Flutuação oportunística num mundo multipolar

Publicado a
Atualizado a

Os últimos anos mostram uma China a crescer, a afirmar-se internacionalmente e a assumir-se como superpotência. Durante algum tempo, isto foi sucedendo sem confronto com os EUA, a Europa ou outras componentes do "mundo ocidental" (Japão, Coreia do Sul, Austrália). Pelo contrário, prevalecia a tese do positive engagement como corolário de uma crescente e relevantíssima interdependência económica. Nos últimos anos, começámos a observar uma crescente crispação nas relações entre a China e os EUA. Os EUA estão incomodados com a ascensão e crescente relevância internacional da China. Iniciaram uma "guerra" comercial e tarifária com a China. Seguiu-se a colocação de centenas de empresas chinesas - denominadas "Chinese Communist Military Companies" - em listas negras de vários departamentos do governo americano. Por outro lado, a liderança chinesa, depois de um período em que reconhecia ter necessidade de inovação e tecnologia ocidental, e em continuar a contar com os mercados dos países ocidentais como principal destino das suas exportações, tem vindo a evoluir numa direção de cada vez maior confrontação com o ocidente. Essa alteração ocorre numa altura em que os resultados do MIC 2025 são ainda incertos e o crescimento do mercado doméstico continua, mas está longe de poder absorver a parte da produção que é exportada para países ocidentais. Tal decorre, essencialmente da adoção pelo PCC de um ultranacionalismo com forte recorte anti-ocidental, que veio substituir o vazio ideológico resultante da morte do marxismo-leninismo como ideologia. Os próximos anos mostrarão se essa postura teve utilidade para a China ou se foi um erro crasso relativamente a um correto desejo da nação chinesa - a afirmação e reconhecimento internacional da China não apenas como a mais antiga civilização ininterrupta, mas também como um exemplo de desenvolvimento económico que permitiu tirar da pobreza, num curto prazo, centenas de milhões de pessoas.

CitaçãocitacaoA postura dos EUA e da China, ambos procurando agregar países aliados ou amigos no respetivo bloco, tem levado cada vez mais analistas a considerar que vivemos num mundo bipolar, com uma nova guerra fria.esquerda

Mas a verdade é que a postura dos EUA e da China, ambos procurando agregar países aliados ou amigos no respetivo bloco, tem levado cada vez mais analistas a considerar que vivemos num mundo bipolar, com uma nova Guerra Fria. Ora, não sendo isto totalmente incorreto, a verdade é que estamos em transição para um mundo claramente multipolar. Tomando o PIB nacional (em PPC) como critério, as projeções para 2050 mostram que 6 das 10 maiores potências económicas serão países emergentes (China, Índia, Indonésia, Brasil, Rússia, México). E a PwC estima, que em 2040, o PIB conjunto das 7 principais economias emergentes (E7) seja o dobro do dos países do G7.

Num mundo crescentemente multipolar, a larga maioria dos países não-alinhados - que não acreditam na bondade desinteressada dos EUA ou da China - não quer ser forçada a escolher lados e não deseja servir de pião na agenda de uma superpotência. E, apesar de a narrativa "democracias vs autocracias" ser interessante em termos de softpower, a postura dessa larga maioria de países passa cada vez mais por flutuar oportunisticamente entre as principais potências - que serão bem mais que duas - em função de benefícios concretos para o respetivo país. Vimos isto recentemente na postura face à Rússia, veremos cada vez mais tal suceder.

Consultor financeiro e business developer
www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt