Fisco corrige tabelas de IRS para permitir ganho líquido a pais com filhos deficientes
Pais solteiros ou casados (dois titulares) com filhos a cargo, portadores de incapacidade igual ou superior a 60%, vão poder escolher se querem reter mais ou menos, em sede de IRS, podendo, por esta via, não ser prejudicados com o agravamento dos descontos, como preveem as atuais tabelas que entraram em vigor em julho. O Ministério das Finanças decidiu corrigir este mecanismo, depois de o Dinheiro Vivo ter noticiado aquela injustiça fiscal. Nesta segunda-feira, é publicado um despacho, assinado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, que vai permitir, a partir de agosto, um ganho salarial líquido a estes trabalhadores por conta de outrem, desde que peçam para mudar de regime à entidade patronal, apurou o DV. Ou seja, a alteração não é automática.
Assim, ordenados mensais brutos iguais ou superiores a 1118 euros já não vão descontar mais, a partir do próximo mês, se os trabalhadores optarem pela nova solução, ainda que já tenham sofrido aquela penalização em julho, a qual variou entre um e 161 euros por mês, tal como avançou o DV, no início de junho. Reconhecendo esta falha, até porque o objetivo das novas tabelas é reduzir os descontos, ou seja, os adiantamentos do imposto ao Estado, permitindo um vencimento líquido superior e uma equiparação entre os valores a reter e a efetiva carga fiscal, a tutela vai, pela quarta vez este ano, alterar o sistema de retenção. Aliás, o ministro das Finanças, Fernando Medina, já tinha admitido, no final de julho, no Parlamento, proceder a reajustes para travar o aumento do peso dos descontos sobre os vencimentos: " Vou analisar a questão e se houver correção a fazer, faremos".
A desvalorização do dependente com grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60%, nas novas tabelas de julho, foi o que originou o aumento da retenção na fonte com a consequente perda de rendimento líquido. Ou seja, no anterior regime, um filho deficiente valia por cinco saudáveis, traduzindo-se numa maior dedução, logo, em descontos inferiores. Mas as tabelas do novo modelo baixaram o peso do dependente com incapacidade, que passou a valer apenas 3,5 filhos sem deficiência, elevando o nível de retenção. Foi este ponto que, cirurgicamente, o Ministério das Finanças corrigiu, mas deixou do lado do trabalhador a decisão de mudar.
Assim, a parcela a abater por dependente, de 84,82 euros, como determina no Despacho n.º 14043-B/2022, de 5 de dezembro, pode ser multiplicada até três, no caso de solteiro ou casado único titular, ou até seis para um casal de dois titulares. Isto significa que a dedução aumenta, no máximo, de 84,82 euros para 254,46 euros, na primeira situação, ou para 508,92 euros, na segunda circunstância, segundo as contas do DV. Como consequência, um salário mensal bruto de 1118 euros de um solteiro que reteve mais um euro, em julho, passando de um ordenado líquido de 995,02 euros para 994,02 euros, já descontando a Segurança Social, de 11% ou de 122,98 euros, vai permanecer agora nos 995,02 euros, ou seja, ficando novamente livre de descontos, caso decida multiplicar a dedução por dependente, de 84,82 euros, por dois ou por três.
Analisando os exemplos dados na infografia, e que têm em conta o valor mais alto da parcela a abater (multiplicando por três, no caso de solteiros, ou por seis, no caso de um casal), um vencimento mensal bruto de 1200 euros, para um não casado que descontava, em sede de IRS, 13,20 euros, no primeiro semestre, valor que se agravou para 24,52 euros, em julho, não estará agora sujeito a retenção. Isto significa um ganho líquido de 13,20 euros face à primeira metade do ano, ou de 24,52 euros relativamente a julho, totalizando um ordenado líquido superior, já depois das contribuições sociais, de 1068 euros.
Mas, para beneficiar deste alívio, o trabalhador terá de informar a entidade patronal se quer reter mais ou menos, indicando se o multiplicador da parcela a abater pelo filho é de um, dois, três, quatro, cinco ou seis, consoante os casos, antes do processamento salarial. Estas tabelas de IRS não têm efeitos retroativos. Contudo, está prevista a correção dos valores descontados a mais, que poderão ser restituídos através da retenção seguinte, sem, porém, ultrapassar o último período de retenção anual, segundo o Código do IRS.
Como os descontos são adiantamentos ao Fisco relativos ao imposto a liquidar no ano seguinte, os trabalhadores podem sempre optar por se manter no regime atual, descontando agora mais, mas depois recebendo um reembolso maior. Se retiverem menos, poderão, no ano seguinte, reaver um montante inferior ou até ser chamados a pagar.
A flexibilidade, introduzida agora pelo Ministério das Finanças, justifica-se face aos custos acrescidos que estas famílias suportam, nomeadamente despesas de reabilitação e de educação especial, sabe o DV. De salientar, ainda assim, que, no momento da entrega da declaração de IRS, estes contribuintes poderão deduzir à coleta um valor superior em relação aos gastos suportados. "São dedutíveis à coleta 30 % da totalidade das despesas efetuadas com a educação e a reabilitação de dependentes com deficiência" sem qualquer limite, segundo o número 2 do artigo 87.º do Código do IRS. Ou seja, os gastos com saúde e educação não concorrem para os limites máximos de despesas dedutíveis que variam entre dois mil euros, para rendimentos mais baixos, e 1500 euros, para remunerações mais altas.
Tendo em consideração que o peso dos gastos variará de família para família, cada uma poderá optar, conforme for mais conveniente, reter mais ou menos, aplicando o fator de multiplicação até três ou seis a acrescer à parcela a abater, por cada dependente com grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Se um agregado tiver muitas despesas, poderá ser vantajoso descontar menos, porque depois terá gastos suficientes para deduzir à coleta e assim abater ao imposto a pagar. Se os custos forem reduzidos, valerá a pena reter mais, porque não terá despesas suficientes para cobrir a carga fiscal a liquidar, no mesmo de acerto de contas.