Filme sobre Lava-Jato estreia-se em julho mas já gera choque

"Polícia Federal, a Lei É para Todos" tem Ary Fontoura como Lula e Marcelo Serrado como Sérgio Moro. Ideia é fazer uma trilogia
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Ainda antes de a polícia federal bater à porta do seu apartamento de São Bernardo do Campo, nos arredores de São Paulo, Lula da Silva abre-a. Vestido com fato de treino, porque estava a minutos de ir ao ginásio, o antigo presidente do Brasil ouve dos agentes "isto é uma condução coercitiva". E responde: "Isto é uma "filha da putice"." No caminho até à esquadra, surgem imagens reais do dia em que depôs por ordem do juiz Sérgio Moro. Eis a última cena do filme Polícia Federal, a Lei É para Todos.

É precisamente esta a cena que tem dado que falar. A defesa de Lula entrou com uma petição a exigir que Moro investigue como é que a produção teve acesso àquelas imagens. O juiz respondeu que não lhe competia censurar filmes e pediu à polícia que se manifestasse. A meses da estreia nos cinemas do Brasil, em julho, o filme já gera choque entre acusadores e acusados.

A produção e a realização de Polícia Federal, a Lei É para Todos tratam-no como a primeira parte de uma trilogia, focada nos bastidores da task force da Lava-Jato, ou seja, nos seus delegados e agentes anónimos que nos gabinetes e nas ruas colheram as provas da mais mediática e influente investigação policial do país, com 89 condenados a 1383 anos de prisão acumulados e três mil milhões de euros devolvidos aos cofres públicos.

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"Os brasileiros têm sabido dos detalhes da Lava-Jato sempre a posteriori, via imprensa, por isso focámo-nos naquilo que não se sabe, na investigação, como as coisas foram descobertas, por isso decidimos fazer o recorte na condução coercitiva do Lula, um dos pontos nevrálgicos do processo", disse o realizador Marcelo Antunez, autor de comédias de sucesso no país, ao jornal O Estado de Minas.

Nem todas as personagens são anónimas. Também aparecem no filme, além de Lula, o juiz Moro, o procurador Deltan Dallagnol, o delator Alberto Youssef ou o magnata detido Marcelo Odebrecht. E parte dos atores que os interpretam são conhecidos do grande público: Lula será interpretado pelo veterano Ary Fontoura, com dezenas de telenovelas e outros trabalhos no currículo; Marcelo Serrado interpreta Moro; e Flávia Alessandra viverá uma personagem baseada na delegada pouco mediática mas essencial na investigação Erika Marena.

Em fase de pós-produção e montagem, o filme custou 15 milhões de reais, perto de cinco milhões de euros, aos seus investidores, que mantêm o anonimato. "É um direito que têm", disse o produtor Tomislav Blazic. Mas o filme, que terá perseguições e tiros como se exige a uma fita de ação, terá uma visão politizada, como a petição dos advogados de Lula sugere? O realizador nega: "Estamos a fazer um filme de entretenimento, a nossa intenção é não politizar, é sermos imparciais, contar apenas o processo de investigação de forma organizada na maneira como foi acontecendo."

Para tal, Marcelo Serrado almoçou com Moro - "conta pouca coisa, é meio fechadão", queixou-se o ator - e Flávia Alessandra e outros fizeram aturado trabalho de campo com a equipa de investigação em Curitiba, cidade sede da operação. "Fomos diretos à fonte, garimpar, queríamos entender melhor o processo, fizemos entrevistas, no fundo, o processo corriqueiro de qualquer biografia", afirma Antunez.

Há personagens que são inspiradas em meia centena de pessoas, como a de Antônio Calloni, também experiente ator da Globo, que levará o nome e os gestos do delegado regional de combate ao crime organizado do Paraná Igor de Paula mas que junta ações de mais de 50 subordinados seus. "Não dava para colocar 50 personagens no filme", explica o realizador.

"No fundo, o filme não tem um protagonista mas um multiprotagonista, não queríamos fazer heróis, nessa perspetiva é um filme que dialoga com Spotlight", conta Antunez, referindo-se a O Caso Spotlight, vencedor dos Óscares de 2016.

O "Hipster da Federal", talvez o segundo agente mais conhecido de toda a operação por ter dado nas vistas durante a detenção do antigo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha ao ser considerado fisicamente atraente, aparece retratado no filme. O "Japonês da Federal", de nome real Newton Ishii, fotografado dezenas de vezes a conduzir presos à cadeia de Curitiba, surge apenas numa das piadas de Lula/Ary Fontoura na cena final: "O japonês de Curitiba não veio? Ainda bem, talvez roubasse alguma coisa aqui em casa."

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