Filmes portugueses com salas vazias

Publicado a
Atualizado a

Em 2004 apenas 193 197 espectadores foram ao cinema ver alguma das 15 longas-metragens portuguesas estreadas, segundo os dados do Instituto do Cinema Audiovisual e Multimedia (ICAM). Um número irrisório quando comparado com os resultados de bilheteira dos filmes estrangeiros Shrek 2, o mais visto em Portugal no ano passado, teve 651 326 espectadores. A conclusão é simples os portugueses não vêem o seu próprio cinema. Ao contrário do que acontece em França (onde o cinema nacional representa 34,8 por cento do mercado) ou em Espanha (15,8 por cento), aqui o cinema nacional representa só 0,9 por cento do mercado, o valor mais baixo de toda a União Europeia (dados de 2003, segundo o Observatório Europeu do Audiovisual).

O divórcio entre o cinema português e o seu público não é de hoje. Mas depois de sucessos de bilheteira como Tentação, de Joaquim Leitão, ou Zona J, de Leonel Vieira (ver quadro ao lado), e de anos de bonança como 1997 (estrearam-se então sete longas-metragens que levaram 454 287 pessoas ao cinema; a quota de cinema nacional foi de 4,4 por cento) e 1998 (13 longas-metragens tiveram 575 826 espectadores), criaram-se expectativas. Nunca mais se viram números assim, pelo menos segundo as contas do ICAM, que contabiliza os espectadores portugueses desde 1997 a partir dos dados fornecidos pelo INE e pelos exibidores e que só em 2004, com a informatização das bilheteiras, pode apresentar dados mais fiáveis (há quem diga que essa é uma das explicações para o "fracasso" de alguns filmes, já não se pode "aldrabar" - mas isso não justifica tudo).

2001 foi o pior dos últimos anos (219 891 espectadores para 12 longas-metragens). E não houve recuperação. Estreiam-se cada vez mais títulos mas há menos espectadores - ou seja, há menos pessoas a ver cada um dos filmes (ver gráfico). Um dos factores a ter em conta é o número de cópias com que cada filme se estreiapor exemplo, Querença estreou-se com quatro cópias, enquanto que Sorte Nula teve 20.

Procurando "perceber as motivações, ou a ausência de motivações, para os portugueses verem os filmes nacionais", a Associação de Produtores de Cinema (APC) propôs ao ICAM a realização de um "vasto inquérito nacional". "É fundamental que os produtores estejam envolvidos e que os criadores tenham conhecimento de quem vai ao cinema é preciso aumentar o público-alvo, mas precisamos conhecê-lo", reconhece Elísio Oliveira, presidente do ICAM. Neste momento, segundo Paulo Trancoso, presidente da APC, o estudo está a ser preparado; em Maio, serão realizados os inquéritos a espectadores dos 15 aos 30 anos em várias cidades com cinema; e, em Outubro, espera-se que já haja resultados.

As culpas. Mesmo sem inquéritos feitos, pressentem-se alguns dos motivos. Paulo Trancoso fala de imediato da "omnipresença do cinema americano, que, ao longo dos anos, não deixou que o cinema português fosse visto". "Formou-se um gosto", cada vez mais distante da oferta de cinema nacional.

A "americanização" do gosto é também apontada pelo realizador João Mário Grilo "O grande problema é não haver comerciantes à altura da divulgação, excepto a Atalanta", diz. Considerando que "este mercado podia perfeitamente produzir muito mais riqueza do que produz", o presidente da Associação Portuguesa de Realizadores (APR) defende que "devia ter sido criado um cinema comercial em Portugal há 30 anos". "A razão por que não existe", argumenta Grilo, é porque "é preciso trabalhar para tornar um produto comercialmente atractivo". Um filme como o seu Longe da Vista, tal como Verdes Anos de Paulo Rocha, "tem tudo para ser um grande sucesso, basta saber comercializá-lo".

Com uma argumentação totalmente distinta, também o realizador António-Pedro Vasconcelos considera necessário haver um cinema mainstream em Portugal. O presidente da Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais (ARCA) é muito mais radical a apontar os motivos deste falhanço "Tal deve-se exclusivamente à má qualidade dos filmes", diz. "O público não se engana. Só que, depois ter ido ver filmes portugueses e ter ficado tantas vezes escaldado, agora já não quer ir."

O realizador José Carlos Oliveira completa esta ideia dizendo que, antes de mais, é preciso haver legislação que estimule a existência de uma indústria e de cinema comercial - uma lei que envolva na produção também os distribuidores, os exibidores e as televisões, porque, "se todos investirem num filme, todos terão interesse em que ele seja um sucesso". Criando-se um cinema mainstream, "cria-se o hábito de ver cinema em português" e, então, "até os filmes mais difíceis começam a ter público".

Optimista, o realizador Joaquim Leitão diz que "não há motivos para preocupação". "Sistematicamente, o cinema português tem passado por fases em que tem mais público, mas, como isso não é sustentado, seguem-se fases com menos público. Felizmente, ultrapassámos a fase em que havia uma recusa de princípio em relação aos filmes portugueses. Não voltámos a isso. O que se passa é que, se calhar, os filmes que estão a ser feitos até podem ter qualidade mas não estão em sintonia com aquilo que o público quer ver neste momento. É difícil perceber os fenómenos do gosto." O realizador de Tentação sabe bem do que fala quando diz que falta um êxito português nas salas "Quando há um grande sucesso isso é benéfico para os outros filmes."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt