FMI pede mais cortes e partidos evocam a sua "incongruência"
Os últimos alertas e recomendações do FMI ao governo português para aplicar medidas adicionais de austeridade foram recebidos com alguma reserva ou oposição frontal dos partidos políticos.
"A análise do FMI está muito marcada, ao longo dos anos, por sucessivas falhas em previsões no que diz respeito à economia portuguesa e ao défice português", observou o líder parlamentar do PS, Carlos César, além de que "não trabalha em Portugal nem é um gabinete do governo português".
Duarte Pacheco (PSD) adiantou ao DN: "Há dias em que o FMI diz que a austeridade e determinado tipo de cortes são maus para a economia e é necessário repensar parte do programa de ajustamento, que o ajustamento foi muito forte... há outros dias em que diz que o ajustamento não é suficiente e deve ser reforçado, ter medidas reforçadas. Esta incongruência do FMI está presente e não abona a favor da sua credibilidade."
Mariana Mortágua (BE) respondeu na mesma linha: "O FMI é uma instituição que não tem qualquer tipo de credibilidade nem respaldo na sua própria atividade académica e analítica." A instituição "não acertou nas previsões" para Portugal, "calculou e desenhou um plano de austeridade que dizimou a economia, agravou as desigualdades e aumentou a pobreza" - e, frisou, "os seus próprios quadros e estudos defendem e contrariam as políticas que o Fundo defende".
António Filipe (PCP) acrescentou: "Já estamos habituados a relatórios do FMI que desmentem relatórios anteriores do FMI e a pressões inadmissíveis do FMI sempre com o objetivo de empobrecer os portugueses e impor às camadas sociais mais desfavorecidas uma austeridade eterna." Em tom cáustico, concluiu: "Não damos qualquer credibilidade a relatórios do FMI e o Estado e o governo portugueses não se devem deixar condicionar por chantagens dessa natureza" a poucas semanas da apresentação do Orçamento do Estado para 2017.
O FMI recomendou ontem (ver caixa ao lado) que o governo aplique "mais medidas adicionais" de austeridade equivalentes a 0,5% do PIB - cerca de 900 milhões de euros - em 2017, em matéria de salários e pensões da função pública, para Portugal cumprir a meta do défice assumida para este ano de 2,2% do PIB.
Curiosamente, o diretor executivo do FMI para Portugal relativizou o teor do relatório, pois "não reconhece totalmente" o progresso alcançado quanto às reformas estruturais e "desconsidera o valor da estabilidade política num ambiente sociopolítico em que prevalece um sentimento eurocético fraco".
Carlo Cottarelli, no seu texto de análise publicado com o relatório do FMI, afirma que tanto o Programa de Estabilidade como o Programa Nacional de Reformas "são importantes para construir a confiança e a estabilidade, beneficiando as decisões de investimento" - pelo que, sustenta, "a ênfase do Fundo na instabilidade não se justifica".
Metas do governo "por alcançar"
"Independentemente da incongruência do FMI", considerou o social-democrata Duarte Pacheco, "é natural que as dúvidas possam existir sobre a credibilidade do caminho que o governo está a seguir". Por um lado, "estamos com um crescimento claramente inferior ao do ano passado", por outro, "estamos com uma reversão de muitas das medidas que o governo anterior tinha definido e está-se longe de alcançar as metas que o próprio governo admitiu" atingir com essas opções.
Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, sugeriu mesmo que o alerta do FMI "devia ser ouvido e escutado pelo governo", para que "não sejam os portugueses a pagar esta teimosia do primeiro-ministro em não querer ver aquilo que está a acontecer à sua volta".
Mas o socialista Carlos César argumentou que "um relatório do FMI é como um parecer do Conselho Económico e Social, é como um relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, é como um parecer do Conselho de Finanças Públicas, é como a opinião de um parceiro social, é como um relatório da OCDE, é como uma apreciação da Comissão Europeia. É um entre outros relatórios que constituem trabalhos e informações preparatórias da elaboração da nossa política orçamental e das nossas grandes opções".
Já o Ministério das Finanças, numa nota de resposta ao relatório do FMI, argumentou que "a política orçamental e a implementação das reformas estruturais não são um fim em si mesmo", pois "ambas servem para fomentar a competitividade e o crescimento sustentado e inclusivo da economia portuguesa".
O gabinete de Mário Centeno, acusando o FMI de esquecer o "enorme custo social" e uma "emigração em massa de 400 mil portugueses" provocados pela austeridade implementada pela troika, lembrou que "algumas das deficiências estruturais que o FMI identifica na economia portuguesa não [foram] debeladas durante o Programa de Ajustamento, em particular os elevados níveis de dívida pública e privada, os desafios no setor financeiro e as limitações à competitividade". Com Lusa