Fofó. O clube de bairro que forma craques vai modernizar-se
Paredes forradas de história, com troféus, fotografias e reportagens... prontas para serem demolidas. Dentro de dias o clube do bairro de Benfica, que anda há anos a formar grandes jogadores, vai dar um passo rumo à modernização. O projeto está em marcha e que jeito davam alguns milhares de euros dos direitos de formação do mais recente menino de ouro do Fofó: Gelson Martins. Mas a vida trocou as voltas ao carismático presidente Domingos Estanislau. O ex-leão assinou pelo Atlético Madrid a custo zero, depois de rescindir com o Sporting, e o clube que o formou ficou (para já) a arder.
Nada que tenha abalado o orgulho de ver Gelson triunfar. "Não é porque passou pelo Fofó, é porque vai ser o melhor do mundo, um segundo Ronaldo", garante Estanislau, referindo-se à última pérola do Futebol Benfica. Mas não é a única. Também Rúben Semedo (Huesca) e Ricardo Pereira (Leicester) começaram a jogar no pequeno clube de Benfica. Como Manuel Fernandes (Lokomotiv Moscovo), "embora no currículo só apareça o outro Benfica", lamenta o homem que lidera os destinos do clube há mais de 30 anos.
Todos estes craques são rostos do sucesso da formação do mesmo que no passado lançou Artur Correia, o Ruço, ainda hoje considerado o melhor lateral direito de Portugal, e Paulo Bento, que se notabilizaram no Benfica e Sporting. Mas há muitos mais, como mostram as centenas de recortes de jornais e revistas que forram as paredes da sede e que se preparam para ganhar lugar no futuro museu. Dady, ponta-de-lança que singrou no Belenenses, fez questão de acabar a carreira no clube que o lançou. Depois ficou como treinador da formação, cargo que ocupa quando não está a ajudar Rui Águas na seleção de Cabo Verde. Ou Paulo Grilo, hoje treinador de guarda-redes do Bordéus, Vitinha (diretor do Desportivo das Aves) e Rui Borges, que jogou no Boavista, no Estrela da Amadora e no Belenenses.
O sucesso tem segredos mas, no caso do Fofó, toda a gente os conhece. "Trabalho, disciplina e humildade." As três palavras mágicas pronunciadas pelo líder do clube, porque formar "também é falar, ouvir, aconselhar e dar na cabeça, não é só treinar". Foi assim quando Gelson se estreou pela seleção ou quando Ricardo Pereira foi campeão no FC Porto. E também foi assim quando soube que "o Rúben Semedo andava a desviar-se do caminho certo e precisava que o lembrassem como podia voltar".
Na maior parte das vezes, os jogadores ouvem-no e retribuem o carinho do presidente e do clube que os formou quando têm disponibilidade e indiretamente através dos direitos de formação. O mecanismo da FIFA que protege os clubes formadores e que lhes dá o direito a 1% das transferências tem sido um bom apoio financeiro do Fofó nos últimos anos. Mas só começa a contar depois dos 12 anos. Até essa idade nem um tostão entra nos cofres do clube.
Foi mais ou menos isso que aconteceu com Ricardo Pereira. "Quando ele tinha 10 anos um olheiro do Sporting falou comigo para o levar à Academia. Fui falar com a mãe e ela disse-me: "Mas ele é do FC Porto [risos]! Acabou por ir para a Academia, tinha 11 anos, e não recebemos nada."
Serviu de lição. No caso de Rúben Semedo e Gelson Martins a história foi diferente. Ambos chegaram ao clube depois dos 12 anos e saíram para o Sporting. Cada um rendeu 33 mil euros: "Fomos inteligentes a negociar. Recebemos logo mil euros e garantimos que se subissem aos juniores recebíamos mais dois mil e mais 30 mil quando fizessem cinco jogos na equipa principal. Sem este acordo recebíamos sete ou oito mil por cada."
Em todo o caso, ninharias, tendo em conta os negócios que os grandes clubes fazem. Agora, quando Estanislau já fazia as contas a um encaixe com a saída de Gelson, o jogador assinou pelo At. Madrid sem acordo com o Sporting. "Temos direito a 1%, do mecanismo de solidariedade. Vamos ver. Acredito que os clubes ainda vão chegar a acordo. Se ele saísse pelo valor da cláusula [60 milhões] nós recebíamos 600 mil euros! Pagava uma época inteira e ainda sobrava dinheiro."
