"Foi bom estragar os planos de May"
É hora de almoço na Regent"s Square, que apesar da ameaça de chuva está cheia de funcionários dos escritórios que rodeiam a praça londrina. Nos grupos que se formam, para fumar ou comer algo comprado na loja da esquina, o tema da conversa é quase sempre a noite eleitoral, havendo muitas caras ensonadas a ler as notícias nos telemóveis. Charlie, de 24 anos, não fez uma direta mas foi acordando a meio da noite para verificar se a perda da maioria dos conservadores de Theresa May, anunciada às 22.00 de quinta-feira quando as urnas fecharam, se mantinha ou se, mais uma vez, as sondagens tinham voltado a falhar.
"Acho que ontem foi uma grande vitória para os jovens eleitores. O Labour fez um grande trabalho junto dos estudantes, com o seu manifesto e a promessa de acabar com as propinas. Conheço pessoas que antes não tinham votado e que decidiram fazê-lo por causa do Labour e de Jeremy Corbyn", conta Charlie. Recém saído da Universidade, explica que tem uma dívida de 40 mil libras por causa das propinas. "O Corbyn trouxe muita gente nova para a política, acho que ele representa um novo movimento."
Não há dados oficiais sobre quantos jovens votaram, mas uma sondagem à boca das urnas para a revista NME sugere um aumento de 12 pontos percentuais nos eleitores com menos de 35 anos em relação a 2015, para uma participação de 56% (a nível geral foi de 69%). Destes, dois terços votaram Corbyn.
"Foi um voto dos jovens, mas também de quem estava desiludido com a política. Acho que foi como um voto de protesto", diz Elisabeth, de 43 anos, que saiu do escritório para um cigarro. "Apesar de o Labour ter perdido, ainda ganhou porque conseguiu travar May. Pelo menos agora será uma líder mais fraca", afirma, prevendo uma nova eleição antes do final do ano ou um golpe interno nos Tories. O London Evening Standard, dirigido por George Osborne, o ex-ministro das Finanças despedido por May, apelidou-a de "rainha da negação", acusando-a de se manter no governo sem poder. "Não sei o que isto vai implicar, mas foi bom estragar os planos dela", diz Charlie, admitindo que estava à espera que May se demitisse.
A primeira-ministra convocou as eleições para reforçar a maioria que herdara de David Cameron, desejando ir com uma posição de força para as negociações do brexit previstas para começar dentro de nove dias. Mas, quando finalmente todos os votos foram contabilizados (ontem só faltava declarar Kensington, onde era preciso nova recontagem) tinha perdido 12 deputados e essa maioria (apesar de um aumento de 5 pontos percentuais nos votos nacionais). Para governar precisa agora dos 12 representantes do Partido Unionista Democrático (DUP, em inglês).
O maior partido na Irlanda do Norte, liderado por Arlene Foster, é contra o aborto e o casamento homossexual, quer gastar mais no serviço de saúde e em infraestruturas, é contra um hard brexit, que possa repor as fronteiras com a República da Irlanda, e está em desacordo com os conservadores nas pensões. Mas, disseram, a alternativa era "intolerável", referindo-se a Corbyn. O dirigente do Labour, que conseguiu conquistar mais 31 deputados (32 se "roubar" Kensington aos Tories) e subir em dez pontos percentuais os votos, teve que responder na campanha às suas alegadas ligações ao Sinn Féin.
"O que o país precisa mais do que nunca é certeza e tendo conseguido o maior número de votos e o maior número de lugares nas eleições, é claro que só o Partido Conservador e Unionista [o nome oficial dos Tories] tem a legitimidade e habilidade para providenciar essa certeza ao liderar a maioria na Câmara dos Comuns", disse May, depois de se encontrar com a Rainha Isabell II e anunciar que irá formar governo.
"Período de grandes desafios"
Falando do DUP, a primeira-ministra lembrou a "forte relação" dos últimos anos, que lhe dá a confiança de que "seremos capazes de trabalhar juntos nos interesses de todo o Reino Unido." Ontem, Foster disse que iria discutir com os Tories "como será possível trazer estabilidade à nossa nação neste período de grandes desafios".
Ainda durante a noite, Corbyn (após vencer pela nona vez a circunscrição de Islington e diante de resultados que calam qualquer oposição interna no Labour) tinha pedido a demissão de May. De manhã, foi Tim Farron, líder dos Liberais-Democratas (ganharam três deputados), a pedir o mesmo. Um cenário que os analistas presentes na festa da noite eleitoral na London School of Economics (LSE) tinham afastado logo desde o início, junto com um golpe interno nos Tories para a derrubarem - apesar de terem começado de imediato os rumores sobre Boris Johnson, ex-presidente da câmara de Londres e chefe da diplomacia britânica.
"Isso só iria criar ainda mais instabilidade. Acho que ela ficará como líder e tentará governar durante um tempo, mas é muito difícil vê-la nas próximas eleições", disse ao DN o diretor do Instituto de Assuntos Públicos da LSE, Tony Travers. Se tivesse de apostar, diria que ela ficará até ao final do brexit, apesar dos problemas que enfrentará: "Ela não terá a posição forte que queria e os restantes 27 países da União Europeia vão aproveitar." Ontem, o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker pediu ao Reino Unido para não adiar as negociações. O referendo já foi quase há um ano e dois meses do prazo de dois anos para negociar já passaram.
O líder dos independentistas do UKIP, Paul Nuttal, que ontem anunciou a demissão, acusou May de "pôr em perigo" o brexit. Para os analistas da LSE, isso não está em risco, já que os briânicos já se acostumaram à ideia de sair da União Europeia."May começou a dizer que estas eram as eleições do brexit, mas rapidamente os temas tradicionais de campanha para os eleitores britânicos ganharam destaque, como a economia ou o serviço nacional de saúde", disse Travers.
Outro dos grandes derrotados da noite foi o Partido Nacionalista Escocês (SNP, em inglês), que perdeu 19 deputados - entre os quais o ex-líder Alex Salmond. Um resultado que compromete os planos de um novo referendo sobre a independência, que voltou a ser falado após os escoceses votarem contra o brexit. A primeira ministra e líder do SNP, Nicola Sturgeon, admitiu ontem que o pressionar para um novo referendo esteve por detrás do desaire de quinta-feira.
Enviada a Londres
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