Frances McDormand para abanar as coisas
Num ano em que os discursos deveriam ter sido inspiradores ou provocadores, os vencedores apostaram antes numa toada conservadora e morna. Estamos longe da era dos discursos emotivos das Sally Fields ou da elegância britânica de Daniel Day-Lewis. Mesmo na exuberância da vitória pareceu que não houve fogo na celebração. Será que esta acalmia se deveu a clima de tensão originado pelos movimentos politicamente corretos das campanhas de igualdade sexual? Será que houve um vírus de receio que contagiou os vencedores? A verdade é que o conteúdo sensaborão de grande parte dos discursos não contrastou com a própria atmosfera chocha da cerimónia, onde as piadas de Kimmell pareciam apenas decorativas e os próprios números musicais continham uma competência apenas funcional.
Ainda assim, o discurso de Frances McDormand foi o verdadeiro abanão da noite. A atriz de Três Cartazes à Beira da Estrada falou com estremecimento, fez da sua emoção uma arma. Misturou sentimento com humor e transformou o seu tempo de antena numa verdadeira homenagem à capacidade criativa de todas as mulheres nomeadas, conseguindo que cada uma delas se tenha levantado em prol de um movimento. Foi sincero o seu grito de mudança de comportamento, tocando também na ferida da maneira como as mulheres são abordadas nas festas, mas o que ficou, o que marcou, foi a maneira linda como agradeceu ao filho e ao marido, Joel Coen. Terá sido o momento destes Óscares.
Se não formos muito cínicos a maneira orgulhosa como Guillermo Del Toro foi mexicano no seu discurso também foi tocante. Teve aquele patriotismo que pareceu justíssimo, não esquecendo os compadres Alfonso Cuarón e Alejandro N. Iñarritu, nem atores como Salma Hayek e Gael Garcia Bernal. Mais importante, o cineasta de A Forma da Água lembrou um recado que lhe deu Steven Spielberg: não esquecer o legado dos cineastas que o inspiraram. Para um cinéfilo como Del Toro, citar Spielberg não deixou de ser tocante.
Quanto ao discurso de Gary Oldman, uma correção inglesa inatacável, pois claro, embora tenha marcado pontos quando lembrou que a sua mãe, de 99 anos, era mais velha do que os Óscares. O discurso acabou com um recado amoroso: "mãe, podes aquecer a chaleira, o Óscar está a caminho".
De resto, discursos enfadonhos, polvilhados de listas com nomes e a agradecimentos à mãezinha e à esposa. Nem a brincadeira de Jimmy Kimmel com a promessa de uma moto aquática jet-ski conseguiu refrear o tempo dos discursos. Foi frequente a música da orquestra mandar calar os vencedores.