Forçado a demitir-se, Sharif mergulha Paquistão na incerteza
Desde a independência em 1947 que nenhum primeiro-ministro paquistanês cumpriu o mandato até ao fim. E Nawaz Sharif, responsável por um raro período de estabilidade desde que chegou ao poder em 2013, não foi exceção. O chefe do governo demitiu-se depois de o Supremo Tribunal ter considerado que não tinha condições para exercer o cargo. O nome de Sharif, de 67 anos e pela terceira vez à frente de um executivo paquistanês, surgiu em 2016 nos Papéis do Panamá, que revelavam o envolvimento da sua família em empresas offshore. Uma investigação de uma comissão judicial concluiu que este não declarou rendimentos de uma empresa que tem nos Emirados Árabes Unidos.
Afastado da chefia do governo e proibido de exercer cargos públicos durante dez anos, Sharif continua à frente da Liga Muçulmana do Paquistão - Nawaz (PML-N). Com maioria no Parlamento a formação deve nomear um novo primeiro-ministro, com o ministro da Defesa, Asif Khawaja, entre os favoritos, mas com a dura concorrência do ministro-chefe do Punjab, Shahbaz Sharif, irmão mais novo de Nawaz. Mas a grande dúvida é quem vai ganhar as eleições previstas para meados do próximo ano. E a incerteza em torno do futuro do país leva muitos analistas a temerem um novo período de desestabilização.
A decisão do tribunal representa uma vitória para Imran Khan. A antiga estrela do críquete ameaçou bloquear Islamabad com protestos se a fortuna de Sharif não fosse investigada. Ontem, após a demissão do primeiro-ministro afirmou: "Hoje é dia da vitória para o Paquistão. A partir de agora os grandes ladrões vão ser apanhados." Mas o próprio líder do Movimento do Paquistão para a Justiça (PTI, na sigla em inglês) está a ser investigado pelo Supremo Tribunal por não revelar as suas fontes de rendimento.
A última sondagem disponível, datada de abril de 2017, mostra o PML-N de Sharif com 36%, à frente do PTI, com 25%. O PPP, liderado por Bilawal Bhutto, filho da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, assassinada pelo talibãs em 2007 em plena campanha eleitoral, surge em terceiro lugar, com 16%.
Apresentada como herdeira política do pai, Maryam Sharif também está na mira da justiça, por ter assinado documentos falsos para esconder a posse de apartamentos de luxo em Londres. Não sendo deputada, não pode suceder ao pai.
Nascido em Lahore numa família de industriais de Caxemira, Nawaz Sharif trabalhou no negócio da família antes de entrar na política. Primeiro-ministro pela primeira vez entre 1990 e 1993, voltou ao poder em 1997, sendo afastado dois anos depois num golpe militar liderado pelo seu chefe do Estado-Maior, o general Pervez Musharraf. Isto depois de o primeiro-ministro ter proibido o avião em que este seguia de aterrar em solo paquistanês, mesmo estando sem combustível. Condenado a prisão perpétua e forçado ao exílio na Arábia Saudita, Sharif voltou ao Paquistão em 2007, para participar nas legislativas do ano seguinte. Mas terá de esperar cinco anos para voltar ao poder.
Num país onde os generais têm mais do que uma palavra a dizer na política - basta ver os golpes que protagonizaram -, desta vez as chefias das Forças Armadas garantem nada ter que ver com a demissão de Sharif. Mas a presença de membros da secreta militar no painel que o investigou alimenta essa teoria.
Os cinco juízes do Supremo votaram a destituição de Sharif, ativando o artigo 62 da Constituição paquistanesa que permite o afastamento de qualquer eleito que seja considerado desonesto. O tribunal concluiu que o primeiro-ministro não declarou os rendimentos de uma empresa que tem nos Emirados Árabes Unidos, antes das eleições de 2013, que o seu PML-N ganhou.
Para os apoiantes de Sharif, o tribunal ultrapassou a sua competência, lembrando eles que nenhuma acusação contra o ex-chefe do governo - seja corrupção ou abuso de autoridade - foi provada. "Os que agora estão felizes e dançam, amanhã vão chorar", disse à Reuters o ministro Abid Sher Ali, garantindo: "Esfaquearam a democracia pelas costas." Frente ao tribunal, os apoiantes da oposição gritavam: "Vai Nawaz, vai!" enquanto defensores do primeiro-ministro empunhavam cartazes com a sua foto.
O próximo líder terá de gerir uma conjuntura difícil: relações tensas com a vizinha Índia, potência nuclear tal como o Paquistão, no ano em que ambos celebram 70 anos de independência. Também a relação com os EUA se deteriorou. Depois de em dezembro, ainda antes de tomar posse, ter considerado Sharif um primeiro-ministro "espantoso", o presidente Donald Trump defendeu em junho endurecer as relações com Islamabad para travar os militantes islamitas baseados no Paquistão. Lidar com a ameaça dos terroristas será também uma das tarefas do novo primeiro-ministro paquistanês.
Quanto à economia, tem beneficiado do grande investimento chinês - segundo o Pakistan Business Council, 55 mil milhões de dólares nos próximos cinco anos. "Pequim está a fazer pelo Paquistão o que o país não consegue fazer por si próprio", escrevia o Financial Times em junho. Mas os analistas alertam para desvalorização da moeda e para a queda das exportações.