Foram feitos menos 2694 testes do pezinho

Rastreio neonatal e registos do Ministério da Justiça indicam que, nos dois primeiros meses deste ano, nasceram menos crianças, o que pode traduzir já um impacto negativo da pandemia na demografia.
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Os efeitos da pandemia começam a sentir-se negativamente na natalidade. Em janeiro e fevereiro realizaram-se menos 19,3% testes do pezinho, rastreio de doenças realizado entre o terceiro e o sexto dia de vida. A redução foi sobretudo notória em janeiro, dez meses após o primeiro caso de covid-19 e do estado de emergência em Portugal. Também os registos do Ministério da Justiça indicam uma quebra significativa no primeiro mês do ano. Não são os dados definitivos, mas ambas as estatísticas revelam as tendências demográficas.

Em janeiro, realizaram-se 5646 testes do pezinho (8043 em 2020) e em fevereiro, 5602 (5899 no período homólogo), confirmando a perceção de Laura Vilarinho de que neste ano haveria menos crianças. Laura é a coordenadora da Unidade de Rastreio Neonatal, Metabolismo e Genética, do Departamento de Genética Humana e da Comissão Executiva do Programa Nacional do Rastreio Neonatal, que estuda os recém-nascidos no âmbito do Plano Nacional de Rastreio Neonatal. O ano de 2020 já tinha fechado com uma quebra na natalidade, com 85 456 testes do pezinho nos 12 meses, menos 1908 do que em 2019 (87 364).No entanto, em dezembro de 2020, precisamente nove meses após o primeiro confinamento no país devido à pandemia, até se realizaram mais rastreios neonatais (7082) do que em 2019 (6650). Daí que os sociólogos sublinhem que são precisos mais meses para se tirar conclusões definitivas.

Mas os primeiros dados indicam o caminho que poderá seguir a natalidade no país. "As pessoas que perderam rendimentos e que viveram uma maior sobrecarga de trabalho com a situação de confinamento - com o teletrabalho e o cuidar das crianças - podem equacionar o adiar do projeto de ter filhos", explica a socióloga da família Sofia Marinho, para quem "serão mais os adiamentos do que as desistências" da maternidade .

Há uma ligeira diferença entre o número de testes do pezinho e o dos nascimentos do Instituto Nacional de Estatística (INE), o que tem a ver com a idade em que o recém-nascido deve realizar o teste. Mas se há menos bebés rastreados, significa que há menos nascimentos. Está para breve a publicação dos estudos demográficos do INE relativos ao ano passado.

Também os últimos dados do Ministério da Justiça, através do registo de crianças nas conservatórias, indicam uma diminuição. Estão registadas 4001 crianças em janeiro deste ano, quando no mesmo mês de 2019 eram 5888.

Todos os concelhos tiveram menos crianças neste ano, sendo certo que os localizados no interior do país têm os valores mais baixos da natalidade. Bragança realizou 71 rastreios neonatais em janeiro e em fevereiro e Portalegre, 81. No lado oposto, encontram-se as cidades do litoral, sobretudo Lisboa e Porto, seguidas de Braga e Setúbal.

"Se há menos nascimentos, são pessoas que adiaram o seu projeto de natalidade dadas estas circunstâncias. A natalidade tem uma grande ligação à situação económica das famílias", diz Sofia Marinho, argumentando: "Os homens e as mulheres entendem ser necessárias determinadas condições para garantir uma educação de qualidade aos filhos, e se essas condições não existem, adiam a maternidade. Neste momento, não há condições por causa da crise pandémica. Os que não adiam são os que não podem adiar, e esses desistem ou arriscam."

Os nascimentos em Portugal tiveram uma grande quebra com a última crise económica, atingindo o valor mais baixo em 2013. Nesse ano, o índice sintético de fecundidade (crianças por mulher em idade fértil) era de 1,21. Com o recuperar da economia, também se assistiu a uma recuperação da natalidade e, em 2019, esse índice era de 1,42. A substituição de gerações só acontece com 2,1 ou mais crianças por mulher.

A forma como a pandemia está a afetar negativamente a fecundidade não acontece apenas em Portugal. Em Itália, o número de nascimentos registou uma quebra de 21,6% em dezembro, segundo o instituto italiano de estatística (ISTAT), através de uma amostragem em 15 cidades italianas.

A notícia é da agência Reuters ("Lockdown bambino bust: 9 months on, Italian births fall 22 percent"), que também dá conta de um estudo realizado em março e abril de 2020 na Europa, concluindo-se que as pessoas estavam a adiar a decisão de ter um filho. Os alemães e os franceses referiram ter adiado o projeto de ter um filho. Já os italianos responderam mais vezes que tinham abandonado esse plano.

O estudo indica ainda que as consequências da pandemia na quebra da natalidade irão sentir-se menos nos países em que há maiores apoios sociais, como é o caso da Alemanha.

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