Foi-se a honra, avança o bode expiatório

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Quando caiu a ponte de Entre-os-Rios, o então ministro de Estado e do Equipamento Social levou menos de sete horas a assumir responsabilidades e sair. "A culpa não pode morrer solteira, tem de haver consequências políticas e sou eu o mais alto responsável do ministério. Não ficaria bem com a minha consciência se continuasse", justificou Jorge Coelho. O então primeiro-ministro, António Guterres, considerou a demissão "irrecusável", realçando a "atitude de invulgar dignidade de quem seguramente está isento de qualquer responsabilidade pessoal pelos trágicos acontecimentos", manifestando a sua gratidão a Jorge Coelho e pedindo-lhe que assumisse, no imediato, "a condução das ações" necessárias.

A honra, o sentido de Estado e a noção da responsabilidade que se assumem ao aceitar um lugar de governação parecem, 20 anos depois, ter saído do caderno de encargos dos políticos que exercem, em nome dos portugueses, o poder. Terão sido substituídos por uma fabulosa capacidade de sacudir água do capote, cuspir culpas para funcionários do batente e esmagar as estruturas para disfarçar erros e desresponsabilizar quem as tutela.

Vimo-lo no caso do roubo de armas em Tancos, em que o então ministro Azeredo Lopes, hoje sentado no banco dos réus, esteve um ano e meio no governo a ver saltar militares, diretor da PJM e até o chefe do Estado-Maior do Exército, contando sempre com o apoio explícito do primeiro-ministro.

Vimo-lo nos inúmeros casos que se colam à pele de Eduardo Cabrita, o "excelente ministro da Administração Interna" de António Costa (sic), imune a golas inflamáveis (caiu o seu secretário de Estado, respetivo adjunto e o presidente da Proteção Civil), à decisão de alojar imigrantes na antiga prisão de Caxias e até à morte de um cidadão estrangeiro à guarda de uma estrutura por si tutelada. Desfaz-se a estrutura, mesmo que fundamental para garantir a segurança do país, e assim se esfuma a responsabilidade política.

Vemo-lo agora de novo com a entrega em bandeja dos dados pessoais de organizadores de protestos aos países pouco democráticos contra os quais protestam. O presidente Medina, sucessor de António Costa em Lisboa, desculpa-se a contragosto, avia uma auditoria interna relâmpago e logo descobre o culpado: o sexagenário por ele destacado há três anos para coordenar a proteção de dados pessoais na autarquia. Caso encerrado.

Depois desta empreitada, pedir responsabilidades políticas a quem exerce o poder em nome dos eleitores só pode ser estratégia para fragilizar o autarca e candidato a Lisboa. Não importa quão grave é o tema, honra e assunção de responsabilidades políticas é coisa dos antigos. Esmague-se a estrutura que desde os tempos de Costa prosseguia aquele hábito, não importa quem deu a primeira ordem, não importa saber quem foi fechando os olhos e deixando passar. E para quem só fica contente quando vê sangue, que role a cabeça do funcionário que há 33 anos cumpria ordens na Câmara de Lisboa.

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