"Formação do Benfica está ao nível dos grandes clubes mundiais"
Está a completar um ano no cargo de diretor da Caixa Futebol Campus. Que balanço faz?
Tem sido uma experiência fantástica, numa área que me fascina, pois permite-me estar perto de tudo o que envolve o futebol de formação, ter contacto direto com jogadores e treinadores. Era o que eu tinha idealizado para o pós-carreira, poder ajudar o Benfica e continuar ligado ao clube. Tenho de agradecer às pessoas que apostaram em mim e a toda a máquina que trabalha na sombra e que não é face visível. E também aos que têm trabalhado aqui nos últimos dez anos, que ajudaram a que o clube seja hoje reconhecido internacionalmente como uma das melhores academias do mundo.
Ainda sente que está numa fase de aprendizagem?
Estamos sempre, aqui como em outras áreas. Acho que vou estar num processo de aprendizagem toda a vida. Lidamos com situações que nos ensinam a não cometer os mesmos erros e a estar mais bem preparados. Havia funcionamentos que desconhecia mas que com o tempo fui estando por dentro. Hoje já lido melhor com essas situações. Numa estrutura tão grande como a nossa todos os dias surgem situações imprevisíveis.
Há uns meses disse que era uma utopia pensar-se na equipa principal do Benfica só com jogadores da formação. Mantém essa ideia?
De facto, utilizei esse termo, mas não quer dizer que seja uma coisa impossível. Mas continuo a achar que é muito complicado uma equipa do calibre do Benfica, envolvida nas competições em que está e a querer ganhar todos os jogos, seguir esse caminho. Para isso teríamos de preparar durante dois, três ou quatro anos uma equipa. Mas se calhar nesses anos em termos de conquistas seríamos obrigados a prescindir de alguma coisa.
Então não é possível...
Seria o cenário ideal e o Benfica no passado já o fez. E ganhava com jogadores maioritariamente formados no clube e portugueses que constituíam a base da seleção. Não posso dizer que é uma utopia. Mas o futebol mudou, o poder financeiro dos clubes é diferente. Para sermos competitivos temos de lutar contra outras equipas. O ideal é alimentar a equipa principal com jogadores da nossa formação, esse é o objetivo. Mas é preciso outro tipo de futebolistas para ajudar a suportar a inexperiência dos jovens formados na nossa casa. Havia muita gente que dizia que um jogador de futebol só a partir dos 28 anos é que se tornava completo. Dos 18 aos 28 ainda vão dez anos...
O presidente do Benfica não se tem cansado de falar da importância da formação e que quer cada vez mais jogadores. Existe alguma meta traçada ou a obrigatoriedade de ter na equipa principal todos os anos um certo número de jovens?
Não está definida nenhuma meta no tempo de objetivos a cumprir nesse aspeto. Temos sim essa ideia em mente, que é todos anos conseguirmos alimentar a equipa principal com um, dois, três jogadores da formação. E acho que nos últimos anos isso tem acontecido. Mas não há um número definido.
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Mas qual é o número ideal de jogadores para subirem por ano à equipa principal?
O subir aos seniores num clube como o Benfica é um acontecimento muito marcante para um jovem, é um sinal de qualidade. Não é fácil um júnior ser promovido logo no primeiro ano, o mais normal é rodar primeiro. Hoje em dia conseguirmos colocar até três jogadores na equipa principal é uma grande vitória. Um que seja já é muito importante.
Bernardo Silva saiu praticamente sem jogar; Renato Sanches também nem uma época inteira completou. Existe agora alguma diretriz para tentar manter mais tempo os jovens talentos?
O problema é que a lei do mercado obriga a que muitas vezes os jogadores passem pouco tempo connosco. Não é uma situação nova. O jogador português chega a uma determinada altura em que os clubes detentores do passe não conseguem competir com os gigantes europeus. As propostas são tentadoras e muitas irrecusáveis. O cenário ideal seria aguentar o máximo de tempo possível esses jovens. E a ideia passa por tentarmos conseguir isso. Mas há propostas irrecusáveis. Já no meu tempo de jogador essa situação se colocava. Os clubes portugueses não conseguem competir financeiramente com as grandes potências.
Como diretor da formação como vê a saída destes jovens talentos?
Há os dois lados da balança. Eu gostava muito de ver o Bernardo Silva hoje a jogar no Benfica. E espero que no futuro isso possa acontecer. O mesmo se aplica ao Renato Sanches. Por um lado, há o orgulho de conseguirmos produzir um jogador com o nosso ADN e que está a conseguir fazer uma carreira de sucesso lá fora. Mas ao mesmo tempo gostávamos de os ver aqui. É um misto de sentimentos diferentes.
Quase diariamente fala-se do assédio a Gonçalo Guedes, Lindelöf e Nélson Semedo. São os próximos a sair?
