O espaço no cinema ou o cinema no espaço. Muitos são os filmes que exploram a relação do homem com os astros e o firmamento, entre olhares históricos como o do projeto espacial Mercury, em Os Eleitos de Philip Kaufman, e ficção pura e dura como a do Star Wars de George Lucas. Esta é uma tradição essencialmente americana e está em vias de conhecer uma nova etapa: a NASA confirmou que o ator Tom Cruise vai integrar a rodagem de um filme de ação e aventura na Estação Espacial Internacional, a quatrocentos quilómetros de altitude. Por agora, não são conhecidos muitos pormenores. Sabe-se que não será mais um dos momentos da série Missão Impossível e que o projeto pretende aliciar cientistas e engenheiros para trabalharem com a Agência Espacial Norte-Americana. Como diz o título do filme escrito pelo músico de jazz Sun Ra, Space Is the Place..Eis os dez melhores filmes para o provar ou contradizer..2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick Não há filme de ficção científica que consiga destroná-lo. 2001: Odisseia no Espaço é a bíblia de tudo o que veio depois, a obra-prima mais influente dentro deste género e aquela que mantém intacto o mistério encerrado numa majestosa linguagem "musical". Perfeccionista inveterado, foi o próprio Stanley Kubrick quem fez questão de associar o filme a essa ideia de uma experiência (quase) não verbal, em que somos conduzidos por uma inteligência extraterrestre que traça a evolução da espécie humana, passando da imagem dos símios para uma nave espacial, a Lua, a posterior missão a Júpiter e o infinito consumado num feto. 2001 começou por ser apresentado ao público como "a trip absoluta", e talvez o marketing ainda faça sentido... Nunca a vastidão do espaço foi tão deslumbrante e sombria..O Planeta dos Vampiros (1965), de Mario Bava.Ao apresentar uma cópia restaurada de O Planeta dos Vampiros, na secção de clássicos do Festival de Cannes de 2016, o realizador Nicolas Winding Refn alertava o público para uma revelação "chocante": a produção de baixo orçamento que estavam prestes a ver era, nada mais, nada menos, do que a grande inspiração por detrás de Alien - O 8.º Passageiro. Refn não é o único a sustentá-lo. Este filme de Mario Bava, mestre italiano do género do terror, contém todos os elementos que Ridley Scott depurou, desde a receção de um sinal desconhecido ao planeta inexplorado cuja atmosfera malsã vai tomar conta, neste caso, de duas tripulações. Brilhante diretor de fotografia que também era, Bava elaborou um ambiente visual hipnótico, com cores fabulosas e um décor planetário delirante..Apollo 13 (1995), de Ron Howard.A história verídica da missão Apollo 13, protagonizada por Tom Hanks, Kevin Bacon e Bill Paxton, é dos retratos mais comoventes de uma crise em pleno voo espacial (foi uma missão à Lua fracassada em 1970). A célebre frase "Houston, we have a problem" ficou como marca de realismo de um filme que enaltece o engenho americano na base de uma observação humana e pragmática. Não há nada fora do sítio ou sequer revestimento existencialista. Este é um quadro de confinamento aflitivo; situação de vida ou morte. Ron Howard procurou a máxima autenticidade nos pormenores, desde logo, contando com a ajuda da NASA no treino dos atores e, inclusivamente, filmando a bordo de uma aeronave de gravidade reduzida para tornar a imagem de leveza mais real..Alien - O 8.º Passageiro (1979), de Ridley Scott.O filme que eternizou a imagem de uma obstinada Sigourney Weaver contra um monstro alienígena é o grande clássico de terror no espaço. Assente num extraordinário minimalismo narrativo, Ridley Scott criou uma peça de tensão contínua que alia a bravura do design de produção (depois deste viria o de Blade Runner) com um silêncio mortificador. Quando a nave Nostromo recebe um sinal desconhecido, estão sete astronautas a bordo. Não muito depois desse sinal, o caos instala-se e todos eles vão ter de lutar pela sobrevivência num lugar onde ninguém os pode ouvir... Ainda que as sequelas de Alien não sejam nenhuns parentes pobres, este título inaugural continua a ser a mais perfeita construção da espinha dorsal do medo..Solaris (1972), de Andrei Tarkovsky.Tido como a resposta soviética a 2001: Odisseia no Espaço, em tempos de Guerra Fria, Solaris está longe de ser um filme de motivação política, na mesma medida em que Tarkovsky não era um realizador fascinado pela visão "tecnológica" da ficção científica. Pelo contrário: depois de ter visto o filme de Kubrick com o diretor de fotografia Vadim Ioussov, o cineasta russo reiterou o distanciamento de qualquer ideal de sofisticação técnica. A sua adaptação do romance de Stanislaw Lem coloca as figurações científicas em segundo plano e valoriza a componente intimista da odisseia do psicólogo Kris Kelvin (Donatas Banionis), enviado para investigar um fenómeno estranho numa estação espacial em órbita no planeta Solaris. Em 2002, Steven Soderbergh assinou uma versão de Hollywood com George Clooney..Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès Tem 14 minutos e é considerado o nascimento de ficção científica no grande ecrã. George Méliès, o seu realizador-ilusionista, juntou pozinhos de Julio Verne e H. G. Wells e vendeu um bilhete de acesso à sua própria imaginação efervescente. Tudo começa num congresso de um Clube de Astronomia em que o presidente propõe uma viagem à Lua. Os cientistas partem numa nave espacial impulsionada por um canhão e aterram num cenário fantástico que exploram até se depararem com uma raça de habitantes lunares... Estes não se deixam conquistar. Pela evidência da narrativa, muitos defendem que Viagem à Lua pode ser lido como uma sátira anti-imperialista. Na altura em que o filme foi feito - 1902 - a França era a segunda maior potência colonial do mundo..Gravidade (2013), de Alfonso Cuarón.O mexicano Alfonso Cuarón venceu o seu primeiro Óscar de realização com Gravidade, o filme que leva o título à letra e suspende Sandra Bullock e George Clooney no espaço sideral. O desejo de voltar para casa - algo tão explorado nas entrelinhas de qualquer ficção científica - está em cada gesto desta inexperiente astronauta, a certa altura totalmente sozinha, presa numa nave que perdeu contacto com a equipa de controlo devido a uma explosão. Com apenas esta premissa, uma atriz a cem por cento e um orçamento gigante, Cuarón deu espessura a um pesadelo filmando a tensão do vazio como uma angustiante experiência umbilical que passa para a pele do espetador. Aos poucos, deixamos de olhar para a estrutura de uma grande produção: fica só um corpo e a sua esperança intermitente..Os Primeiros Homens na Lua (1964), de Nathan Juran.Em meados dos anos 1960, os filmes sobre viagens espaciais ainda não estavam na moda. Esta produção puramente britânica constitui-se assim como um exemplo precioso de criatividade plástica com centelha literária. Trata-se de uma adaptação do clássico homónimo de H. G. Wells e arranca com uma suposta primeira expedição lunar, que afinal descobre sinais de uma presença anterior: um grupo de aventureiros vitorianos que, em 1899, conseguiu chegar à Lua e aí descobriu uma população de criaturas hostis com aparência de insetos! A história é contada em flashback, pelo velho inventor que desafiou a gravidade, e toda a graça da aventura é sustentada por cenários inventivos e pelos efeitos especiais de Ray Harryhausen..Wall-E (2008), de Andrew Stanton.Das mais belas animações da Pixar, Wall-E mostra um futuro em que a Terra se tornou um lugar inabitável, devido à poluição, e os humanos partiram para o espaço. Para trás ficou um pequeno e adorável robô, destinado a compactar lixo eternamente, que um dia vê a sua solidão quebrada por outro robô bem mais sofisticado e... feminino. A história de amor pós-apocalíptica de Wall-E e Eve acaba por ser uma mistura de encanto e melancolia que se cruza com a narrativa da humanidade dependente dos sistemas automatizados. Aqui, a poesia está nas máquinas que procuram uma forma de redenção para a espécie humana e, à boleia desse espírito que tenta contrariar a obscuridade, o filme recheia-se de momentos "espaciais" fascinantes, como a dança que os dois fazem através das estrelas..Interstellar (2014), de Christopher Nolan.Este ambicioso filme de Christopher Nolan põe os olhos num futuro em que a Terra já não aguenta os efeitos das alterações climáticas e está a ser estudada a potencial existência de mundos habitáveis, para se impedir a extinção da humanidade. O canal de passagem para esses mundos é o maior enigma que Interstellar vai explorar numa missão que põe Matthew McConaughey na linha da frente de uma íntima proeza galáctica. Se a abordagem cerebral começa por ser a chave-mestra de Nolan, é o segredo cósmico com seta apontada ao coração que define a viagem no seu todo. Estamos perante um drama de ficção científica profundamente filosófico, em que a perseverança dos laços familiares se cruza com a linguagem oculta do espaço. A propósito, não era também assim no fabuloso Contacto (1997), de Robert Zemeckis?
