Finalistas encenam "Assim que passarem cinco anos" de García Lorca no Porto
A encenadora Lígia Roque recordou que o escritor espanhol (1898-1936) "assinou a peça a 19 de agosto de 1931 e foi assassinado no mesmo dia, cinco anos depois", uma "coincidência" que traça "tons de profecia" num texto que aborda "a morte e a perda" numa "viagem por um portal do tempo".
Lígia Roque explicou que a ideia "quase profética" do título acaba por se ligar com o conteúdo da peça, em que os acontecimentos sucedem como se fossem "uma sequência muito rápida e pouco coerente na cabeça antes da morte", sendo que optou por inserir na encenação a morte do próprio Lorca, considerado um dos nomes maiores da poesia e dramaturgia espanhola do século XX.
A dar corpo àquela que é uma obra "muito complicada", "sem uma linha cronológica definida", estarão os alunos do terceiro ano da licenciatura em teatro da ESMAE.
A história, com noções de tempo e de espaço "distorcidas", é a de um homem que espera cinco anos pela noiva, sendo atravessada por várias personagens que são ora "não humanas, como um gato morto", ora "símbolos teatrais, como o palhaço ou o arlequim presentes no terceiro ato", numa abordagem à ideia de "morte e perda".
"Esta peça é mesmo complicada, quando a li não consegui antever todas as dificuldades. Ao nível da representação, é preciso uma capacidade de abstração dos atores e, por outro lado, um enorme esforço de tornar as situações concretas, duas forças a puxar para seu lado, mas temos trabalhado imenso e experimentado muitas maneiras de fazer cada cena".
Como desafio para os jovens atores surge ainda o jogo linguístico presente, em que os tempos verbais são "completamente massacrados" e as personagens "fogem todas à realidade".
A cenografia trabalhada para a encenação de uma obra que chegou a ser considerada "impossível de encenar" fica marcada por um "buraco no espaço", bem como pela inclusão da morte do próprio encenador.
"O chão do palco é todo azul, até pela ligação indireta do Lorca com o surrealismo, mas é aqui um cenário mais cósmico do que surreal, com um buraco no meio, de onde vem luz, que representa, além da simbologia da psicologia dos personagens, também o sítio de onde vem a morte, o passado", adiantou a encenadora.
A obra esperou nove anos para ser representada pela primeira vez, com a primeira encenação, em língua inglesa, a ocorrer em 1945, em Nova Iorque, e a primeira em castelhano nove anos depois, na Universidade de Porto Rico.
"Assim que passarem cinco anos", com encenação de Lígia Roque, estará em cena no Teatro Helena Sá e Costa, no Porto, de 05 a 09 de julho, com récitas pelas 21:30 de quarta-feira a sábado, e no domingo pelas 16:00.