O caminho de Gelson até Madrid começou na cidade da Praia, onde nasceu, a 11 de maio de 1995, com passagens pelas ruas da Amadora e pelo Futebol Benfica. "Via o Robinho na televisão e tentava imitar cada gesto, cada toque. E era rápido como ele. Fintava os outros rapazes na rua, driblava pedras e até vasos", contou Gelson numa entrevista publicada no DN em 2016.
A velocidade sobressaiu primeiro e o futebol ia perdendo para o atletismo. "Corria muito e um dia desafiaram-me a experimentar o atletismo. Fiz corridas de fundo e meio-fundo. Como tinha uma resistência invulgar para a minha idade, queriam que treinasse para maratonas", contou o ex-jogador do Sporting, antes de explicar que foi um amigo que o levou a prestar provas ao Futebol Benfica.
Tinha 12 anos e ficou até aos 16 (ver ficha de inscrição). Mas não sem antes o tentarem roubar ao futebol outra vez. Convenceram-no de que seria "craque" no futsal, por causa dos dribles, e pediu ao Fofó para o libertar. "Como é que o ia deixar ir para o futsal? Ele agora sabe disso e já me confessou que não tinha bem a noção do que era capaz no futebol até ir para o Sporting e chegar à seleção", disse ao DN Domingos Estanislau.
O carinho e o puxão de orelhas andam sempre de mãos dadas no Fofó, que recebe miúdos de bairros problemáticos, por isso o lado social nunca é descurado. O clube tem acordos e protocolos no valor de cerca de dez mil euros, com a junta de freguesia, a câmara municipal e a Segurança Social, para acolher jovens dos bairros sociais das redondezas - o que ajudou o Futebol Benfica a desenvolver um lado social e solidário. "Muitas vezes matar a fome a um miúdo é mais importante do que mandá-lo treinar", garante Estanislau. E não foi uma nem duas vezes que o clube perdoou o pagamento de uma ou outra mensalidade. O presidente só não gosta de "oportunismos".
Ninguém sabe bem quem fundou o clube. Os primeiros registos datam de 1895, mas a fundação oficial é de 1933. Começou por ser o Grupo Futebol Benfica, mas, por altura do Estado Novo, Salazar proibiu instituições com o nome de "grupo" e então passou a Clube Futebol Benfica, mais conhecido por Fofó. No bairro de Benfica, em Lisboa - a cerca de um quilómetro de onde foi fundado o Sport Clube que tornou o nome famoso no futebol -, o clube fica de costas para o Parque Silva Porto (onde funciona o padel), zona privilegiada e bem a jeito do olho gordo dos investidores imobiliários. Mas tem resistido a várias tentativas de compra: "Nunca nos vendemos a empresários nem a brasileiros ou chineses, como agora é moda. Não é essa a nossa filosofia. Somos um clube de bairro, um clube associativo e não um clube empresa."
Agora, o Fofó prepara-se para lavar a cara. As obras estão quase a começar e haverá constrangimentos para os 300 miúdos em competição entre todos os escalões de formação que habitualmente vestem a camisola. O clube fez um acordo com o Lidl, a cadeia de supermercados que vai investir cerca de dez milhões de euros para dinamizar e rentabilizar o espaço. Vai haver um pavilhão que será a contrapartida por um novo espaço comercial. O projeto não agradou a todos, visto que o clube é vizinho do mercado de Benfica e os diretos de superfície dos terrenos foram cedidos a 50 anos, com o pagamento de uma renda simbólica de 169 euros por mês.
Foi preciso paciência e esperar quase dois anos para o ver aprovado. "Estamos entusiasmados. Em atividade desportiva não temos de aprender nada com ninguém. Mas era preciso melhorar o visual. Isto visto de fora não é atrativo, não revela a grandeza do Futebol Benfica. As infraestruturas serão boas e funcionais. Era uma pena ter um espaço destes em Lisboa e não o aproveitar. Vai crescer um clube giro em Benfica", diz o homem do leme. O projeto vai permitir o regresso de modalidades de pavilhão, que falta de condições obrigaram a fechar.
O andebol, o basquetebol e o hóquei em patins, de onde saiu Livramento, o melhor hoquista português de sempre, por exemplo. Para já, além da formação, há o futebol feminino, equipa que acabou de contratar Edite Fernandes, a melhor marcadora da história da seleção nacional feminina.