Filme de Honoré refaz romanesco "à la française"
Uma das blagues jornalísticas de qualquer Festival de Cannes consiste em ironizar a "qualidade francesa", expressão carregada de negativismo histórico, uma vez que, já la vai meio século, serviu aos cineastas da Nova Vaga como identificação pejorativa do cinema da geração anterior. O certo é que, até agora, um dos melhores títulos da competição e uma saga de muitas e tocantes emoções, genuinamente "a la francaise" - tem assinatura de Christophe Honoré e chama-se Plaire, Aimer et Courir Vite.
O título define o programa dramático do filme. "Agradar" (plaire), até a mais indizível adoração, e o laço que vai unir dois homens: o mais velho, Jacques (Pierre Deladonchamps), um escritor de Paris, mais desencantado que cínico; o outro, Arthur (Vincent Lacoste), chegado de Rennes, na Bretanha, para cumprir uma utopia existencial de revelação e libertação. Amar e ser amado, eis a questão garantida pela segunda palavra do título. Mas é na expressão final que encontramos a chave desta tragédia suspensa: é preciso "correr depressa" porque Jacques esta doente com sida e, naquele tempo de muitos ceticismos (1993 e a data com que o filme se anuncia), o trabalho afetivo com os mais próximos consiste em lidar com a iminência da sua própria morte.
Na arqueologia dos filmes do cinema francês capazes de evocar um tempo específico e o seu estado de espírito, em particular no repensar do amor e do sexo, talvez seja inevitável evocar a inspiração mítica de La Maman et la Putain (1973), de Jean Eustache. De qualquer modo, este eé um objeto de genuíno romanesco, no sentido mais radical de reafirmação da vida através do confronto com a morte - e lembramo-nos, claro, do cinema de Francois Truffaut (1932-1984). Porventura para clarificar tal filiação, Honoré filma mesmo uma cena tão breve quanto comovente, em que o seu jovem herói bretão visita a campa do dramaturgo Bernard-Marie Koltes (falecido em 1989, contava 41 anos, de complicações de sida) e, depois, a do próprio Truffaut.
Nas especulações em torno de possíveis candidatos aos prémios principais do festival, devemos incluir, desde já, o filme de Honoré. Por ele, sem dúvida, mas sobretudo por causa dos seus notáveis atores, com destaque para Pierre Deladonchamps. Descobrimo-lo em O Desconhecido do Lago (2013), de Alain Guiraudie, e reencontramo-lo o ano passado, também em Cannes, no belíssimo Nos Annees Folles, de Andre Techiné (ainda inédito no mercado português).
Entretanto, também em francês, na Quinzena dos Realizadores, registe-se a passagem de Joueurs, longa-metragem de estreia de Marie Monge (concorre, por isso, para a Câmara de Ouro), sugestivo cruzamento de melodrama e "thriller" em torno do vício dos jogos a dinheiro. Para alem dos seus altos e baixos, conta também com sólidas composições de Tahar Rahim e Stacy Martin.