Nas últimas semanas, o tema das migrações suscitou um amplo debate, primeiro entre académicos e comentadores e, depois, entre responsáveis políticos..Como poucos, o tema das migrações provoca discussões acaloradas e emotivas, muitas vezes impedindo a racionalidade dos argumentos..Contudo, há uma parte da divisão que é largamente artificial e assenta em pressupostos errados. Na verdade, há um conjunto de factos inegáveis que permitem um consenso político e social muito mais alargado do que, à primeira vista, se possa pensar..Primeiro facto: Portugal precisa de imigrantes. De acordo com os Censos, Portugal perdeu, na última década, 196 mil pessoas. Olhando para os números da Pordata, Portugal apresentou saldos totais negativos desde 2010, perdendo população pelas duas vias possíveis: a migratória e a natural. Isto significa que, todos os anos, saíam mais pessoas do país do que entravam, e morriam mais pessoas do que nasciam. Esta tendência foi suavizada, na vertente migratória, a partir de 2017, com saldos positivos, o que permitiu atenuar o saldo total. Nos anos de 2019 e 2020 o saldo total foi positivo, exclusivamente devido à imigração, e, em 2021, voltou a ser negativo, apesar da imigração. Deste modo, é muito claro que a única forma de estancar o défice demográfico no curto prazo é a imigração, até porque qualquer alteração à política de natalidade demora várias gerações a produzir efeitos..Segundo facto: Portugal precisa de uma política migratória. Se é evidente que Portugal precisa de imigrantes, então é essencial adotar uma política migratória. Também aqui se verifica uma divisão largamente artificial. Não é possível uma política de "migração zero", pelas razões expostas, mas também não é adequada uma política de "portas abertas", porque transfere do Estado para o imigrante a decisão de quando e como entrar no território. Deste modo, a política migratória passa por realizar escolhas: quem entra, quando entra, e em que condições. Indispensável é escolher um critério e segui-lo de forma consistente, não mudando ao sabor das conveniências. Por exemplo, a lei da imigração foi recentemente alterada sobretudo por necessidade imediata de setores como o turismo que, de outra forma, entrariam em colapso por falta de mão de obra. Depois, como foram detetados casos lamentáveis de más condições de vida de imigrantes, a tentação seria fechar as portas, em contradição com as decisões anteriormente tomadas. Como evitar este ziguezague regulatório? Um bom exemplo é o do Canadá que há muito adotou um sistema de pontos que permite valorizar, de forma transparente, as qualificações dos candidatos a migrantes, assim assegurando um mecanismo eficiente..Terceiro facto: Portugal deve tratar os imigrantes de forma digna. É inquestionável que qualquer pessoa que se encontre ou resida no nosso país deve ser tratada de forma digna, incluindo nas suas condições de habitação e de trabalho. Uma política migratória -- ou a ausência dela -- que conduza a resultado diverso é, evidentemente, inaceitável..Seria importante dotar o país de uma política migratória duradoura -- resultante de um acordo entre partidos -- assente numa instituição eficaz e proactiva que consiga implementar a política geral. Por esta razão, há muito venho defendendo a criação de uma agência para as migrações, não apenas herdeira das funções do SEF, mas que funcione como catalisador de políticas públicas migratórias, de atração de talento e de integração dos imigrantes..O debate seria mais produtivo caso se focasse mais nos factos, e menos em opiniões emotivas. Só assim seria possível um consenso, tão necessário num tema central para o nosso futuro coletivo..Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos