM e Ematum) detidas pelo Estado, do qual depende o reatamento de relações com o FMI e o apoio dos doadores.
Noutro plano, após mais de cinco anos de um conflito de baixo atrito entre elementos da Renamo e as forças governamentais, designadamente no centro do país, iniciou-se na passada semana o processo de desmilitarização, desmobilização e reintegração do braço armado do principal partido da oposição.
No quadro dos problemas locais, como refere o diretor do Mediafax, "a corrupção está no topo das prioridades". Além disso existem "situações precárias" nos serviços de saúde, na educação e na habitação, além de "vias de acesso intransitáveis boa parte do ano, com consequente impossibilidade de escoamento de produtos".
Para além de Maputo
Se a situação na capital poderá espelhar o nível de insatisfação com a Frelimo, a votação na Beira e em Nampula, cidades sob controlo da oposição, permitirá extrair algumas conclusões sobre o estado da popularidade da Renamo e do MDM.
O cenário para a Renamo surge como favorável e "deverá capitalizar do descontentamento do eleitorado perante a sucessão de governos liderados pela Frelimo" e das "divisões" no MDM, pensa o investigador do IPRIS. O partido não se apresentou nas anteriores autárquicas e, por isso, qualquer número de autarquias ganhas será um bom resultado, além de que "existe a perceção", junto de "uma nova geração que cresceu fora do contexto da libertação colonial e da guerra civil", que a "Frelimo já não é a única alternativa para dirigir os destinos do país", considera Plácido dos Santos.
Para o MDM antecipa-se um cenário negativo, atendendo à situação de crise interna em que se encontra desde há um ano.
A Beira foi ganha em 2003 pelo então candidato da Renamo, Daviz Simango, que rompeu com o partido em 2009 e fundou o MDM. Simango enfrenta dois fortes candidatos: o secretário-geral da Renamo, Manuel Bissopo, e uma relevante quadro local da Frelimo, Augusta Maita. As saídas de quadros do MDM desde finais de 2017, críticos do estilo de liderança de Simango, deixam no ar a real possibilidade de declínio do partido, com o resultado da Beira a pesar grandemente. O líder do MDM dirige o município há 15 anos. No partido, tem sido acusado de excessivo centralismo na direção, vício também imputado às lideranças da Frelimo e Renamo. "Esses partidos políticos têm dificuldade em ter democracia no próprio interior", dizia o analista Severino Ngoenha à DW África no início de julho de 2018.
O resultado na Beira é também importante para a Renamo, que sempre considerou a cidade como um seu bastião. A recuperação da segunda autarquia do país seria um duplo sucesso para o partido dirigido interinamente por Ossufo Momade, após a morte de Afonso Dhlakama em maio de 2018: voltaria a governar a cidade e destronaria aquele que se tornou um adversário político ao mesmo tempo que travava a vitória da Frelimo. Mas para o diretor do Mediafax, o mais provável é que "Daviz Simango consiga renovar, mas os números não serão espetaculares". Mbanze considera ainda um erro "a participação, em separado e de forma independente, da Renamo e do MDM", o que "claramente beneficia o partido no poder", devido à inexistência de uma segunda volta. Para Plácido dos Santos, do IPRIS, Simango "está bem posicionado" para manter o seu lugar na Beira, mas os resultados gerais da eleição podem determinar o seu futuro político. "Perder a grande maioria das edilidades poderá mesmo forçar Daviz Simango a pensar nas suas opções enquanto líder de um partido crescentemente dividido" e em que um grande número de quadros importantes tem saído desde 2017.
Situação semelhante vive-se em Nampula, ganha pelo MDM em 2013 e que perdeu para a Renamo nas intercalares de 2017 realizadas após o assassínio em outubro de Mahamudo Amurane, que entrara em choque com a liderança de Simango e deixara o partido. Além da Frelimo e da Renamo, concorrem duas novas formações políticas que reivindicam o legado de Amurane e exigem justiça no caso. As autoridades anunciaram na passada semana estarem sob investigação dez suspeitos.
Atendendo à atmosfera anti-MDM que se viveu após a morte do autarca, é difícil conceber uma vitória deste partido. A interrogação é se a Renamo conseguirá manter o município, atendendo a que sua base eleitoral é também a do MDM e "a divisão do voto", salienta Mbanze, pode favorecer a Renamo.
Estas são as quintas eleições autárquicas em Moçambique desde 1998, sendo as primeiras após uma revisão constitucional que estabeleceu novas competências para os órgãos locais e centrais. Os dirigentes das autarquias passam a ser escolhidos a partir da lista mais votada para a Assembleia Municipal, deixando de ser votados em boletim próprio, como sucedeu nas anteriores quatro eleições. O analista do Stratfor destaca que é importante perceber se "a maior descentralização política para as províncias" e o "exercício do poder pelos governadores regionais e pelos presidentes de câmara" vai, ou não, "uma maior margem de manobra para os grupos da oposição". Opinião distinta tem Plácido dos Santos: "O quadro legal moçambicano é claro em afirmar o Estado como soberano e como tendo poderes significativos sobre as edilidades."