É um reconhecimento do nosso trabalho. Orgulha-nos ver o nome desses e de outros jovens associados a grandes clubes europeus. É sinal de que estamos a trabalhar bem. Se vão sair ou não, não sei.
Pode afirmar que atualmente o Benfica tem a melhor formação em Portugal?
Não tenho dúvida nenhuma. Em termos de infraestruturas e condições de trabalho estamos à frente. Ser a melhor formação, na minha ótica, não é ser o clube que ganha mais títulos nesses escalões. Damos importância aos resultados, a ganhar campeonatos, mas damos um bocadinho mais ao desenvolvimento do jogador e ao que vai ser o seu futuro. Estamos a trabalhar muito bem e o feedback que tenho recebido de toda a gente é que estamos um bocado à frente dos outros clubes portugueses. O Sporting começou mais cedo e tirou muita vantagem, porque o Benfica não tinha um espaço físico. Mas hoje em dia a formação do Benfica está ao nível dos grandes clubes mundiais. É o feedback que tenho das equipas estrangeiras que nos visitam ou em viagens que faço para conhecer outras realidades. Estamos ao nível dos melhores.
Como é feita a ligação com o treinador Rui Vitória e como ele tem conhecimento dos valores que vão despontando?
Rui Vitória tem um conhecimento muito profundo de todos os jogadores da formação do Benfica. Obviamente com mais foco na equipa B e nos juniores, até porque assiste a jogos. Mas reunimos periodicamente para falar sobre determinados jogadores. Muitos são chamados durante a semana para trabalhar na equipa B e na principal. Um dia que precise de um lateral-esquerdo, um médio ou um avançado, esse jogador está referenciado. No passado não existiam estas sinergias para um clube que quer cada vez mais apostar na formação e ver jogadores na equipa principal.
Luís Filipe Vieira disse recentemente numa entrevista que Jorge Jesus não entrava no atual projeto do Benfica...
O facto de Rui Vitória ter um passado na formação do Benfica tem sido muito importante, pois conhece a realidade e como se trabalha no clube. Depois, depende de cada um, tem que ver com a forma de trabalhar. Há treinadores que não olham tanto para a formação, e há outros que têm esse cuidado. O Rui Vitória nesse sentido tem sido importante, pois dá-nos feedback em relação a determinados jovens, que depois podemos trabalhar conforme as ideias do treinador. Há também hoje um sinal forte de que não existe qualquer tipo de preconceito em relação à idade do jogador.
Com Rui Vitória os jovens têm mais esperança de chegar à equipa principal do que no passado?
Acho que sim. É notório que nos últimos dois anos tem havido mais oportunidades para os nossos jovens. Mas isto não quer dizer que agora as portas estejam escancaradas para todos. É importante que todas as pessoas envolvidas neste processo saibam que ser jogador do Benfica não é para todos. Nunca foi e não vai ser nunca! É preciso muita vontade, qualidade e talento. E é preciso provar que se merece estar na equipa principal. O simples facto de ser formado no clube não é um selo de garantia para chegar à equipa principal. Nem todos conseguem.
Há uns meses disse que José Gomes ia chegar à equipa principal. E chegou. Quer arriscar mais nomes?
Dei o exemplo do José Gomes num determinado contexto, depois de Portugal ter ganho o Europeu de sub-17 e de ele se ter destacado. Uma série de acontecimentos [lesões de jogadores no ataque] proporcionaram que ele tivesse essa oportunidade. Tem estado muito bem, mas podia já ter marcado um golinho ou outro. Mas tem cumprido com aquilo que se esperava dele. Estou certo de que mais tarde ou mais cedo vai aparecer mais vezes na equipa principal, apesar de ainda precisar de ganhar calo. Tem todas as qualidades para vir a ser o nosso ponta-de-lança e da seleção durante muito tempo.
Quais são os passos que se dão desde a primeira observação à contratação de um jovem?
Portugal não é assim tão grande e temos uma estrutura montada com olhos em todos os cantos do país. Chegam-nos muitas informações para estarmos atentos a um ou outro miúdo, noutros casos somos nós que os descobrimos. Hoje, os miúdos surgem cada vez mais precocemente. Até já existem crianças com empresários! Muitas vezes não há dúvidas, vemos logo que está ali um bom jogador. Noutros casos, não. E obrigam a que haja mais observações. Tenho de realçar a importância dos centros de formação e treino que temos em Faro, Braga, Aveiro e Viseu. Quando são detetados tornam-se jogadores do Benfica, mas a jogar nesses centros. Depois, aos 12, 13 anos passam para aqui. Exemplos disso são o João Carvalho e o Diogo Gonçalves. É uma base de recrutamento importante. A partir daí depende da evolução deles conseguirem chegar a patamares mais altos.