Fim, meio e princípio
á uma frase famosa de Jean--Luc Godard dizendo que, sim, todas as histórias têm um princípio, um meio e um fim, só que não necessariamente por essa ordem. Ora o que aconteceu na Luz, no Benfica-Paços de Ferreira, foi isso, sem tirar nem pôr uma história dessas trocadas, destrambelhadas, de pernas para o ar.
Como não podia deixar de ser, o Glorioso arrumou o digno representante da Capital do Móvel, e arrumou-o bem, sem apelo nem agravo, como se arruma um assunto numa gaveta para que ele nunca mais nos mace, borboleteando por aí. Ainda assim, alguns benfiquistas não conseguiram deixar de ficar um pouco desiludidos com a exibição do Benfica 2006 (a começar pelo treinador Koeman, que, aos microfones das televisões, não disse, aliás, outra coisa). É, desde logo, um sentimento natural, sabendo-se que o Glorioso é o único clube que, pela sua grandeza, não pode limitar-es ao pequeno pragmatismo das contas terrenas. Um clube que, por definição, exige nada menos do que os céus na relva grandes vitórias, espectáculo, arte, mística! Quando o jogo acabou, confesso que também fui um desses que não conseguiram evitar o triste pecado da desilusão. Somos humanos e, apesar dos três pontos, aquele futebol de bolas para o lado, tantas vezes desorganizado e sem faísca, é de enervar qualquer mortal.
Mas já arranjei maneira de ver as coisas de outra forma. Se destrocarmos tudo outra vez, seguindo o princípio de que as histórias não são lineares e o que acontece não acontece necessariamente por aquela ordem, dá para chegarmos à conclusão que a coisa nem foi assim tão mortiça. Quem sabe, talvez dê até para chegarmos à benfiquistíssima conclusão que foi mais um grande jogo, uma espantosa vitória, senhoras e senhores, um sucesso total.
Passemos, por exemplo, o princípio para o fim e o fim para o princípio, deixando o meio no meio. Imaginemos que aquele lance do Nélson aos dez minutos salta para o final do jogo, para o mundialmente famoso minuto noventa. O Paços vai arriscando uns contra-ataques, e a Luz está de coração nas mãos, a ver se o 1-0 resiste. Nesse momento Nélson, encostado à esquerda, faz aquela finta louca. Um truque para lá de todas as literaturas dá de calcanhar meio para o lado meio para a frente, a bola acelera e ele atrás dela, deixando o defesa em pose esfíngica, cavaquística, sem saber o que fazer. E depois pum! chuta com força.
A sorte (que foi inventada para estes momentos) faz o resto. O corpo de outro defesa desvia a bola, enganando o guarda-redes, e é gooolo! Como nas histórias, no fim do terceiro acto (a cena apagada, a cortina correndo), o público levanta-se e aplaude, emocionado, aquele toque- -maravilha, todo o sem-medo daquele miúdo.