Francisco: poder da esperança e ponte para a paz na Europa

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"A redescoberta do poder
da esperança é a primeira oração
global do século XXI"
José Tolentino Mendonça

O pavio bélico assombra há 18 meses a alma da Europa cristã. Dolorosa realidade que gerou perturbação, empatia e profunda solidariedade para com o país invadido, mas que começa a dar lugar a um certo grau de apatia e de alheamento.

Talvez o despontar da indiferença advenha das imagens e relatos do conflito ucraniano que nos penetram e dominam incansável e diariamente (através dos media tradicionais e das redes sociais); talvez porque a guerra eclodiu após prolongada pandemia que confinou, matou e que terá configurado a alienação como elemento integrante de uma estratégia de sanidade mental (ao nível do inconsciente).

Foi contra esta maré, em que se inaugura a imunidade ao sofrimento de outrem, que Francisco remou na sua recente e marcante visita a Portugal, acentuando o imperativo do amor ao próximo, o consequente amparo na angústia, no tormento, na dor e nas dificuldades alheias, a passagem, em suma, do "eu" para o "nós" com os corolários espirituais e éticos que lhe assistem.

Reiterou, inabalavelmente, a mensagem de Cristo na sua essência, apelando ao amor universal, à inclusão e ao sonho, iterou-se como farol de luz, esperança e resiliência e renovou, imperturbavelmente, o imperativo da paz.

No âmbito desta narrativa, o Papa conferiu à Europa, com fervor e determinação, uma missão, missão essa alicerçada não na corrida exacerbada às armas perante os ecos da guerra e sim numa trajectória rumo à paz, com base em diálogo intenso, diplomático e construtivo.

É que o Santo Padre discerne no Velho Continente uma habilidade inata para se consolidar como agente unificador, como construtor de pontes de entendimento, mediando conflitos, serenando ânimos, encontrando soluções para contendas - visão essa que não se limita ao Leste Europeu, abraçando o Mediterrâneo, a África e o complexo Médio Oriente.

"Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?" pergunta o Sumo Pontífice. E amplia essa inquirição ao Ocidente, sublinhando que o mero avanço tecnológico e o poderio bélico não trazem, por si sós, verdadeiras respostas, notando que as armas são fonte de tragédia e de devastação.

Francisco tem fé e é regido pelo esperança no que toca ao porvir, sonhando com uma Europa que mobilize a sua erudição e vastos recursos e actue de forma incisiva na dissipação de conflitos, auxiliando-o, assim, numa actividade como Pontifex (construtor de pontes) que elegeu como sua.

Com efeito, o Santo Padre tem tido na última década um papel proeminente em diversos processos de paz pelo mundo fora. Lembremos, a título de exemplo, a sua intervenção, em 2013, na contenção de uma intervenção militar na Síria e na congregação, em 2019, de líderes do Sudão do Sul para a busca de soluções para um conflito que lacerava a região.

Para que dúvidas não subsistam, o Papa não almeja a um cenário de paz sem justiça. Posiciona a Federação Russa como catalisadora do conflito, condena veemente a agressão à Ucrânia e anseia por uma paz que contemple a completa desocupação russa do território ucraniano.

Crê, todavia, ser plausível recorrer a estratégias que entrelacem povos e nações em dança harmoniosa. E aqui confere uma missão à Europa, um TPC (um trabalho para casa) na formulação de uma estratégia para a pacificação ucraniana, assente não apenas em soluções paliativas ou temporárias e sim num entendimento que estabeleça as bases para uma paz duradoura e sustentável em soberano solo ucraniano.

Tal passa segundo Francisco pelo diálogo com Putin. "Escutai" diz com veemência o Santo Padre. Resta saber se o russo louco ouvirá.

Nota: A autora não escreve em conformidade com o novo acordo ortográfico.

Patricia Akester é fundadora do GPI/IPO - Gabinete de Jurisconsultoria e Associate do CIPIL - Centre for Intellectual Property and Information Law, Universidade de Cambridge.

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