O espaço no cinema ou o cinema no espaço. Muitos são os filmes que exploram a relação do homem com os astros e o firmamento, entre olhares históricos como o do projeto espacial Mercury, em Os Eleitos de Philip Kaufman, e ficção pura e dura como a do Star Wars de George Lucas. Esta é uma tradição essencialmente americana e está em vias de conhecer uma nova etapa: a NASA confirmou que o ator Tom Cruise vai integrar a rodagem de um filme de ação e aventura na Estação Espacial Internacional, a quatrocentos quilómetros de altitude. Por agora, não são conhecidos muitos pormenores. Sabe-se que não será mais um dos momentos da série Missão Impossível e que o projeto pretende aliciar cientistas e engenheiros para trabalharem com a Agência Espacial Norte-Americana. Como diz o título do filme escrito pelo músico de jazz Sun Ra, Space Is the Place..Eis os dez melhores filmes para o provar ou contradizer..2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick Não há filme de ficção científica que consiga destroná-lo. 2001: Odisseia no Espaço é a bíblia de tudo o que veio depois, a obra-prima mais influente dentro deste género e aquela que mantém intacto o mistério encerrado numa majestosa linguagem "musical". Perfeccionista inveterado, foi o próprio Stanley Kubrick quem fez questão de associar o filme a essa ideia de uma experiência (quase) não verbal, em que somos conduzidos por uma inteligência extraterrestre que traça a evolução da espécie humana, passando da imagem dos símios para uma nave espacial, a Lua, a posterior missão a Júpiter e o infinito consumado num feto. 2001 começou por ser apresentado ao público como "a trip absoluta", e talvez o marketing ainda faça sentido... Nunca a vastidão do espaço foi tão deslumbrante e sombria..O Planeta dos Vampiros (1965), de Mario Bava.Ao apresentar uma cópia restaurada de O Planeta dos Vampiros, na secção de clássicos do Festival de Cannes de 2016, o realizador Nicolas Winding Refn alertava o público para uma revelação "chocante": a produção de baixo orçamento que estavam prestes a ver era, nada mais, nada menos, do que a grande inspiração por detrás de Alien - O 8.º Passageiro. Refn não é o único a sustentá-lo. Este filme de Mario Bava, mestre italiano do género do terror, contém todos os elementos que Ridley Scott depurou, desde a receção de um sinal desconhecido ao planeta inexplorado cuja atmosfera malsã vai tomar conta, neste caso, de duas tripulações. Brilhante diretor de fotografia que também era, Bava elaborou um ambiente visual hipnótico, com cores fabulosas e um décor planetário delirante..Apollo 13 (1995), de Ron Howard.A história verídica da missão Apollo 13, protagonizada por Tom Hanks, Kevin Bacon e Bill Paxton, é dos retratos mais comoventes de uma crise em pleno voo espacial (foi uma missão à Lua fracassada em 1970). A célebre frase "Houston, we have a problem" ficou como marca de realismo de um filme que enaltece o engenho americano na base de uma observação humana e pragmática. Não há nada fora do sítio ou sequer revestimento existencialista. Este é um quadro de confinamento aflitivo; situação de vida ou morte. Ron Howard procurou a máxima autenticidade nos pormenores, desde logo, contando com a ajuda da NASA no treino dos atores e, inclusivamente, filmando a bordo de uma aeronave de gravidade reduzida para tornar a imagem de leveza mais real..Alien - O 8.º Passageiro (1979), de Ridley Scott.O filme que eternizou a imagem de uma obstinada Sigourney Weaver contra um monstro alienígena é o grande clássico de terror no espaço. Assente num extraordinário minimalismo narrativo, Ridley Scott criou uma peça de tensão contínua que alia a bravura do design de produção (depois deste viria o de Blade Runner) com um silêncio mortificador. Quando a nave Nostromo recebe um sinal desconhecido, estão sete astronautas a bordo. Não muito depois desse sinal, o caos instala-se e todos eles vão ter de lutar pela sobrevivência num lugar onde ninguém os pode ouvir... Ainda que as sequelas de Alien não sejam nenhuns parentes pobres, este título inaugural continua a ser a mais perfeita construção da espinha dorsal do medo..Solaris (1972), de Andrei Tarkovsky.Tido como a resposta soviética a 2001: Odisseia no Espaço, em tempos de Guerra Fria, Solaris está longe de ser um filme de motivação política, na mesma medida em que Tarkovsky não era um realizador fascinado pela visão "tecnológica" da ficção científica. Pelo contrário: depois de ter visto o filme de Kubrick com o diretor de fotografia Vadim Ioussov, o cineasta russo reiterou o distanciamento de qualquer ideal de sofisticação técnica. A sua adaptação do romance de Stanislaw Lem coloca as figurações científicas em segundo plano e valoriza a componente intimista da odisseia do psicólogo Kris Kelvin (Donatas Banionis), enviado para investigar um fenómeno estranho numa estação espacial em órbita no planeta Solaris. Em 2002, Steven Soderbergh assinou uma versão de Hollywood com George Clooney..Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès Tem 14 minutos e é considerado o nascimento de ficção científica no grande ecrã. George Méliès, o seu realizador-ilusionista, juntou pozinhos de Julio Verne e H. G. Wells e vendeu um bilhete de acesso à sua própria imaginação efervescente. Tudo começa num congresso de um Clube de Astronomia em que o presidente propõe uma viagem à Lua. Os cientistas partem numa nave espacial impulsionada por um canhão e aterram num cenário fantástico que exploram até se depararem com uma raça de habitantes lunares... Estes não se deixam conquistar. Pela evidência da narrativa, muitos defendem que Viagem à Lua pode ser lido como uma sátira anti-imperialista. Na altura em que o filme foi feito - 1902 - a França era a segunda maior potência colonial do mundo..Gravidade (2013), de Alfonso Cuarón.O mexicano Alfonso Cuarón venceu o seu primeiro Óscar de realização com Gravidade, o filme que leva o título à letra e suspende Sandra Bullock e George Clooney no espaço sideral. O desejo de voltar para casa - algo tão explorado nas entrelinhas de qualquer ficção científica - está em cada gesto desta inexperiente astronauta, a certa altura totalmente sozinha, presa numa nave que perdeu contacto com a equipa de controlo devido a uma explosão. Com apenas esta premissa, uma atriz a cem por cento e um orçamento gigante, Cuarón deu espessura a um pesadelo filmando a tensão do vazio como uma angustiante experiência umbilical que passa para a pele do espetador. Aos poucos, deixamos de olhar para a estrutura de uma grande produção: fica só um corpo e a sua esperança intermitente..Os Primeiros Homens na Lua (1964), de Nathan Juran.Em meados dos anos 1960, os filmes sobre viagens espaciais ainda não estavam na moda. Esta produção puramente britânica constitui-se assim como um exemplo precioso de criatividade plástica com centelha literária. Trata-se de uma adaptação do clássico homónimo de H. G. Wells e arranca com uma suposta primeira expedição lunar, que afinal descobre sinais de uma presença anterior: um grupo de aventureiros vitorianos que, em 1899, conseguiu chegar à Lua e aí descobriu uma população de criaturas hostis com aparência de insetos! A história é contada em flashback, pelo velho inventor que desafiou a gravidade, e toda a graça da aventura é sustentada por cenários inventivos e pelos efeitos especiais de Ray Harryhausen..Wall-E (2008), de Andrew Stanton.Das mais belas animações da Pixar, Wall-E mostra um futuro em que a Terra se tornou um lugar inabitável, devido à poluição, e os humanos partiram para o espaço. Para trás ficou um pequeno e adorável robô, destinado a compactar lixo eternamente, que um dia vê a sua solidão quebrada por outro robô bem mais sofisticado e... feminino. A história de amor pós-apocalíptica de Wall-E e Eve acaba por ser uma mistura de encanto e melancolia que se cruza com a narrativa da humanidade dependente dos sistemas automatizados. Aqui, a poesia está nas máquinas que procuram uma forma de redenção para a espécie humana e, à boleia desse espírito que tenta contrariar a obscuridade, o filme recheia-se de momentos "espaciais" fascinantes, como a dança que os dois fazem através das estrelas..Interstellar (2014), de Christopher Nolan.Este ambicioso filme de Christopher Nolan põe os olhos num futuro em que a Terra já não aguenta os efeitos das alterações climáticas e está a ser estudada a potencial existência de mundos habitáveis, para se impedir a extinção da humanidade. O canal de passagem para esses mundos é o maior enigma que Interstellar vai explorar numa missão que põe Matthew McConaughey na linha da frente de uma íntima proeza galáctica. Se a abordagem cerebral começa por ser a chave-mestra de Nolan, é o segredo cósmico com seta apontada ao coração que define a viagem no seu todo. Estamos perante um drama de ficção científica profundamente filosófico, em que a perseverança dos laços familiares se cruza com a linguagem oculta do espaço. A propósito, não era também assim no fabuloso Contacto (1997), de Robert Zemeckis?