"Vai Joe, vai". Foi gafe ou Biden anunciou que quer ser candidato contra Trump?
Vai, Joe, vai. Os gritos de encorajamento da audiência de cerca de mil militantes democratas que na noite de sábado se juntaram num jantar-comício em Dover, no Delaware, o estado que o vice de Obama, Joe Biden, representou durante mais de três décadas no Senado, não deixaram dúvidas sobre a interpretação da frase.
"Dizem que sou criticado pela nova esquerda. Sou o mais progressista de todos os candidatos à presidência." De facto, não haveria muitas interpretações possíveis: Biden estava a dizer ser o mais progressista dos candidatos, o que teria de significar que aos 76 anos ia entrar na corrida, depois de em 2016 não o ter feito devido à morte de um filho. Mas mal a sala veio abaixo retificou: "De todos os que serão candidatos." Acrescentando, com um sorriso, "não fiz de propósito."
Não é a primeira vez que Biden fala de si como o melhor candidato. Há dois anos, disse, num encontro numa universidade nova-iorquina, que crê que se tivesse entrado na corrida para a nomeação democrata em 2016 tê-la-ia ganhado -- e à presidência. "Acho que poderia ter ganhado", respondeu à pergunta do reitor da universidade sobre se lamentava não ter concorrido. Afirmando ser "mais qualificado que os outros candidatos", acrescentou: "Estava bastante confiante de que se fosse o candidato do Partido Democrata teria uma boa chance de ser presidente." O filho mais velho, Beau Biden, morreu de cancro cerebral em maio de 2015; em outubro, Biden, que terá ponderado entrar na corrida, chamou a imprensa à Casa Branca para anunciar que não se candidatava.
Segundo o Washington Post , Biden, que já concorreu duas vezes, sem sucesso, à nomeação democrata (em 1988 e 2008, quando acabou por ser escolhido por Obama para o seu "ticket"), tem a ambição de ser presidente desde 1972, quando conquistou um lugar no Senado. "Sei que posso ser um bom presidente," disse numa entrevista à Washingtonian magazine em junho de 1974. Aos 31 anos, não tinha sequer idade para concorrer (o mínimo é 35). Agora, se concorresse e ganhasse, seria o mais idoso de todos os presidentes a ocupar a Casa Branca -- terá 78 anos pouco depois da data das eleições. O que é mais do que Reagan tinha após terminar os seus dois mandatos. Mas menos do que terá Bernie Sanders que, nascido em setembro de 1941, tem 77 e já lançou a sua candidatura.
E a verdade é que se desde 2017 que Biden parece perfilar-se como candidato. Nesse ano lançou um livro de memórias dedicado ao filho morto, cujo título - Promise me, Dad -- parece insinuar a existência de uma promessa a cumprir. Aliás, numa entrevista à Vanity Fair a propósito do livro, ele e a mulher falam insistentemente de que Beau (fruto do primeiro casamento de Joe, que terminou tragicamente em 1972, com a morte da mulher e de uma filha de 13 meses num acidente de automóvel, pouco depois de ele ser eleito senador; Beau e a irmã mais nova Hunter também iam no carro, mas ficaram apenas feridos) quereria que "andassem para a frente".
No final do texto, lê-se: "Jill Biden disse-me que, por estes dias, ela e o marido estão focados em avançar. Parte disso é, diz, perguntarem-se "que quereria Beau que fizéssemos? Ele não quereria que o chorássemos todo o tempo, embora o façamos. Portanto, avançando, que quereria Beau que Joe fizesse? Pode provavelmente responder a essa questão." O jornalista contrapõe com o facto de terem uma bela casa de praia e de parecerem saborear poderem voltar a ter vida privada. E pergunta se, na capacidade de esposa, Jill não está inclinada a dizer ao marido, "toma conta de ti. Goza a vida. Talvez devas abrandar." A última linha do artigo é a descrição da reação dela: "Fixou em mim um olhar significativo: "Compreende o que "gozar a vida" significa para Joe?""
Certo é que acordo com os relatos do comício de sábado Biden teve um discurso muito "pré-candidatura", atacando repetidamente o presidente Trump por fomentar divisão e ódio e lamentando que a "nova esquerda" do seu partido o critique por ser cordial com os republicanos: "A única coisa capaz de destruir a América é a própria América, e estamos a ver o início disso", afirmou. Frisou que Trump está a abandonar os aliados e a retirar os EUA do seu lugar de líder no palco mundial e que não é coincidência que a expressão "fake news", que o presidente adora usar, se tenha tornado "a frase preferida de todos os déspotas que aterrorizam os seus povos.". E concluiu: "Estamos literalmente numa batalha pela alma da América."
Antes do discurso de Biden, Chris Coons, o senador democrata pelo Delaware, tinha dito aos repórteres que Biden lhe confidenciara que "tem quase a certeza de que vai concorrer". E no seu próprio discurso, antes do do principal convidado, afirmou estar certo de que "daqui a 598 dias estaremos juntos a comemorar a eleição de um novo comandante supremo das forças armadas."
Já o governador do Delawere, John Carney, garantiu: "Não parece só que voltou. Parece que está pronto para a luta."
Recorde-se que mais de uma dúzia de democratas lançaram já a sua campanha formal à nomeação do partido para as presidenciais de 2020. Além do candidato derrotado por Hillary Clinton em 2016, Bernie Sanders, e da senadora do Massachusetts Elizabeth Warren, ambos considerados da esquerda democrata, contam-se ainda na corrida Kamala Harris, senadora pela California, a primeira mulher de origem afroamericana e índia a chegar ao Senado, e o recém anunciado Beto O'Rourke, ex congressista pelo Texas que surge como um "moderado". Ou seja, do campo de Biden, cujo tabu está a arrastar-se.